Crítica de cinema - A essência do mal
Felipe Fernandes - Atualizado em 19/10/2021 18:21
Celebrando o aniversário de 40 anos do clássico filme de 1978, “Halloween” (2018) chegou aos cinemas com a missão de resgatar uma franquia desgastada por filmes ruins e uma primeira tentativa de reboot malsucedida. Funcionando como uma continuação do primeiro longa e desconsiderando todas as suas continuações, o filme trabalha o trauma da violenta noite de Halloween contada no clássico de John Carpenter, trabalhando suas consequências até os dias atuais, transformando a figura de Michael Myers em uma espécie de lenda urbana e a da sobrevivente Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) em uma mulher traumatizada, que levou toda a sua vida se preparando para o inevitável reencontro com o implacável assassino.
O sucesso de público e crítica transformou esse recomeço em uma trilogia que tem seu segundo capítulo em “Halloween Kills”. Seguindo do mesmo ponto em que terminou o longa anterior, Laurie e sua família acreditam ter finalmente encerrado o ciclo de sangue de Myers. Feridas, elas seguem para o hospital, mas o assassino escapa da sua armadilha e segue o banho de sangue por Haddonfield. Com diversas informações desencontradas, alguns moradores se juntam e resolvem eles mesmo caçar o assassino.
Realizado pelos mesmos artistas que idealizaram o longa anterior, esse segundo capítulo continua utilizando o filme original como seu norte. O culto à obra de Carpenter é ainda mais forte aqui. Se o longa anterior trabalhou a dinâmica da relação entre Myers e Strode, aqui a protagonista é deixada de lado, e o longa trabalha a relação da cidade com o assassino e diretamente com os outros sobreviventes do filme de 78.
O filme traz até flashbacks da noite dos primeiros crimes, alterando momentos vistos no segundo filme da franquia, que foi abandonado nessa nova proposta. Buscando compreender a natureza de Myers, o longa acaba se dividindo praticamente em três segmentos: acompanhando a família Strode, os moradores em sua caçada, e Myers, bom, sendo Michael Myers. São segmentos que eventualmente acabam se cruzando.
A proposta soa interessante, mas, ao introduzir diversos novos personagens, o filme acaba perdendo o foco e tensão. A ideia de resgatar os sobreviventes do filme de 78 interliga mais as obras e automaticamente cria uma motivação, porém são personagens superficiais, desinteressantes, que, no fim das contas, se tornam mais vítimas para Myers.
O filme aposta em um grau de violência consideravelmente maior que o longa anterior, com cenas de extrema violência gráfica. A contagem de corpos é ainda maior aqui. A abordagem sóbria e crua do longa anterior é abandonada em função de um inusitado humor, que soa terrivelmente deslocado, chegando a ser irritante em diversos momentos. Com alguns personagens beirando o ridículo, chegamos quase a torcer pelo fim deles.
O roteiro de David Gordon Green, Danny McBride e Scott Teems, ao retratar esse senso de comunidade, aborda temas atuais como desinformação, fake news e o vigilantismo, questões que se encaixam muito bem dentro da proposta, mas que perdem em dramaticidade justamente pelo roteiro buscar contar muitas histórias.
Além de deixar Laurie de fora da ação (uma decisão que certamente vai incomodar muita gente), visando única e exclusivamente seu retorno triunfal no desfecho da trilogia, o filme carece de um arco dramático fechado, deixando a sensação de que se trata de uma história que de fato só vai se concluir no terceiro filme.
O longa ainda busca compreender as motivações e os sentimentos de Myers, uma decisão que transforma o assassino no protagonista da história. Através de diálogos expositivos que acontecem longe da ação, Laurie e o oficial Hawkins (Will Patton) estabelecem a natureza do icônico personagem, relacionando sua natureza com a violência presente na cidade, como se uma coisa alimentasse a outra. Uma ideia que, ao que tudo indica, será um dos temas centrais do desfecho da trilogia.
Com uma história repleta de tramas, personagens ruins e tomando algumas decisões bem questionáveis, “Halloween Kills: O terror continua” é um retrocesso dentro da franquia. Sem conseguir atingir a carga dramática do longa anterior nem ter seu arco narrativo bem definido, a necessidade de ser o capítulo do meio de uma trilogia certamente prejudica o filme, que não é bem-sucedido em abordar seus temas principais nem em desenvolver tudo o que foi criado no longa de 2018. Ao menos consegue trabalhar temas atuais e manter o interesse para o encerramento da trilogia. Se antes a expectativa era alta, ao menos estaremos mais preparados para “Halloween Ends”.

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