"A UENF é muito tímida em mostrar suas realizações"-Eleições na universidade de Darcy
19/08/2019 13:41 - Atualizado em 19/08/2019 17:41
Criação
Criação
O ano era 1993. Mais precisamente dia 16 de agosto. A primeira aula da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro era ministrada. Um pouco antes, o sonho de uma universidade pública em Campos começou a se transformar em realidade pela lei 1.740/90 sancionada pelo então governador Moreira Franco. Em dezembro de 92 outra lei (2.043/92), de autoria de Fernando Leite, inicia na prática a UENF.
Brizola é eleito governador com a promessa de fazer com que a UENF desse certo. Para isso escolhe a pessoa que daria alma a universidade, Darcy Ribeiro. Ele foi o criador e o primeiro reitor da Universidade de Brasília (UnB) e autor de projetos de instauração ou reforma de universidades na Costa Rica, Argélia, Uruguai, Venezuela e Peru, segundo próprio site da instituição.
Outros tantos fatos históricos e políticos aconteceram desde então. A universidade homenageia seu criador intelectual e aguerrido ativista pela educação, Darcy Ribeiro, em 1997, quando incorpora seu nome em sua nomenclatura oficial. Mesmo após 26 anos, comemorados no último dia 16, as orientações do mestre guiam os caminhos institucionais da UENF, muitos deles pensados e descritos no Plano Orientador
Novos caminhos   
A educação brasileira passa por um período turbulento, para dizer o mínimo. Muitas vezes colocada em papel de antagonismo ao governo federal de Jair Bolsonaro, pelo próprio presidente. Os campi foram acusados de "balburdia". A academia taxada de cultivar um pensamento hegemônico voltado a esquerda e ao progressismo. O governo também ataca os orçamentos. Cortado ou contingenciado, o fato é que o dinheiro disponível para as universidades púbicas diminuiu consideravelmente. Como a UENF se posiciona nesse cenário?  Qual o papel na região dessa importante universidade? Essas e outras perguntas pretendem ser respondidas pelos candidatos a reitor, cargo que será decidido em eleições diretas no próximo dia 31 e que serão sabatinados em um debate (confira aqui) na terça (20) na própria instituição de ensino. 
Carlos Rezende
Carlos Rezende
O Blog ouviu Carlos Eduardo de Rezende, um dos candidatos a reitoria pela chapa "AvançaUENF: Ciência e Sociedade". Até o fechamento, as outras chapas não enviaram respostas às mesmas perguntas que o blog enviou às três chapas concorrentes. O espaço continua aberto.
Rezende cita que a UENF dialoga com a sociedade e diz que "a missão da UENF é formar recursos humanos e hoje, ela atua de forma muito próxima a sociedade local e regional, pois 85% (45% de Campos dos Goytacazes e 40% oriundos de outros municípios do estado) dos nossos estudantes são da região, e 15% de fora do estado".
Porém entende que é preciso avançar mais: "entretanto, penso que temos que mostrar com mais frequência esta informação para a população" e ainda reforça: "Na realidade a UENF é muito tímida em mostrar suas realizações".
Também fala de política e diz que a universidade precisa de protagonismo: "A UENF precisa, imediatamente, retomar o seu protagonismo. Assuntos de grande relevância como o Future-Se mesmo que afete diretamente as instituições federais em um primeiro momento, mudanças na previdência, desfinanciamento das universidades, risco de extinção do CNPq, redução de bolsas entre outros assuntos, deveriam estar sendo discutidos abertamente na nossa instituição e infelizmente estas discussões não ocorreram e precisamos de maior fluxo de informação institucional".
Confira:
Blog - Existe um documento que dá origem a UENF escrito por Darcy Ribeiro em 93, um “Plano Orientador”. Está lá na página 8, ainda em seu preâmbulo, que a UENF “há de ser, no mundo das coisas, tal como a história a fará”. A história da UENF foi escrita corretamente até aqui?
CER: Entendo que a nossa breve história tem sido traçada com muitas conquistas, que refletem nossos acertos, ao longo destes 26 anos tais como prêmios na formação de recursos humanos em pesquisa conquistados junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), destaque entre as 15 melhores instituições do país e formando profissionais com destaque em órgãos públicos e empresas privadas. No entanto, as dificuldades que atravessamos devem ser consideradas em um contexto mais amplo e nas relações extra- e intramuros, mas considero que temos superado a maioria deles, e a comunidade acadêmica tem amadurecido ao longo deste período de dificuldades. Concluindo, vejo que a UENF durante muitos anos se manteve inovadora como desejada por Darcy Ribeiro e seus primeiros docentes, mas o “futuro é sempre imprevisível e surpreendente” como disse nosso eterno chanceler o Prof. Darcy Ribeiro. Em minha opinião, este caráter inovador sofreu abalos com as dificuldades impostas por diferentes governos, e repensar novos caminhos para nossa instituição é uma obrigação para todos que querem que a UENF trilhe os caminhados idealizados por Darcy Ribeiro. No meu caso, esse será um dos principais objetivos se for eleito reitor, pois entendo que a UENF só poderá exercer plenamente seus potenciais se for mantida como uma instituição que privilegia o pensamento crítico que leve ao desenvolvimento pleno dos membros de sua comunidade universitária.
Blog - Existem correções de rumo?
CER: O modelo conceitual da UENF e de todas as instituições devem ser revisitados com frequência, e acredito que estamos em um momento oportuno. Em geral, nestes momentos de escolha para novas gestões, alguns pontos são considerados, com erros e acertos sendo apontados. Segundo o próprio Darcy Ribeiro, o “Plano Orientador estabelece um plano de metas que a universidade precisa ter em mente, para, inclusive não perder-se na disputa de poder e prestígio dos seus corpos acadêmicos”. Entendo que a UENF precisa rediscutir alguns pontos na formação de seus estudantes de graduação e pós-graduação e deve pensar os desafios futuros, vislumbrando cursos mais inovadores e interdisciplinares para que os nossos egressos estejam preparados para enfrentar os novos desafios demandados pela sociedade brasileira e, principalmente, pela regional. O caráter inovador permeia várias áreas do conhecimento e deve ser o norteador da UENF. Para que isto prospere, precisamos que todos pensem e atuem conjuntamente em novas formas de produzir e reproduzir conhecimento. Nesse sentido, penso que a chapa que componho com o Prof. Juraci Sampaio une equilíbrio acadêmico, com experiência na graduação e pós-graduação, e uma forte experiência com a gestão cotidiana da UENF, pois já ocupamos inúmeros cargos dentro da instituição, assim com participamos de vários órgãos colegiados.
Blog - A universidade dialoga com o “mundo das coisas” satisfatoriamente? Oferece soluções ao cotidiano?
CER: Este diálogo com o “mundo das coisas” depende de todos os interlocutores. Este será sempre um desafio imposto as universidades, mas é preciso entender que a existência do diálogo não depende apenas da UENF, pois ele deve ser caracterizado pela interação entre dois ou mais indivíduos ou instituições. Assim, deve haver um respeito mútuo quando se procura uma solução e eventualmente esta não possui uma resposta imediata, mas a sociedade tem o que tem atualmente devido a todo o conhecimento produzido dentro das universidades. É preciso enfatizar que a UENF tem se inserido em inúmeras ações junto ao setor público e privado. Portanto, entendo claramente que as respostas para “soluções cotidianas” existem e têm sido oferecidas para toda a sociedade regional e para todo o Brasil. Outro ponto importante que no plano local, é preciso reconhecer que a partir da década de 1990, o município de Campos dos Goytacazes se tornou o segundo polo universitário do estado do Rio de Janeiro e isto por si só, deve ser motivo de orgulho para nossa cidade e região.
Blog - Deverá a UENF se aproximar mais com a sociedade?
CER: A missão da UENF é formar recursos humanos e hoje, ela atua de forma muito próxima a sociedade local e regional, pois 85% (45% de Campos dos Goytacazes e 40% oriundos de outros municípios do estado) dos nossos estudantes são da região, e 15% de fora do estado. Entretanto, penso que temos que mostrar com mais frequência esta informação para a população. A Chapa 11 composta por mim e pelo Professor Juraci tem como lema de campanha Avança UENF: Ciência e Sociedade. Portanto, na nossa chamada indicamos a necessidade de manter a universidade próxima a sociedade. E, se eleitos, iremos trabalhar o lema de campanha em atividade prática e cotidiana.
Ainda no mesmo documento, foi citado por Darcy que a UENF deveria dispersar-se pela região, implantando centros de ensino nas cidades do Norte Fluminense.
Blog - Quais empecilhos existem para o cumprimento desse objetivo?
CER: Na realidade a UENF é muito tímida em mostrar suas realizações e acaba, portanto, dando a impressão de que a missão de implantar o ensino nas cidades do Norte e Noroeste Fluminense não está sendo cumprida. Este é uma percepção incorreta, pois hoje e através do Ensino à Distância, que é semipresencial, a UENF está presente em 11 Municípios em diferentes regiões do estado, com um número expressivo de alunos, aproximadamente 3500 estudantes de graduação. Agora, devemos considerar que para se implantar uma estrutura física dependemos de vontade política, como tiveram Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, e comprometimento com a educação. Na realidade, para instalarmos uma parte física com temos em Campos dos Goytacazes e Macaé dependemos de área, contratação de pessoal e da parceria público-público e público-privado. Em Campos dos Goytacazes nos instalamos em um terreno desapropriado pela Prefeitura e as obras foram conduzidas com total comprometimento do governo do estado. Já em Macaé, o terreno foi doado por um cidadão da cidade e as obras foram conduzidas com apoio financeiro da Petrobras e do governo estadual, e cooperação com a Prefeitura Municipal de Macaé. O fato é que o caminho para ampliação das ações da UENF não depende apenas da instituição e sim de múltiplos interesses e comprometimentos dos diferentes atores sociais.
Blog - Como a UENF pode atuar mais significativamente no desenvolvimento do Norte Fluminense?
CER: Entendo que a UENF já participa ativamente no desenvolvimento de todo estado do Rio de Janeiro e do país. Agora, também entendemos que atuar no desenvolvimento regional depende dos atores envolvido tais como as empresas, produtores rurais e os órgãos públicos. No Brasil as universidades públicas são responsáveis pela geração de 95% do conhecimento científico e tecnológico, e somos basicamente financiados com verbas públicas, enquanto os investimentos do setor privado na geração do conhecimento são inexpressivos. No entanto, na Europa e Estados Unidos as empresas e organizações sem fins lucrativos investem 11 e 12%, respectivamente, de recursos financeiros para pesquisa nas universidades, no Brasil não passamos de 1%. Assim, vejo como fundamental uma aproximação dos setores regionais da universidade através de demandas legítimas, mas também com disposição do setor privado de investir na geração de conhecimento e das soluções para o desenvolvimento regional.
Blog - Saindo da estratégia e indo para a práxis do campus, como a chapa buscará solucionar os problemas financeiros da universidade?
CER: Qualquer chapa que for eleita deverá tratar deste assunto. Como deve ser do conhecimento geral, há muito tempo lutamos pela autonomia financeira nos moldes das universidades paulistas. Mas, lamentavelmente até hoje, isto não existe, apesar de constar da Constituição estadual. Portanto, este é um assunto em pauta e de grande relevância. Devo deixar claro que nossa chapa defende a Universidade Pública, Gratuita, de Excelência e Socialmente Referenciada. Portanto, deixamos claro que somos totalmente contra o pagamento de anuidade por parte dos alunos. Inclusive é importante ressaltar que hoje uma parcela apreciável dos estudantes que adquiriram empréstimos para realizar suas universidades, e estão totalmente comprometidos financeiramente. Nos EUA, por exemplo, 75% dos jovens possuem dívidas superiores aos empréstimos para compra de casas e cartões de crédito, e vão trabalhar, muitos fora da sua área, até os 45 anos para pagar estas dívidas. Assim, a ilusão de que a solução é implantar anuidade é uma panaceia dispensável, pois a educação está prevista na nossa constituição como uma responsabilidade dos governos. Em síntese, continuaremos a busca pela autonomia financeira e sua execução integral, mas entendemos que precisamos continuar a busca por recursos extra orçamentários.
Blog - Como contratar novos professores e oxigenar a academia, incluindo o auxílio à pesquisa, com as dificuldades orçamentárias da UENF, como acontece com outras universidades públicas do país?
CER: Para “oxigenar” a nossa instituição precisamos contratar novos professores e técnicos e repor vagas que não foram repostas a partir de aposentadorias e falecimento de vários profissionais. Como deve ser do seu conhecimento, as contratações de professores e técnicos dependem de recursos financeiros, e para isto precisamos da nossa autonomia financeira. Neste sentido, todas as universidades estaduais (UENF, UERJ e UEZO) e a Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) estão empenhadas na defesa pela autonomia financeira. É importante ressaltar que nos Estados Unidos e na Europa o governo investe 60 e 77%, respectivamente, em pesquisas, e o restante vem de outras fontes (https://jornal.usp.br/ciencias/nos-paises-desenvolvidos-o-dinheiro-que-financia-a-ciencia-e-publico/).
Blog - Por fim, como a chapa analisa as diretrizes da educação no governo Bolsonaro? Muitas declarações do ministro da educação e do próprio presidente antagonizam com o ensino superior público, acusando vocês de ideologismos voltados à esquerda. Como a UENF pode participar desse debate público?
CER: A UENF precisa, imediatamente, retomar o seu protagonismo. Assuntos de grande relevância como o Future-Se mesmo que afete diretamente as instituições federais em um primeiro momento, mudanças na previdência, desfinanciamento das universidades, risco de extinção do CNPq, redução de bolsas entre outros assuntos, deveriam estar sendo discutidos abertamente na nossa instituição e infelizmente estas discussões não ocorreram e precisamos de maior fluxo de informação institucional. Assim, o nosso plano de gestão prevê uma retomada no protagonismo institucional. Vejo esta acusação de ideologia de esquerda como inadequada. O atual ministro da educação foi formado na Universidade de São Paulo e trabalha na Universidade Federa de São Paulo. Portanto, se esta afirmativa fosse verdadeira, não teríamos esta questão. Concorda? A universidade pública é e deve continuar sendo um ambiente aberto a discussão, agora estar dentro da universidade pública advogando sua privatização me parece um grande desserviço. Assim, as pessoas que defendem esta posição estão, no meu entendimento, em lugar errado e deveriam se reposicionar no setor privado.
Blog - Mais uma. A academia deve sair de suas “bolhas” e ir às ruas dialogar com o homem comum?  
CER: Não concordo que a academia vive em uma bolha, e entendo que este estigma me parece injusto. Aliás, o que falta é exatamente iniciativas como esta que nos dão a oportunidade de dialogar e trocar informações com toda a sociedade. Se pegarmos qualquer jornal impresso, revistas ou os tele jornais não temos espaço para falar da ciência, mas se gasta em torno de 90% para falar em crimes e intrigas cotidianas. Assim, agradeço o espaço que estão nos proporcionando, e espero que a partir desta entrevista o meio de comunicação o qual o senhor está ligado abra um espaço para falarmos com os cidadãos e assim teremos oportunidade de mostrar a todos o que tem sido produzido dentro da UENF.
Termino aqui deixando uma frase que passa despercebida por muitos que entram pelo portão principal do campus Leonel Brizola da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), que diz o seguinte:
“O Governador Leonel Brizola fez erguer esta Universidade Estadual do Norte Fluminense para que floresça uma civilização mais bela, uma sociedade mais livre e mais justa, onde viva um povo feliz”.  Esta é a nossa missão e assim encaro o nosso cotidiano, e serei um defensor intransigente da UENF, estando reitor ou não. É que esse foi o compromisso que me atraiu inicialmente para ajudar na implantação da UENF em 1993, e é que me motiva a trabalhar todos os dias em prol desse objetivo estratégico que nos foi legado por Darcy Ribeiro e Leonel Brizola.

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    Edmundo Siqueira