Papel da mulher na política: Os casos opostos de Três Rios e Campos - 'representatividade importa'.
12/12/2020 10:05 - Atualizado em 12/12/2020 13:57
As eleições para o legislativo campista foram frustrantes em termos de representação feminina. Nenhuma mulher estará entre os 25 vereadores eleitos para a próxima legislatura, salvo em uma possível suplência, pela vacância de uma das cadeiras, que tem como caso mais provável o da suplente Néia (DEM), que ficou em segundo lugar na disputa, com 2.134 votos.
Não faltaram opções. Desde nomes conhecidos como Auxiliadora Freitas (PROS), ex-secretária de Educação e Joilza Rangel (DEM), vereadora na atual legislatura, até a candidatura coletiva (primeira neste formato em Campos) “Vamos Juntas”, que contava com quatro mulheres. Apesar das opções de voto feminino, o eleitorado decidiu por uma Câmara de Vereadores totalmente masculina, a mesma casa que passou por uma renovação considerável, mas se mostra ainda muito conservadora. A maioria dos vereadores eleitos, mesmo com novos nomes, representam grupos políticos tradicionais. 
Esta desigualdade de gênero não se repetiu em outros lugares do país. Em Três Rios, cidade da região Centro-Sul Fluminense, a realidade foi outra. Depois de 70 anos sem representatividade feminina na Câmara de Vereadores da cidade, 4 das 15 cadeiras que a casa legislativa possui, vão ser ocupadas por mulheres. A assistente social Ana Clara Araújo, a ativista dos direitos animais Ana Carolina Junqueira e a empresária Jacqueline Costa estão entre as eleitas. Assim como a jornalista Bia Bogossian, de 23 anos, que foi a mais votada recebendo 1.097 votos.
Vereadora eleita, Bia Bogossian observa seus pares, todos homens nos corredores da Prefeitura de Três Rios
Vereadora eleita, Bia Bogossian observa seus pares, todos homens nos corredores da Prefeitura de Três Rios / ARIEL SUBIRÁ / EL PAIS
— Esse resultado histórico em Três Rios me deixa muito feliz por diversos motivos, em especial claro, pela eleição de quatro mulheres, mas nós elegemos oito novos vereadores, vamos ter uma renovação significativa, e além de mim também terá a Ana Clara, que também é jovem, fico muito feliz. Costumo dizer que as gerações anteriores escalavam a seleção, e minha geração escala o STF. E digo isso para mostrar como minha geração é politizada, antenada, nas novidades do mundo e como trazer soluções para nossa sociedade, contemporaneamente. E estamos ocupando espaços — comenta Bia.
Vereadoras eleitas em Três Rios.
Vereadoras eleitas em Três Rios.
A eleição em Três Rios repercutiu no mundo. Depois de 70 anos sem mulheres representando as trirrienses na Câmara, a eleição histórica foi matéria do jornal espanhol El Pais. Bia Bogossian perdeu na primeira eleição que disputou,  aos 19 anos. Para 2020 se preparou com afinco, incluindo cursos em Londres e Barcelona. A recompensa foram 1.097 votos que a transformam na vereadora mais votada deste município de 82.000 moradores. Bogossian diz que é "insano" passar 70 anos sem uma vereadora no município.
— Dados estatísticos mostram que quando as mulheres ocupam cargos na política, fazem políticas públicas não só para mulheres, elas geram soluções para combate as desigualdades, e melhorias na vida de todos nós, independente do gênero. E em especial para as mulheres, pois representatividade importa. 
Representatividade feminina nas eleições de 2020
Foram eleitas, neste ano, 658 prefeitas em 5.570 municípios. Já para as câmaras municipais, foram 9.196 vereadoras eleitas (16%), contra 48.265 vereadores (84%). Apesar de exemplos inspiradores como em Três Rios, a representação feminina nos poderes é baixa. Realidade que a Emenda Constitucional (EC) nº 97/2017 tenta contornar, exigindo que cada partido indique o mínimo de 30% de mulheres filiadas para concorrer ao pleito. A Emenda também vedou, a partir de 2020, a coligações nas eleições proporcionais.

Em Campos, o papel da mulher é reconhecidamente importante, contrastando com as eleições deste ano. Benta Pereira, reconhecida como uma heroína histórica na cidade, por ter invadido aos 73 anos junto com seus familiares, a Câmara de Vereadores para lutar por conta dos altos impostos da época, pelos viscondes de Asseca. Benta se mostrou como uma mulher muito à frente do seu tempo e orgulha os campistas.
Benta Pereira também se orgulharia das vereadoras eleitas em Três Rios e a torcida é de que as histórias — antigas e atuais — de mulheres corajosas e atuantes continuem inspirando, para que os espaços femininos continuem sendo ocupados de forma crescente na sociedade.
A vereadora campista Joilza Rangel, que não conseguiu sua reeleição nesta ano, comenta sobre a falta de representação feminina para a próxima legislatura em Campos:
Joilza Rangel, vereadora com mandato até final desta legislatura.
Joilza Rangel, vereadora com mandato até final desta legislatura.
— Vejo com tristeza e até preocupação, a atual composição de nossa Câmara de Vereadores, que seguirá sem representação feminina. Com tamanha representatividade no quantitativo de eleitores em nosso país (51% de eleitores), ainda vemos muitas dificuldades em ocupação cargos de poder, de ter voz ativa em tomadas de decisões políticas. Penso que é um processo, para o qual, apesar de todos os avanços neste sentido, a mulher precisa cada vez mais conscientizar-se de que a exclusão histórica que a levou a tantas lutas, pode perfeitamente ser transformada e, para tal, e como sempre, ela necessita colocar-se e ser mais presente nos meios políticos. Enquanto Vereadora, presidi a Comissão de Direitos da Mulher e tive a oportunidade de elaborar projetos que sempre contemplavam a mulher. Foi um tempo de muito progresso nas discussões públicas das questões femininas, especialmente na saúde, e educação. Lamento profundamente que, sem nenhuma representatividade feminina, temas como aborto, violência doméstica, participação política, carreira, maternidade, entre outros, ficarão adormecidos e até esquecidos! 

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    Edmundo Siqueira

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