Crítica de cinema - A família e o Boxe
*Felipe Fernandes - Atualizado em 05/10/2018 18:44
(10 Segundos Para Vencer) -
Desde o princípio do cinema, o boxe é o esporte mais cinematográfico. Essa junção gerou filmes que ficaram marcados na história. Mas é preciso entender que o bom cinema sobre o boxe não tem sua força na luta sobre o ringue, mas na entrega, no sacrifício, na luta fora das quatro cordas. Certamente, para subir ao ringue é preciso paixão pelo esporte, mas os bons filmes de boxe trazem lutadores que botam em jogo muito mais do que a vitória e sua integridade física, e a cinebiografia do maior pugilista brasileiro (um dos maiores da história) entende esse conceito. É um filme sobre sofrimento, superação, vitória, sobre a família e, principalmente, sobre a relação entre pai e filho.
O boxe é uma tradição na família Jofre. Ainda criança, Éder (Daniel de Oliveira) acompanhava o pai (Osmar Prado) e o tio (Ricardo Gelli) pelo mundo do boxe e viu o tio desperdiçar seu talento com bebidas, jogos e mulheres. Levado pelo sonho do pai, ele cresce, vira pugilista, mas consegue uma oportunidade para estudar arquitetura e está decidido a abandonar o ringue. Com o surgimento de uma súbita doença de seu irmão mais novo, ele volta para o boxe na tentativa de fazer dinheiro e ajudar no tratamento do irmão.
Toda a sequência inicial, com Éder ainda criança, é eficiente em estabelecer a relação da família Jofre com o boxe e o fascínio de pai e filho com o esporte. Kid sonha fazer de seu cunhado um campeão mundial, já o pequeno Éder parece encantado com aquele universo e quando tudo dá errado, a atitude do pequeno Éder em agradar o pai e se tornar o centro de sua admiração, constrói toda a dinâmica que vai mover o filme.
O roteiro escrito pelo diretor José Alvarenga Jr. (Os normais) e mais 3 parceiros, é bem sucedido em construir de forma orgânica a relação entre os protagonistas, mas também em integrar os coadjuvantes, criando um núcleo familiar que dá contornos interessantes ao longa. Até mesmo o relacionamento de Éder com sua futura esposa Cida (Keli Freitas) consegue fugir da pieguice comum a outras obras do diretor. Existe a crise devido a profissão (que acredito que deva realmente existir nesse tipo de situação), mas o roteiro consegue dar substância ao núcleo familiar que Éder, característica que se mostra importante justamente no ponto geralmente mais complicado desse estilo de filme, que é o momento de decadência do protagonista.
Tecnicamente o filme impressiona, o trabalho de design de produção de Cláudio Domingos (Divã) merece elogios; a recriação de época é muito bem realizada, conseguindo traduzir em imagens a passagem das diferentes décadas em que a história acontece; a fotografia do sempre competente Lula Carvalho (Tropa de elite) que faz um belo trabalho de iluminação, trabalha por vezes com imagens granuladas que trazem peso a algumas cenas e utiliza uma paleta de cores dessaturadas, mas trabalhadas em um tom de dourado que traz um aspecto de nostalgia muito interessante. O trabalho de movimentação de câmera, junto a montagem, criam cenas de luta empolgantes e ágeis como poucas vezes vi no cinema nacional. Não deve em nada a outros excelentes filmes de boxe.
Cinema
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Outro destaque é o surpreendente trabalho do diretor José Alvarenga Jr. Oriundo da tv, sua filmografia na tela grande é basicamente formada por comédias irregulares, com aspecto de produto televisivo (um dos grandes problemas das comédias do nosso cinema), mas aqui Alvarenga consegue fugir dessa ligação com a tv e realiza sua primeira obra realmente cinematográfica. Bem dirigido, com um bom ritmo, o diretor demonstra talento para trabalhos mais profundos.
O elenco como um todo está muito bem, mas a grande força do filme são as atuações de Daniel de Oliveira (Sangue Azul) e do veterano Osmar Prado (Olga). Daniel demonstra uma entrega importante ao papel e é muito carismático. Ele convence no ringue e traz uma bela interpretação do campeão.
Já Osmar Prado rouba o filme (ganhou o prêmio de melhor ator no Festival de Gramado deste ano por este trabalho), ele cria um personagem complexo, que facilmente poderia cair para o clichê do pai autoritário que vê no filho a oportunidade de glória que ele não teve. Mas a interpretação de Prado vai além, ele constrói uma figura paterna rigorosa e mesmo com os conflitos com o filho, nunca deixa de transparecer o carinho que sente por ele e o respeito pelo esporte. Uma atuação poderosa e marcante.
O grande campeão Éder Jofre ganha uma bela cinebiografia, à altura de seu legado no boxe, uma pena é que um filme como esse esteja passando tão desapercebido nos cinemas, merecia uma melhor divulgação. É preciso valorizar mais o nosso cinema, que há anos vem produzindo belos trabalhos e nem falo de filmes de artes, falo de filmes de apelo comercial (esqueçamos as comédias da Globo Filmes), mas que ainda carecem da atenção do grande público.

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