Crítica de cinema - A fronteira e a moral
*Felipe Fernandes - Atualizado em 29/06/2018 17:21
Divulgação
(Sicário: Dia do soldado) -
A situação da fronteira que separa o México e os Estados Unidos já foi retratada em diversos filmes e permanece atual, seja pela ideia da construção do polêmico muro de Trump, pelo horror como o governo americano separa pais e filhos que são pegos na fronteira ou pela violência sem fim gerada pelo controle do tráfico de drogas e pessoas na região. Lançado em 2015, “Sicário: Terra de ninguém” tinha elementos para se tornar mais um filme genérico a retratar esse tema, mas o bom roteiro do então estreante Taylor Sheridan (“A qualquer custo”), e o apuro estético do cineasta Denis Villeneuve fizeram dele um dos destaques daquele ano. Logo uma desnecessária sequência foi anunciada e eis que chega aos cinemas “Sicário: Dia do Soldado”.
Após um atentado terrorista em solo americano, o governo encontra conexão entre terroristas e os cartéis de drogas, que estariam facilitando a entrada de terroristas pela fronteira. O governo então recruta Matt Graver (Josh Brolin) para uma missão secreta onde ele vai começar uma guerra entre os cartéis de drogas no México visando desestabilizar essa operação com os terroristas.
Sem contar com a equipe criativa responsável pelos maiores destaques do primeiro longa, o único retorno é o do agora prestigiado roteirista Taylor Sheridan, que não tenta repetir a fórmula do original, pelo contrário, ele faz o caminho inverso e busca uma abordagem diferente, mas essa abordagem traz alguns problemas que não só prejudicam o filme, como enfraquecem os personagens principais que haviam sido tão bem construídos no longa de 2015.
Em “Terra de ninguém”, Sheridan trabalhava a situação de forma crescente, do micro para o macro, começava por uma operação antisequestro e partia para uma operação em larga escala visando prender o traficante responsável por comandar todo o tráfico na região. Aqui o texto de Sheridan corre no caminho inverso, tratando do macro para o micro. A operação anti-terrorismo já começa grande e em decorrência dos acontecimentos começa a tratar as relações pessoais, buscando humanizar personagens que funcionavam dentro daquela realidade principalmente pela falta dela.
No original a personagem de Emily Blunt funcionava como a bússola moral e ferramenta de introdução do espectador naquele universo, aqui a introdução já não é mais necessária, Sheridan então busca desconstruir os dois personagens remanescentes, uma ideia interessante, mas que traz diversos problemas, muito pelo trabalho irregular do roteirista que se utiliza de coincidências (ferramenta sempre irritante), reviravoltas que não funcionam e na premissa dos terroristas que é bem interessante mas é abandonada no meio do filme, se tornando desnecessária e injustificada.
O apuro estético do primeiro filme, com seus planos e movimentos sutis que ressaltavam a tensão e criavam uma atmosfera pesada e a beleza visual criada pela fotografia do sempre genial Roger Deakins, dão lugar a uma abordagem mais direta, mais dura. Dirigido pelo cineasta italiano Stefano Sollima (“Suburra”), o filme não traz a atmosfera pesada do primeiro longa, é um filme mais próximo do western, mais sujo, mais próximo da poeira da região. Essa abordagem mais crua dialoga bem com o roteiro e mesmo que não tenha os planos evocativos do original, ao menos não parece uma cópia e funciona.
O elenco mais uma vez é destaque da produção. Benicio Del Toro (agora protagonista) e Josh Brolin revisitam seus personagens e mais uma vez entregam grandes atuações. Del Toro (sempre excelente) mesmo que tendo de lidar com mais texto, consegue se manter ameaçador mesmo quando encurralado. Suas expressões e gestual criam esse tom ameaçador de maneira eficiente. Brolin, como o inescrupuloso Graver, perde muito do mistério do personagem devido aos acontecimentos do primeiro longa, mas mantém o nível de seu trabalho em um ano espetacular para o ator que estreia o terceiro filme em dois meses, mostrando versatilidade em personagens tão diferentes, mas sempre com grandes atuações.
Mesmo que de forma menos contundente, “Sicário: Dia do Soldado” mantém a dualidade entre as ações e o tom de denúncia frente às ações do governo americano. Ao tentar humanizar esses personagens o filme perde força e busca a redenção pela humanização, ao menos é o que o gancho para o terceiro capítulo (em uma clara homenagem a “O poderoso chefão”) parece mostrar. Promessa de mais uma continuação desnecessária a caminho.

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