Obra do camelódromo reacende polêmica sobre falta de preservação do Mercado Municipal de Campos
Matheus Berriel e Edmundo Siqueira - Atualizado em 09/07/2021 13:59
Obra do Shopping Popular recomeçou no último dia 28
Obra do Shopping Popular recomeçou no último dia 28 / Genilson Pessanha
A pouco mais de dois meses de completar 100 anos de existência, o Mercado Municipal de Campos voltou a ser tema de uma antiga polêmica. Entidades ligadas à preservação histórico-cultural contestam o reinício da obra no entorno do espaço, que, conforme anunciou o prefeito Wladimir Garotinho no último dia 26, receberá o novo Shopping Popular Michel Haddad, nome oficial do popular camelódromo. A retomada teve autorização do desembargador Agostinho Teixeira, da 13º Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, contanto que haja emissão de laudo do Corpo de Bombeiros. O Mercado Municipal é tombado desde 2013 pelo Conselho de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural de Campos (Coppam) e, há vários anos, vem sendo mapeado para receber tombamento também pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac).
O imbróglio referente à obra do Mercado tramita judicialmente na 1ª Vara Cível de Campos, onde duas audiências não puderam ser realizadas devido à ausência de representante da Prefeitura, em 10 de fevereiro e 24 de junho deste ano. Questionada, a Procuradoria do Município alegou que, na primeira ocasião, “houve um problema pontual de conexão com o procurador que participaria”. Um pedido de audiência especial teria sido feito, mas esta acabou não acontecendo após reunião realizada entre o município e o Ministério Público.
— Assim, a audiência do dia 24 de junho não chegou a acontecer, e a Prefeitura não foi intimada. Não há previsão de nova audiência, e o único impedimento legal para a retomada era a regulamentação junto ao Corpo de Bombeiros, que já foi solicitada — informou a Procuradoria.
De acordo com a promotora Maristela Naurath, da 3ª Promotoria de Tutela Coletiva de Campos, não foi firmado Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o município e o Ministério Público.
— Houve uma reunião, mas não foi possível firmar o TAC, tendo em vista que somente seria possível com o total objeto da Ação Civil Pública (ACP), não apenas com relação ao Shopping Popular. Este órgão não tem atribuição para recorrer de decisão em segunda instância, tendo sido negada em primeira instância a antecipação de tutela; com o agravo interposto por este órgão, houve a decisão quanto à necessidade apenas do Certificado de Aprovação do Corpo de Bombeiros — disse Maristela.
Ainda segundo a promotora, as obras do Shopping Popular não afetam o imóvel do Mercado Municipal, mas podem interferir na visualização da torre do relógio na fachada do prédio, que faz parte da proteção ao patrimônio cultural como um todo. Para ela, mudanças já realizadas no Mercado impedem o tombamento do mesmo pelo Inepac e/ou pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
— Quanto ao entorno, também faz parte da preservação do patrimônio cultural a ambiência. Infelizmente, houve uma série de alterações no Mercado Municipal ao longo de anos, não sendo possível o tombamento por órgão estadual ou federal, permanecendo o tombamento municipal — comentou Maristela.
Em 2015, o então diretor geral do Inepac, Paulo Eduardo Vidal Leite Ribeiro, enviou à Prefeitura de Campos e ao Coppam ofícios informando sobre o interesse cultural do Estado no Mercado Municipal. Na época, já corria, desde o ano anterior, um processo de tombamento do prédio histórico pelo órgão. Já em setembro de 2020, o diretor geral do Inepac à época, Cláudio Prado de Mello, visitou o Mercado com mais duas representantes da secretaria estadual de Cultura e Economia Criativa e anunciou que o tombamento aconteceria, visando a captar recursos para que o prédio fosse restaurado até 15 de setembro de 2021, quando se completa o seu centenário. Contudo, o tombamento não foi formalizado. A Folha solicitou posicionamento do Inepac, atualmente dirigido por Cláudio Elias da Silva, mas não obteve retorno.
O Coppam, único órgão em que há tombamento vigente, autorizou em 2014 a obra, com sete votos favoráveis e quatro contrários. Já naquela ocasião, entidades como o Instituto Histórico e Geográfico de Campos dos Goytacazes (IHGCG), a Academia Campista de Letras (ACL) e a Associação de Imprensa Campista (AIC) se posicionaram contra a construção do camelódromo no local, por entenderem que agridiria o prédio histórico e não resolveria os problemas estruturais do entorno do equipamento.
— É importante ressaltar que a retomada da obra tem o aval da aprovação do projeto pelo Coppam, registrada em reunião de 16 de dezembro de 2014. De todo modo, tendo em vista os novos debates acerca do tema na comunidade, o Coppam abordará o assunto nas próximas reuniões — afirmou a atual presidente do conselho, Auxiliadora Freitas, que também preside a Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima.
No último dia 15, após a liberação do desembargador Agostinho Teixeira para a retomada da obra, o IHGCG, a AIC, a ACL e outras seis entidades enviaram à 3ª Promotoria de Tutela Coletiva de Campos um ofício solicitando o impedimento de que a mesma continue. Também assinaram o documento os representantes legais da Academia Pedralva de Letras e Artes, Academia de Letras do Brasil - Seccional Campos, do Instituto Historiar de Campos, Centro Cultural Marcelo Sampaio, Coletivo Cultural Resistência Goitacá e Observatório Social de Campos.
A obra na área de ambiência do Mercado Municipal começou em 2014, no governo da então prefeita Rosinha Garotinho, mãe do atual prefeito Wladimir. Desde então, as bancas do Shopping Popular funcionam provisoriamente no Parque Alberto Sampaio. Irmã de Wladimir, a deputada federal Clarissa Garotinho destinou uma emenda R$ 4,5 milhões para a conclusão da obra, que, segundo o prefeito, vai “criar melhores condições de trabalho e garantir dignidade a 447 trabalhadores do camelódromo”.
A construção do novo Shopping Popular sofreu uma série de atrasos desde o início, até ser paralisada. Em 2017, no início da gestão do ex-prefeito Rafael Diniz, foi encontrado um débito de aproximadamente R$ 2 milhões com as empresas Serven e Gecoplan, do Consórcio Campista, responsáveis pela construção. Ao retomar os serviços, em maio de 2019, a Prefeitura informou que a obra era orçada em R$ 9.985.938,34, prevendo 447 boxes, vestiários, sanitários, fraldários, praça de alimentação, sala de primeiros socorros e setores administrativos. À época, 60% do projeto estava concluído. Porém, pouca coisa mudou, resultando em nova interrupção.
O mais recente ato de reinício da obra aconteceu no último dia 28, e a conclusão está prevista para fevereiro de 2022. São previstos letreiros de identificação padronizados em todas as bancas, corredores amplos para melhor circulação, fraldários, banheiros masculino e feminino com acessibilidade, e mezanino para a administração e a Associação dos Permissionários.
Bem tombado — O Mercado Municipal de Campos foi fundado em 15 de setembro de 1921, com arquitetura inspirada no conceito do Mercado Central de Paris. A escolha do local, no Centro, se deu pela facilidade do embarque e desembarque de mercadorias pelo Canal Campos-Macaé, onde navegavam as embarcações.
Alternativas — O arquiteto e urbanista Renato Siqueira destaca a existência de um projeto de 2007, feito pela secretaria de Planejamento, para construir o Shopping Popular após a rua Tenente Coronel Cardoso, para o lado da praça da República, com duas entradas: uma pela rua Barão de Amazonas e a outra pela Lacerda Sobrinho.
— Alternativamente, também a Prefeitura poderia gastar praticamente zero, desde que organizasse um setor de comércio popular a exemplo do que acontece no Rio de Janeiro, na rua da Alfândega e na região do Saara, e também em São Paulo, no Brás e na rua 25 de Março. Assim, haveria um setor de comércio popular no Centro Histórico. Atualmente, existem vários comerciantes deste setor em espaços comerciais na avenida Alberto Torres e na rua Barão do Amazonas, por exemplo — enfatizou Renato Siqueira.
Camelódromo poderia prejudicar visualização do relógio do Mercado
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