Os melhores livros de 2018
*Adélia Noronha - Atualizado em 10/01/2019 18:39
Sempre nos finais de ano, os grandes jornais brasileiros costumam fazer uma lista dos melhores do ano em literatura, cinema, teatro, artes plásticas, música etc. Em 2018, “O Globo” fez uma lista de dez livros com votos de Afonso Borges, Bolívar Torres, Emiliano Urbim, Cora Rónai, Jan Niklas e Ruan de Sousa Gabriel. Foram os seguintes: 1- O coração pronto para o roubo, de Antonio Manuel Pina; 2- O romance luminoso, de Mario Levrero; 3- O crime do cais do Valongo, de Eliana Alves Cruz; 4- Nuvens, de Hilda Machado; 5- O sol na cabeça, de Geovani Martins; 6- Alguns humanos, de Gustavo Pacheco; 7- Caderno de memórias coloniais, de Isabel Figueiredo; 8- A biblioteca elementar, de Alberto Mussa; 9- Sem volta, de Charles Burns; e 10- As luas de Júpiter, de Alice Munro,
Por sua vez, a “Folha de São Paulo”, mediante seus jornalistas, selecionou onze:1- Só para maiores de cem anos, de Nicanor Parra; 2- Alguns humanos, de Gustavo Pacheco; 3- O sol na cabeça, de Geovani Martins; 4- Caderno de memórias coloniais, de Isabel Figueiredo; 5- Jorge Amado: uma biografia, de Joselia Aguiar; 6- Um beijo por mês, de Vilma Arêas; 7- A tirania do amor, de Cristovão Tezza; 8- Coral e outros poemas, de Sophia Mello Breyner Andresen; 9- Nenhum mistério, de Paulo Henriques Britto; 10- O fim de Eddy, de Édourd Louis; e 11- A biblioteca elementar, de Alberto Mussa.
Os dois jornais concordaram quanto aos seguintes títulos: “O sol na cabeça”; “Alguns humanos” e “A biblioteca elementar”. Das duas listas, só não li “O romance luminoso”, “O crime do cais do Valongo”, “As luas de Júpiter”, “Jorge Amado: uma biografia” e “O fim de Eddy”. Só não li “Um beijo por mês”, da campista Vilma Arêas, por não encontrá-lo em nenhuma livraria física ou virtual.
Entendo que as duas seleções foram felizes. Nelas, de fato, estão alguns dos bons livros de 2018. Em termos de poesia brasileira, “Nuvens”, de Hilda Machado (São Paulo: Editora 34), revelou uma escritora hipersensível que não conseguiu reconhecimento em vida. Ela se matou. Só agora, seus poemas são reunidos em livro que já estava registrado na Biblioteca Nacional. Amargurada e ao mesmo tempo irônica, ela não podia fugir do seu eu poético, como a maioria dos poetas. Faço um registro a Ledusha Spinardi com“Lua na jaula”(São Paulo: Todavia, 2018). Ela foi uma das musas da “poesia marginal”, movimento dos anos de 1970 que reuniu vários poetas e letristas de música. Ela publicou, na época, “Risco no disco” e depois mais alguns. Agora, ela retorna com mais um. Ei-la de volta.
Entre os poetas brasileiros, de fato, o retorno de Paulo Henriques Britto com “Nenhum mistério” (São Paulo: Companhia das Letras), representou uma luz na poesia narcisista que se pratica no Brasil e no mundo atualmente. Ele segue a trilha de João Cabral de Melo Neto, externando em versos seu ceticismo, seu estoicismo e seu amargo senso de humor. Além de poeta, também filósofo.
Na poesia estrangeira, tocaram-me bastante “Coral e outros poemas” (São Paulo: Companhia das Letras), da portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, pouco conhecida no Brasil. Injustamente. Sua poesia clássica e luminosa é de uma beleza intensa. Mas quem mais me encantou foi Manuel António Pina com a coletânea “O coração pronto para o roubo” (São Paulo: Editora 34). Pina começou a escrever poemas aos 31 anos com uma fluência que o insere na tradição de Fernando Pessoa. Não me entendam mal. Ele não é um novo Pessoa, mas sua dicção é deslumbrante. Seus poemas sem métrica, mas com ritmo, com rimas quase toantes, é e não é. Ele está aqui e acolá. O poeta se esconde e se mostra. Ele mesmo revela esta ambiguidade em alguns versos: “Nunca estive tão longe e tão perto de tudo. /Só me faltavas tu para me faltar tudo”. “Já não é possível dizer mais nada/mas também não é possível ficar calado.” Ele brinca com as palavras: “para o teu amor tu te flamas/tu te frutti tu te inflamas”. Meio amargo: “A minha juventude passou e eu não estava lá. /Pensava em outra coisa, olhava noutra direção. /Os melhores anos da minha vida perdidos por distracção!” Eu desejo falar isso há muito tempo e nunca consegui. E vejam a marca de Pessoa sem imitação: “Há em todas da coisas uma mais-que-coisa/fitando-nos como se dissesse: ‘Sou eu’, /algo que já lá não está ou se perdeu/antes da coisa, e essa perda é que é a coisa.” Pina merece uma página inteira, no mínimo.
Existe uma lacuna considerável entre a produção dos poetas portugueses contemporâneos e o conhecimento deles no Brasil. Chegam-nos os livros de Adília Lopes e Matilde Campilho, ambas bastante egocêntricas. A primeira, inclusive, teve seu primeiro livro – “Um jogo bastante perigoso” – de 1985, publicado no Brasil em 2018(Belo Horizonte: Moinhos).
Nicanor Parra, um dos maiores poetas chilenos, ganhou uma antologia com o título de“Só para maiores de cem anos - antologia (anti) poética. ( São Paulo: Editora 34). Com ela, pode-se conhecer mais e melhor o poeta que viveu 103 anos escrevendo sobre o cotidiano. Não compreendo, como ele e seus admiradores, sua poesia como antipoesia. Tomar manchetes de jornal e ditados populares para escrever versos não é antipoesia. A poesia mundial, a partir de 1920, tornou-se prosaica pouco a pouco. Em ‘Autorretrato’, ele termina o poema assim: “E hoje aqui estou eu/Atrás dessa mesa desconfortável/Embrutecido pelo lenga-lenga/Das quinhentas horas semanais.” Ou este: “Tentei deslumbrar os meus leitores/Através do sentido do humor/Mas causei péssima impressão.”.
Os responsáveis pela seleção e pela tradução dos poemas – Joana Barrosi (admiradora incondicional do poeta, que ela tem como seu predileto) e Cide Piquet – apresentam primeiro os poemas em tradução portuguesa para, na segunda parte, reuni-los no original. No meu entendimento, creio que, para a maioria, mais adequado é apresentar o poema no original numa página e a tradução noutra. Lendo os poemas em espanhol, eles ganham mais ritmo e mais poeticidade: “tienes toda la muerte por delante”.
Ainda neste mês, continuaremos a análise dos livros de contos, romances, ciências sociais e quadrinhos.

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