Crítica de cinema: Corra
Edgar Vianna de Andrade 22/05/2017 18:16 - Atualizado em 23/05/2017 14:48
Para fins do meu próprio entendimento, elegi duas características para classificar um filme no gênero “terror”: suspense e sobrenatural. Pode haver suspense sem sobrenatural e sobrenatural sem suspense. Trata-se de um critério meu apenas. E nesse sentido, “Corra” é um filme de suspense. De forma alguma a falta do elemento sobrenatural reduz a qualidade do enredo. O diretor e roteirista do filme é o negro Jordan Peele, com pouca experiência no cinema. Ele é mais conhecido na televisão. Pode-se dizer que estreia no cinema com o pé direito, ao conceber e dirigir “Corra”.
A leitura do primeiro plano do filme assusta. A loura Rose Armitage (Allison Williams) namora o negro Chris Washington (Daniel Kaluuya). Ela o convida a conhecer seus pais, que moram numa casa de campo. Ele hesita, pois teme a reação dos pais brancos da namorada. Sem problemas, ela o tranquiliza. Seus pais não são racistas. O pai votaria em Obama se fosse possível uma segunda reeleição. Chris cede e acompanha a namorada. Os sinais de perigo começam já no início do filme. Não se tem ideia quanto à natureza deste perigo: sequestro de negros? Atropelamento de cervos? Morte da mãe de Chris por atropelamento?
Na mansão dos pais da moça, coisas estranhas começam a acontecer. O casal de empregados é negro. Ela e ele se comportam como zumbis. O irmão da namorada é alcoólatra. Os pais promovem uma festa a que comparecem brancos ricos, todos eles aceitando perfeitamente o namoro entre uma branca e um negro. À festa, comparece um negro casado com uma mulher branca bem mais velha. Estranho, tudo muito estranho. Missy Armitage (Catherine Keener), a mãe, hipnotiza Chris para que ele abandone o cigarro, apenas com o movimento de uma colher numa xícara de chá. Ele nunca mais será o mesmo.
Cinema
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Na festa, Chis é examinado como um belo animal. As revelações começam a ser feitas. Passa-se, então, para a explicitação de uma grande metáfora ou fábula. Um convidado diz: “negro está na moda”. O não dito é: “mas não deve. Lugar de negro não é aqui, entre brancos. Negro nasceu para ser serviçal. Tiramos dele o que há de melhor e o reduzimos à sua condição inferior”. Estamos diante da Ku-Klux-Klan modernizada. Não é mais necessário matar totalmente os negros. Basta matá-los parcialmente. Seus órgãos e seu trabalho interessam aos brancos.
Toda moda do politicamente correto é uma fina camada de verniz que esconde o racismo ainda existente. O que Peele parece pretender é remover este verniz e mostrar que, por baixo dele, o preconceito continua existindo nos Estados Unidos, apesar de um esforço em sentido contrário pelos progressistas brancos. A mensagem vale para outros países.
Mateusinho
Mateusinho
Mas Peele não se liberta de alguns clichês dos filmes de terror. Na verdade, ele tenta ultrapassar o suspense recorrendo a movimentos bruscos de pessoas, sons fortes e inesperados. A namorada de Chis é a isca para uma armadilha em que ele cai. Para sair dela, é preciso matar os membros da família e ser salvo por um amigo. Se nos limitarmos ao plano visível do filme, Chis seria preso e condenado à morte pelos assassinatos. No plano metafórico, ele está descortinando a onda do politicamente correto quanto aos negros. No final, Peele ou mostra que o negro vence ou que, pelo menos, se salva. Gosto mais deste segundo sentido.

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