Cândida Albernaz: O filho de Olavo
Cândida Albernaz 23/07/2020 19:25 - Atualizado em 29/07/2020 16:28
Estava cismado com as reticências de Maria Regina.
Fazia pouco tempo ela vinha se chegando como quem não quer nada. Soltava uma frase aqui, ”Não sei o que há com a Terezinha...”, outra ali, “Terezinha não tem aparecido na rua...”.
Ele que já a conhecia bem, não costumava dar ouvidos às fofocas que fazia, mas ela estava insistindo: “coitado do Antônio, tem parecido tão triste...”.
À tarde, enquanto limpava o balcão e retirava os últimos copos que estavam sobre ele, Maria Regina entrou:
— Ué, vai fechar mais cedo?
— O movimento está fraco.
Jogou o pano que usava sobre o ombro e virou-se para a pia, onde abriu a torneira e lavou pratos e copos.
— Viu Terezinha?
— Faz uns dias que não a vejo. O Antônio foi quem esteve aqui no bar outro dia.
— Eu sei por que ela não tem aparecido. Aliás, nem aqui nem em lugar algum.
Ele agora arrumava as prateleiras de bebida e verificava a temperatura do freezer.
— Você conhece a viúva de Olavo, não?
— Claro. Todo mundo conhece todo mundo nessa cidade imensa em que moramos.
Estava sem paciência com aquela conversa. Queria sossego. O dia foi difícil e principalmente não rendeu muito.
Ela fingiu não perceber a ironia em sua voz e continuou:
— Então. A viúva andou espalhando que o segundo filho de Terezinha era de Olavo, que antes de morrer contou a ela e pediu perdão.
Ele parou o que estava fazendo. Não sabia se acreditava ou não. Antônio era seu amigo e afilhado de casamento.
— De onde você tirou esta história, Maria Regina?
— Não tirei de lugar nenhum, não, senhor. É o que estão dizendo.
— Quem estão?
— Ah! Nem lembro quem contou, mas parece que é verdade. A viúva até deu uma coça nela chamando de sem-vergonha e mulher safada. Terezinha está trancada em casa com a cara inchada de apanhar. E de chorar também.
— Maria Regina, isto é sério!
— Eu sei e não sou mulher de ficar inventando coisa. Já reparou que o segundo filho deles é moreninho? Todo mundo é louro naquela casa. Na época disseram que parecia com o avô de Antônio. Sei! Se você reparar bem, é a cara de Olavo. Até a pinta do lado do nariz o garoto tem igual.
Ele ficou pensando em Antônio. Era doido pela mulher.
— Disseram que trancou Terezinha dentro do quarto. Não sai nem para comer. Você acha que ele a coloca para fora? Ou faz coisa pior?
— Chega, preciso fechar. É melhor você ir para casa.
Ela saiu andando e resmungando que não contaria mais nada a ele. Só estava querendo ouvir uma opinião.
Pensou que se tudo o que ela falou for verdade, o casal necessita de ajuda. Como faria? Antônio, homem fechado que não costumava se abrir com ninguém. Os dois eram amigos desde criança e mesmo sem falar muito, um conhecia bem o outro. Sabia também que por maior que fosse o coração de Antônio, quando a raiva explodia, ele podia assustar quem estivesse por perto.
Precisava encontrar o amigo. Resolveu primeiro passar em casa para tomar um banho e jantar enquanto decidia como faria. Mais tarde foi bater na porta de Antônio.
Demorou para que abrissem. O menino à sua frente tinha o rosto assustado. Olhou bem e reparou na pinta e no cabelo bem preto e liso. Como o de Olavo.
— Seu pai, onde está?
Não respondeu. Fitou-o como se pedisse ajuda. Afastou a porta e segurando a mão do garoto de cinco anos, pediu que o levasse até o pai.
Foram andando pelo corredor estreito e em frente ao que imaginava ser o quarto do casal, que estava fechado, pararam.
— Antônio está aí dentro?
Ele acenou com a cabeça afirmando.
— E sua mãe?
Os olhos do menino encheram-se de água.
— Está dormindo. Papai brigou com ela, gritou muito e então ela fechou os olhos.
— Como assim? Sua mãe foi dormir a que horas?
- Não sei, acho que foi ontem de manhã. Quando acordei, eles brigavam e mamãe chorava muito. Depois eles ficaram quietos e eu abri a porta. Vi papai colocando minha mãe na cama. Já estava dormindo e ele não me deixou falar com ela. Pediu para não fazer barulho e sair dali.
— Você não falou mais com Terezinha?
— Não.
— E seu pai, o que ele disse depois a você?
— Nada. Sentou na cadeira do lado da cama e está lá até agora.
Abriu a porta do quarto. Havia uma mancha escura no peito de Terezinha que continuava em volta dela sobre o lençol. Antônio, sentado na cadeira, pareceu não perceber que havia mais alguém ali.
Aproximou-se dele que, sem se virar, disse:
— Tire-a daqui e me leve junto. Acabou.

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