Um dia sangrento
- Atualizado em 07/05/2021 16:13
Ontem, dia 06/05, tivemos na cidade do Rio de Janeiro a operação policial mais sangrenta da história. Em uma cidade acostumada com tiroteios diários, onde os jornais matutinos noticiam confrontos armados com a mesma naturalidade que noticiam os engarrafamentos, os acontecimentos da manhã não pareciam ser diferentes do "normal". Era apenas mais uma operação para cumprimento de mandados de prisão, dessa vez na comunidade do Jacarezinho e quando os policiais chegaram, foram recebidos a tiros. Nada diferente do esperado, já que esse parece ser o único roteiro de nossa política de segurança pública. Porém, dessa vez os mortos foram muitos. Além de um policial civil abatido com um tiro na cabeça, outras 24 pessoas, apontadas pela polícia como criminosos, também foram alvejadas. Sem contar os feridos. O número foi muito alto a repercussão maior ainda.
Infelizmente esse tipo de operação parece ser a única forma que os gestores de segurança pública de nosso Estado conhecem ou acreditam ser eficaz. A invasão de comunidades controladas por criminosos tem ocorrido há décadas na cidade e nada muda nesse cenário. Os confrontos ocorrem, pessoas são baleadas, armas são apreendidas e fotos são feitas nas chefias de Polícia para comprovar o sucesso das operações. O enredo é sempre o mesmo e todos conhecem. Porém, o efeito em termos de segurança pública é nulo.
As comunidades continuam a ser controladas pelos criminosos, os armamentos continuam a chegar e as drogas sempre à disposição para quem quiser. Se a ideia dessas operações em algum momento foi melhorar a situação, já podem ser consideradas grandes fracassos. Resumir a segurança pública a equações matemáticas onde comparamos os números de mortes em cada lado do confronto para ver quem saiu vitorioso é sinal de que está tudo errado. Qualquer operação policial que resulte em confronto generalizado tem que ser considerada um fracasso.
O confronto bélico deve ser sempre a última alternativa, não apenas por colocar policiais em perigo, mas principalmente por colocarem diariamente milhares de cidadãos nesse fogo cruzado entre policiais e criminosos. Mas você meu amigo leitor vai indagar qual alternativa existiria e eu te digo. As maiores apreensões de fuzis da nossa história ocorreram sem um único disparo, fruto de ações investigativas. Ocorreram no aeroporto do Galeão em 2017, quando 60 fuzis que abasteceriam facções criminosas que atuam na cidade foram descobertos no terminal de cargas, e em 2019, quando foram apreendidas peças que seriam usadas na montagem de 117 fuzis, e que segundo investigações seriam de um dos suspeitos de matar a vereadora Marielle Franco. Foram resultado de investigações e sem necessidade de confrontos armados.
Porém, o caminho do confronto parece ser a preferência dos nossos gestores e uma vez escolhido esse caminho, não há qualquer possibilidade de se tratar criminosos armados que atiraram contra policiais como vítimas. Muitos tem afirmado que a operação na comunidade do Jacarezinho foi uma chacina, um massacre, mas a verdade é que a única certeza que temos é que houve um confronto em larga escala e que sim, todas as mortes devem ser investigadas. Não devemos romantizar. Segurança pública deve ser pensada e tratada com base em evidências e sendo confirmado abuso ou crime cometido por policiais, que sejam punidos. Mas que fique claro que não foi um massacre de inocentes ou que todos são bandidos, isso somente a investigação irá esclarecer. 
O que temos que debater nesse momento é se esse tipo de política pública que tem sido implantada há décadas é a mais adequada. Se essa guerra insana que vivemos onde policiais e criminosos se matam enquanto grandes atacadistas de drogas e traficantes de armas enriquecem é a melhor opção. Porque esses não estão nas comunidades. Em operações como essa realizada no jacarezinho dificilmente esses serão encontrados por lá. Eles estão na zona sula da cidade, em escritórios operando negócios de fachada e em coquetéis com políticos influentes. Esses nunca são alcançados por essas operações e continuam a enriquecer enquanto os demais morrem. 
É sobre isso que precisamos falar e escrever. É preciso que o governo federal chame para si parte da responsabilidade do problema da segurança pública e passe a monitorar as fronteiras e investigar os crimes de sua alçada. As polícias estaduais estão exauridas nesse combate sem fim enquanto o governo federal faz anúncios e promessas. Se quisermos realmente combater o crime e melhorar a segurança pública do nosso país e do nosso Estado, precisamos sair dessa armadilha do confronto. 
É urgente conhecer o caminho que as armas e drogas percorrem até chegar às comunidades e prender e tomar os bens de todos os envolvidos nessa cadeia. Chega de matar nossos jovens nessa guerra insana, chega de colocar policiais em risco como se fossem apenas números. Vamos atrás de quem importa, está na hora de mexer com os peixes grandes. A pescaria tem que começar. Como disse o personagem Capitão Nascimento no Filme Tropa de Elite II: "O sistema é foda parceiro.".

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    Roberto Uchôa

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