o presente
- Atualizado em 06/03/2020 00:33
O presente
Cândida Albernaz
Gostaria de chegar a casa mais cedo. Sei que é impossível. O chefe não libera ninguém antes da hora.
Quero só ver a cara de Cléber quando eu der a ele a bola com o símbolo do time. Os olhos vão brilhar e vai querer que eu jogue com ele. E faço questão. O garoto leva o maior jeito e vai ser grande. Ainda vão ouvir falar do meu filho. Vai para a seleção, tenho certeza. Só tem dez anos e todo mundo que vê o menino correndo atrás da bola, diz que tem futuro. Eu vou estar lá, ao lado dele, mostrando a todos quem foi que ensinou o que ele sabe.
O presente nem foi barato. Estou juntando a grana há um tempão para comprar essa bola de couro. Profissional.
Quando Cléber nasceu, uns falavam que ele não vingava. Pesava pouco e vivia doente. Calou a boca de todo mundo, o danado. Sempre acreditei que ele ficaria bem e forte. Clotilde, minha mulher, foi embora levando os outros dois. Enjeitou o filho, porque não tinha saúde. Soube que está bem, o novo companheiro deu boa vida a ela. Nem ligo mais. Quando ela deu no pé, achei que não aguentaria, nem tanto por ela, mas não sabia como cuidaria sozinho do meu filho, tão doentinho. Ainda bem que minha mãe ajudou. Ela ficava durante o dia com ele e eu à noite. Foram muitas noites dormindo pouco, para acordar cedo no dia seguinte e ir para o trabalho. Mas valeu a pena. Meu filho não tem mais nada há anos. Só uma gripezinha boba aqui e ali.
É o meu sonho, esse garoto. O pessoal aqui na obra vivia sacaneando, mas quando foram comigo ao jogo do guri, me deram os parabéns, e não mexem mais quando falo dele.
Pronto, vou tirar o uniforme e tomar banho. Quero chegar a casa limpo para ganhar aquele abraço do meu filho.
Nossa, estou ansioso. A luz está acesa. A avó deve ter feito um bolo e chamado meu irmão com os dois filhos.
O que essa mulher está fazendo aqui? O quê? Levar meu filho por quinze dias? Conhecer melhor os irmãos? Sente saudades?
Não entende que não posso ficar sem ele. Nem um dia. E os olhos que brilhariam quando eu entregasse meu presente? Já estão brilhantes só em ver a mãe. Aqueles olhos estão pedindo para deixar que vá com ela. Nunca soube negar nada a ele. Nem reparou o embrulho na minha mão. Mostra eufórico o carro que anda para lá e para cá com controle remoto. Brinquedo mais idiota! Vai, meu filho, vai porque o que importa são esses olhos bem abertos e felizes. Mas volta logo, porque caso contrário, não sei o que vai ser de mim.
Enquanto espero, vou planejando seu futuro. Nós dois juntos e o gol que vai me dedicar. Que orgulho filho, eu tenho de você.
 

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