Folha Letras - Relembrando Álvaro Barcelos
Fernando da Silveira 18/05/2017 18:55 - Atualizado em 19/05/2017 13:45
Academia Campista de Letras (ACL)
Academia Campista de Letras (ACL) / Folha da Manhã
A Academia Campista de Letras jamais foi uma agremiação distante do povo. E nunca ficou silente diante da questão social que nos abisma e avassala. E é este posicionamento humanístico o traço mais significativo das sucessivas gestões de Hélio de Freitas Coelho à frente da ACL. Tipo de comportamento que me faz lembrar o acrisolado espírito público de um dos fundadores do mais antigo cenáculo campista, a nobre alma do acadêmico Álvaro Duarte Barcelos que, como personalista cristão da linha de Maritain, nos legou esta trova de rara beleza e de forte conteúdo social: “Ó Deus, por que não condenas///os que esquecem o Teu nome///e deixam a duras penas/// os pobres passando fome”?
O Professor Álvaro Duarte Barcelos foi um dos mais destacados diretores do Liceu de Humanidades de Campos. Filólogo altamente respeitado por seus pares, tornou-se membro também da Academia Brasileira de Filologia, instituição na qual cintilavam figuras do porte de Gladstone Chaves de Melo, Silvio Elia e Antenor Nascentes, o célebre autor de O linguajar carioca. Aliás, ele e um outro membro da ACL, o Professor Newton Perissè Duarte, filólogo, linguista, folclorista e músico autor do Hino de Campos, marcaram presença como integrantes do alto cenáculo dos filólogos brasileiros, dando, assim, mais um aspecto da dimensão alcançada por uma instituição cultural do interior fluminense.
Um dos fundadores da Academia Campista de Letras e da Associação de Imprensa Campista, nós devemos ao Professor Álvaro Duarte Barcelos a criação também da lamentavelmente extinta Academia de Comércio de Campos, estabelecimento de ensino responsável por um número considerável de competentes contabilistas que deixaram o rastro nobilitante de sua honradez nas esferas empresariais de nossa Cidade. A correção moral sempre foi a tônica desses contabilistas. Muitos deles ainda exercem a profissão, jamais esquecendo, em sua atuação laboral, das Lições de um Mestre que doutrinava, sobretudo, pelo exemplo.
Na verdade, a maior Mensagem do Professor Álvaro, pois morreu pobre, foi a de que, é melhor ser do que ter. A desambição que o animava era de tal ordem, que um número expressivo de estudantes que cursavam a sua Academia de Comércio, por falta de recursos, não pagava. Quando ele foi diretor do Departamento do Ensino Médio da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, tive a oportunidade de presenciar uma cena comovente: uma ex-aluna, ao encontrá-lo num restaurante, em Niterói, o abraçou aos prantos para lhe agradecer o fato de alcançar a condição de professora universitária, em razão de ter estudado sem nada pagar, na sua Academia de Comércio. Eu presenciei, também, em inúmeras oportunidades, aqui em Campos, o Professor Álvaro dar aulas particulares gratuitamente em sua residência.
Expositor sereno, quando ministrava as suas aulas, tornava-se, porém, orador fogoso, ao proferir discursos em praça pública, marcando a sua fala com imagens arrebatadoras, na defesa intransigente do bem comum, pois nunca fugiu do bom combate. Militou ainda na Imprensa Campista. Contam dele que, certa feita, abandonou o jornalismo, quebrando, indignado, na redação de O Dia, vibrante matutino campista de César Tinoco, a caneta com que escrevia os seus textos libertários, por ocasião do Golpe de 37. Mas a sua pena não descansou, no plano estritamente literário, ao compor trovas de rara sensibilidade e textos em prosa plenos de beleza, tudo tecendo com magistral concisão. Uma trova de sua autoria, como singela ilustração: “Duvido que alguém te queira,/// como eu te quero, meu bem!/// Pensas da mesma maneira?/// Por que não dizes também”?
Álvaro Duarte Barcelos foi também um incentivador de jovens talentosos. O confrade Wilmar Rangel conta que, ao nascer o seu filho Rodrigo, em 1968, fez para ele um poema, que o professor Álvaro, para seu espanto, levou-o para a sala de suas aulas, fazendo com que os seus alunos tomassem conhecimento da explosão plena de beleza da estética moderna em nossa Terra. E isso é mais comovente, porque o professor Álvaro era uma panegirista da estética romântica e da poemática, que segue os ditames da métrica.
Atentem bem para o vocábulo morte a desvendar a estética romântica no fecho deste soneto rigorosamente metrificado do professor Álvaro Barcelos, cujo título é A Primeira Cigarra: “A primeira cigarra está cantando/// a sinfonia vesperal do estio,/// meu coração na dor que está matando,/// ouve a canção que o torna mais doentio./////Assim é a vida. Quem está amando,/// não vê que a vida passa como um rio/// que corre para o mar, e vai buscando,/// sem saber um fim tão cruel e frio.///// Canta cigarra, minha amiga, canta,/// que o teu zizio inspira a mocidade,/// imprevidente, ingênua, quase santa,///// que, cantando, também, tem a sua sorte,/// pois, buscando no amor felicidade, /// encontra nele a sua própria morte”. Vou ousar agora e talvez mutilar, por conta dos meus oitenta e oito anos, os primeiros quatro versos do soneto que ele dedicou à Língua Portuguesa: “A bela e rica língua portuguesa,/// que é o próprio latim modificado,/// tem da língua de Cícero a beleza/// e Camões como gênio no passado”. E deixo, assim, para outros acadêmicos a missão de completar a bela obra de arte que pode se perder.
Estes sonetos eram feitos de improviso em sala de aula pelo professor Álvaro, para ensinar a sua grande paixão, vale dizer, a Língua Portuguesa. Não partiam de outro interesse, a não ser o pedagógico voltado, às vezes, exclusivamente para a métrica. Mas sem notar, as suas trovas como os seus sonetos, abriam o seu coração de homem altamente sensível. Revelavam o educador que tinha consciência, fiel â sua missão, de que educar é abrir as comportas da alma dos educandos. Desenhavam o Poeta. Atentem bem para esta trova: “Atire a primeira pedra/// quem for livre de pecado,/// pois não merece castigo/// quem pecou por ter amado”. Prestem atenção nesta outra: “Não há maior alegria,/// ninguém por certo o desmente,/// que se encontrar, algum dia,/// a alma gêmea da gente”.
Por outro lado, o homem preocupado com o seu semelhante está inteiro nesta trova: “Ó vida, como és fugaz,/// ó mundo, como és sombrio,/// uns têm coberta demais,/// outros, coitados, têm frio”... Que o exemplo de desprendimento, fruto da sensibilidade, e de grandeza moral, revérbero do caráter bem formado do Professor e Acadêmico Álvaro Duarte Barcelos, seja um fanal a inspirar os acadêmicos de hoje a levar adiante a sua missão primacial: educar, educar, educar!.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS