Make Ditadura Great Again
10/08/2021 22:17 - Atualizado em 10/08/2021 22:19
Tanques do Exército ocupam as ruas do Rio de Janeiro no golpe de 1964, iniciando o mais longo período de exceção do país e tanques e blindados na Praça dos Três Poderes nesta terça (10).
Tanques do Exército ocupam as ruas do Rio de Janeiro no golpe de 1964, iniciando o mais longo período de exceção do país e tanques e blindados na Praça dos Três Poderes nesta terça (10).
 
Jair Messias Bolsonaro já foi chamado de muitas coisas. Fascista, genocida, nazista e miliciano. Pelo seu passado — e por seu presente. Político sempre habitante do pântano carioca, no baixo do baixo clero, suas declarações “polêmicas” emergiram ainda na campanha presidencial de 2018, mas não o impediram de sair vitorioso.
“Não estupro você porque você não merece”, dito em 2003 e repetido em 2016, ao se referir à deputada Maria do Rosário (PT-RS); “Enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, os grupos de extermínio são muito bem-vindos”, em frase autoexplicativa, também em 2003; e “prefiro que um filho meu morra do que apareça com um bigodudo por aí”, dito em 2011, foram algumas delas.
Mas, a frase que ele parece repetir mentalmente desde que assumiu a presidência é outra: “Eu tenho um sonho!” — embora não haja comparação possível de Bolsonaro com Martin Luther King, histórico ativista norte-americano, que imortalizou a afirmativa. Sonho que vem da ânsia de ser um ditador, que se mostra uma constância na personalidade política do presidente, que nunca conviveu bem com a democracia. "Não há a menor dúvida, daria golpe no mesmo dia, no medo dia!”, declarou em 1999 quando perguntado se fecharia o Congresso caso fosse eleito presidente da República, em entrevista à TV Bandeirantes.
A ocupação militar de hoje (10) na Praça dos Três Poderes, em Brasília, foi mais uma demonstração dessa obsessão. No que parecia ser um golpe militar anunciado, o desfile de tanques e outros blindados — que acabou virando chacota nas redes —, foi marcado para o mesmo dia em que o Congresso vota a “PEC do Voto Impresso”, assunto que Bolsonaro vem depositando toda sua energia.
Foto: Agência o Globo
Foto: Agência o Globo
Conforme apurou a jornalista Malu Gaspar, foi exatamente um exercício militar travestido de golpe que o presidente havia pedido ao então comandante do Exército, Edson Pujol, em março de 2020, e diante da negativa, levando a demissão do ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e dos três comandantes das Forças Armadas, um ano depois. Ainda segundo Malu, Pujol e Azevedo e Silva haviam se negado a promover um voo rasante com os caças suecos Gripen pela Esplanada.
Por falar em obsessão, não é preciso ser um grande observador para perceber a idolatria do clã Bolsonaro aos Estados Unidos, especialmente ao ex-presidente Donald Trump. Em 2019, Bolsonaro chegou a bater continência à bandeira americana em um evento em Dallas, no estado do Texas, aonde chegou a dizer "Brasil e Estados Unidos acima de tudo".
Presidente brasileiro, Jair Messias Bolsonaro, bate continência à bandeira americana em um evento em Dalas, no estado americano do Texas.
Presidente brasileiro, Jair Messias Bolsonaro, bate continência à bandeira americana em um evento em Dalas, no estado americano do Texas. / Reprodução
Frases de cunho racista, eleger um inimigo interno inexistente e questionar o sistema eleitoral é seguir fielmente a cartilha trumpista, assim como o patriotismo distorcido, de cunho ultranacionalista, em afirmações como "Make America Great Again" (em português: Torne a América Grande Novamente). Outro ponto de convergência é o uso político das Forças Armadas. Ou pelo menos a tentativa, no caso americano. Durante os protestos contra o racismo no ano passado, Trump se fez acompanhar do general Mark Milley, chefe do Estado-Maior, a uma igreja em frente à Casa Branca, depois de mandar dispersar os manifestantes — Eu não deveria estar lá — disse Milley sobre o ato político — Minha presença naquele momento e naquele ambiente criou uma percepção de envolvimento dos militares na política interna — disse o comandante máximo da maior força militar do mundo moderno, em um pedido de desculpas.
Quando na maior investida golpista de Donald Trump, onde incitou uma turba de apoiadores a invadirem o Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, Milley se encontrou diversas vezes com os chefes das Forças Armadas, pedindo que não seguissem ordens de Trump sem que ele fosse consultado primeiro.
Apesar dos ataques, a democracia mais longeva do mundo sobreviveu. Trump perdeu as eleições, a despeito de seus apoiadores ainda acreditarem na narrativa de fraude. Bolsonaro tenta dizer que as eleições brasileiras — as que ainda não aconteceram e as anteriores, que elegeu o próprio presidente — são corrompidas. Mesmo sem apresentar nenhuma prova, e trazendo diversas informações falsas sobre o sistema eleitoral, todas desmentidas pelo TSE. E mesmo ameaçando com tanques e blindados, vem perdendo popularidade, apoio do Congresso e o que restou de sua credibilidade. (enquanto escrevia, o Congresso brasileiro rejeitou, em mais uma derrota ao governo Bolsonaro, o voto impresso, veja matéria da Folha aqui)
 Invasão do Capitólio americano por apoiadores de Trump, contestando a vitória de Joe Biden nas eleições. Quatro pessoas foram mortas e mais de 50 foram presas
Invasão do Capitólio americano por apoiadores de Trump, contestando a vitória de Joe Biden nas eleições. Quatro pessoas foram mortas e mais de 50 foram presas / REUTERS
Bolsonaro já tentou vários episódios que pudessem configurar seu “momento Reichstag” — incêndio do Parlamento alemão, em 1933, que antecedeu a chegada de Adolf Hitler ao poder. Continua alimentando sucessivas crises para impor sua própria imagem como salvador nacional. Assim como fizeram todos os ditadores na história. Motociatas no “melhor” estilo Mussolini, secretários neonazistas, o desastre na condução da pandemia e o envolvimento familiar com a milícia carioca, justificam seus adjetivos contumazes. Aos brasileiros, resta torcer para que todos seus sonhos não se realizem, e tronem outras vergonhas de nossa história grandes outra vez. 
Laerte, 2021.
Laerte, 2021.
 
 
 
 
 
 

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    Edmundo Siqueira

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