Cândida Albernaz: Minha escolha II
Cândida Albernaz 01/10/2020 14:42 - Atualizado em 01/10/2020 14:42
Que frio! Precisava esfriar tanto hoje?
Quando a noite está assim, o movimento cai. Só não é pior do que dia de chuva. Aí, então, fica quase impossível.
Esse vestido que peguei com Leca está apertado. Já vi que engordei. Tenho que tomar uma atitude e fazer qualquer coisa para voltar ao peso que tinha. Ela nem queria emprestar, falou que eu ia explodir com ele. Não gostei da brincadeira, mas o que disse é verdade.
O problema, quer dizer, o do momento, é a bebida. Estou bebendo cada vez mais e, se não prestar atenção, vou acabar me prejudicando. Essa desgraceira da bebida me deixa mais solta, topo as propostas, e só penso no que fiz, no dia seguinte. Aí, sim, a coisa fica feia. Porque bate um arrependimento, uma saudade de casa, da mãe, dos irmãos...
Droga! O olho começou a encher de água. Não quero borrar a cara. Onde vou consertar a maquiagem agora?
Mãe pensa que trabalho numa farmácia. Vim para cá para isso. Estudar e trabalhar. Serviço é o que não falta.
Deixei a faculdade, era fórmula demais e dinheiro de menos.
Conheci o Jony, J-O-N-Y, como ele gosta de frisar, na noite quando saía com umas amigas. Duas já trabalhavam para ele e me convenceram depois de algum tempo. No início até achei divertido. Apresentaram-me a uns caras cheios de grana, conheci lugares diferentes e ganhava o que nunca imaginara.
Estou nessa há três anos e perdeu a graça. Agora a maioria que pego não tem muito dinheiro. Penso em voltar a estudar e qualquer dia desses faço isso. Minha mãe acredita que vou me formar no máximo em dois anos.
Lá em casa é uma luta danada. São quatro irmãos, todos homens, mais novos que eu, e já trabalham. Até o de quinze está no batente. Mãe sempre foi sozinha para cuidar da gente. Ficou viúva cedo e nunca mais arrumou ninguém. Não quis.
Minha vida era cuidar da casa e dos irmãos para que ela pudesse trabalhar. Depois que crescemos, fiz o vestibular e, quando passei, vim para esta cidade. Nessa época, todos arrumaram serviço. Vivem dizendo que querem me visitar. Não deixo porque moro com mais cinco garotas e iam acabar percebendo o que faço para ganhar algum. Não desgosto da vida que levo, algumas vezes até me divirto, mas tenho vergonha que mãe descubra.
Quando voltar a estudar, eles poderão vir.
Jony tem reclamado muito. Disse que vai me deixar de lado se continuar bebendo desse jeito. Não admite excessos, nem drogas. Nisso ele faz questão. Mas nessa vida às vezes fica difícil. Tem dias que você não quer esses caras ridículos em cima de você, pensando que são seus donos. E para conseguir levar numa boa, o álcool ajuda.
Em outras ocasiões também, a gente se distrai. Tem um que me procura sempre e só dá gorjeta alta. Ele não é lá grande coisa, quase nunca eles são, mas pelo menos é cheiroso. Tem mania com banho. O cara se lava antes, depois e depois outra vez. Acho que o problema dele é com sexo, deve achar que é sujo, sei lá. Dia desses falou que me levará numa viagem, eu e ele. Seria bom respirar novos ares, com tudo pago, é claro.
Jony não sabe que venho para a rua sozinha de vez em quando. Se descobrir, nem sei. Preciso tirar uns extras só para mim, sem ter que dar comissão. Eu faço todo o trabalho e ainda tenho que dividir a grana. Se bem que aqui fico mais exposta. Pegando um cara maluco, com manias, não vou ter quem me defenda.
Está resolvido! No próximo ano recomeço a faculdade e largo essa vida. Voltar eu volto, mas largar... não sei não. Vou ajeitar os horários.
Termino o curso, pego o caminho para minha cidade e arranjo um emprego até conseguir ter a própria farmácia, estou juntando dinheiro para isso. E sabe do que mais? Caso-me e tenho dois filhos. Dois, porque mais do que isso é difícil criar.
Uau! Aquele carrão está vindo na minha direção. Vou faturar um lugar confortável hoje. Espero não estar com bafo de álcool. Mais um chiclete na boca.

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