Crítica de cinema - O avesso do avesso
- Atualizado em 10/12/2018 17:55
(Encantado) - Disney escreveu em imagens a vida de princesas dos tradicionais contos de fada. Sua força é tão grande que as figuras de Branca de Neve, Cinderela, Bela Adormecida, A Pequena Sereia e outras ficaram mais nítidas nas animações que na literatura. É fácil levar uma criança ao cinema. Difícil é convencê-la a ler um conto de Grimm ou de Andersen, ainda mais nos tempos de predomínio da imagem e da velocidade do tempo.
Mas agora, a própria Disney começa a questionar os contos de fada. Outros estúdios partiram para a desconstrução de fadas, princesas e príncipes. Existem já várias animações e filmes com pessoas atualizando os contos clássicos e tentando mostrar que os acontecimentos não se deram bem assim como são narrados. Creio que a sequência de Shrek pode ser tomada como exemplo dessa desconstrução. No momento em que um ogro e uma ogra passam a ser heróis, o mundo está de ponta-cabeça. Na verdade, não se tratará rigorosamente de uma desconstrução, mas de atualização.
Mais uma animação computadorizada parasita o mundo maravilhoso da Disney. Trata-se da produção periférica da Vanguard Animation “Encantado”, roteirizado e dirigido pelo desconhecido Ross Venokur. Três principais contos de fada sofrem uma inversão. Ao nascer, o príncipe Felipe recebeu de Morgana, fada do mal, a maldição de despertar paixão nas mulheres e viver num mundo narcisista, conhecendo apenas o amor por si mesmo. Ele causa muitos problemas no seu reino, encantando mulheres solteiras e casadas. Foi ele que beijou Branca de Neve e Bela Adormecida, além de ter calçado o sapatinho de cristal em Cinderela. As três aguardam agora que ele se decida por uma delas. Ele não consegue vencer o amor por si mesmo. O tempo se esgota. Se ele não superar três provas até seu aniversário de 21 anos, estará condenado a viver sozinho, encerrando no seu narcisismo. Mesmo assim, essa oportunidade de quebrar o feitiço lhe foi dada por um fado-padrinho.
Aparece então a encantadora ladra Leonora Quinonez, uma espécie de Robin Hood que só pensa em acumular riquezas. De certa maneira, também ela está condenada a desejar apenas as coisas materiais, mas sem nenhum feitiço de bruxa. Ela é contratada para ajudar o príncipe infantilizado a quebrar o negro encantamento. Se conseguir, será libertada e ainda ganhará dinheiro. Leonora se disfarça de homem, evocando mais um mito ocidental: a mulher vestida de homem. As provas são vencidas. Aos poucos, o príncipe deixa seu narcisismo e Leonora se apaixona por ele. Todas as mulheres do reino são libertadas do feitiço exercido pelo príncipe, que se apaixona pela ladra e frustra as fúteis Cinderela, Bela Adormecida e Branca de Neve.
Mateusinho viu
Mateusinho viu / Divulgação
Em “Cinderela e o príncipe secreto”, tentou-se uma inversão desse tipo, mas sem sucesso. “Encantado” mistura o passado com o presente e se esforça para mostrar que o amor agora é individualista. Não existem mais casamentos arranjados, embora nas histórias clássicas o amor por escolha individual esteja presente. Afinal, o príncipe Felipe não é culpado por seu narcisismo. Leonora, sim, construiu sozinha seu amor pelas coisas materiais. No final, ambos se redimem, pois só o amor hollywoodiano constrói.
Basta de interpretação e análise. Não sou melhor que as crianças, que torceram pelo amor do príncipe e Leonora e vibraram com o final feliz. Percebo que o retorno do mundo encantado num futuro próximo. Numa dessas animações, princesas apareceram reclamando do poder perdido.

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