Faixas bandeiras cânticos sorrisos apertos de mão santinhos números cargos e um samba frenético de ensurdecer.
Um pequeno grupo vinha ao redor distribuindo panfletos e apontando para o tal da foto, que estava no carro estardalhante acenando para um público imaginário, que não se fazia presente para ver o alvoroço.
José, vidrado naquele furdúncio aleatório, percebeu que a turma se aproximava, mas não em sua direção. Ainda entre as cobertas, ele foi completamente ignorado, é claro, pelo candidato e sua equipe. De um lado, isso foi ótimo, pois preferia passar mais tempo em repouso. De outro, se sentiu apenas um obstáculo a ser desviado no caminho.
Foi quando, a partir daquela tarde, ele estabeleceu uma peculiar rotina na esquina daquela rua movimentada: resolveu lançar oficialmente sua candidatura e postular um cargo para - ilusão - desbancar o homem do carro barulhento que o tratara como nada. Um banco improvisado e duas madeiras apoiadas qual balcão permitiam ler na placa, em letras malformadas, VOTE EM MIM – 0000.
O cargo para o qual se candidatava pouco importava. A questão era que causava, em seu silencioso gesto de disposição eleitoral, um espanto e até um riso naqueles que o viam ao passar pela esquina. Queria marcar posição, fazer parte daquele movimento destinado apenas aos poderosos.
E passou, então, a ocupar suas tardes inteiras sentado a acompanhar os transeuntes que se fixavam na informação do candidato sem registro, sem partido e de número vazio.
Certo dia, um garoto passou olhando e perguntou o nome dele. José, disse. Um dia você vai trabalhar com meu pai. José sorriu. Claro que não sabia quem era o pai do moleque, mas seguiu acompanhando o garoto com seu olhar sereno e abstrato, em sua seriedade de candidato anônimo.
Enquanto o pai não saía da loja ao lado, o menino corria às voltas por ali quando se voltou novamente ao homem e questionou, muito interessado, qual era o seu partido. O da rua, o garoto ouviu.
O meu pai deve conhecer seu partido. O dele é o... é o... esqueci! Mas você também deve conhecer.
Apesar da inércia de José, o garoto continuou por perto, como a sabatiná-lo em audiência única, com perguntas definidas por critério parcialíssimo – e sem a presença da assessoria do candidato.
E o que você vai fazer quando ganhar a eleição? A primeira coisa que meu pai faz sempre que ganha é comprar uma casa nova bem longe daqui e fazer uma festa lá. Toda eleição é assim.
Mal o menino dissera isso, o candidato do carro barulhento saiu da loja tomando a mão da criança. Ato contínuo, José virou ao contrário a placa que anunciava seu número. Tomado por uma repentina desesperança, viu que era inútil tentar desbancar o poderoso das tantas casas: estava retirando sua natimorta candidatura.
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
Sobre o autor
Ronaldo Junior
[email protected]Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.