Cinema - Sob os olhos de Ishtar
Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 22/06/2021 18:42
Está redondamente enganado quem pensa que a civilização suméria, por enquanto a mais antiga que se conhece, desapareceu totalmente. Em grande parte, ela foi absorvida por povos semitas, que aprenderam a sua escrita e a sua cultura, passando a falar outras línguas até o século I d. C. para então desaparecer finalmente. O que ninguém sabia é que o dilúvio não obrigou apenas Noé e sua família a se salvarem numa arca. Também os sumérios construíram uma arca e foram parar numa alta montanha da Ásia, parece que nos Himalaias.
Quando as águas desceram, os sobreviventes construíram uma cidade no alto dessa montanha. Depois, transferiram-se para as profundezas da terra, onde construíram prédios. Não contentes, foram mais fundo, num terceiro pavimento, onde encontraram seres de uma espécie não humana que foi escravizada por eles. Aí, construíram sua morada, com seu palácio, rei, sacerdote, serviçais e escravos.
Arqueólogos dos Estados Unidos estavam escavando na Ásia (não se sabe em que parte dela) no comando de um grupo de empregados nativos quando uma tábua com inscrições aparece. A escrita é cuneiforme e foi deixada pelos sumérios. Mas quem conhece minimamente a escrita cuneiforme, nota que existem ao lado dela figuras egípcias. Um dos arqueólogos lê a inscrição e faz a descoberta: ali é o ponto em que os sobreviventes sumérios chegaram com o fim do dilúvio. Depois de uma longa escalada, enfrentando a montanha íngreme, o ar escasso, avalanches e neve, eles chegam ao ponto. Os trabalhadores vão saindo de cena. Um dos arqueólogos cai num buraco. Os outros descem em seu socorro e descobrem mais dois andares de civilização suméria.
Em suma, esse é o roteiro de “O templo do pavor” (“The mole people”), filme de 1956 dirigido por Virgil W. Vogel. A produção está cheia de estereótipos. Não façamos muita pesquisa para conferir informações corretas. Os herdeiros dos sumérios que vivem no mundo subterrâneo falam inglês. Um arqueólogo procura contornar o problema dizendo que sabe falar sumério. Sua língua escrita é conhecida, mas a falada não. Esses sumérios tardios vivem sob o comando espiritual da deusa Isthar, que, entre os sumérios, era chamada de Inana. Ela comanda tudo. O rei é seu representante, mas o poder deriva do mau sacerdote.
Quem trabalha para sustentar os sumerianos são os representantes de um povo monstruoso das profundezas. Talvez por economia, esses monstros são homens mascarados, com mão de garra e corcundas. Eles são escravos e trabalham sob chicote para produzir um cogumelo que serve de alimento a todos. As mulheres são submissas e oferecidas para os homens ou para o sacrifício. O arqueólogo mais jovem recebe Adad (Cynthia Patrick) como serviçal.
O grande estereótipo do filme é o ensino da democracia e da liberdade aos subterrâneos — sumérios, mulheres e escravos. Lembrei-me de Protazonov com seu revolucionário leninista (ou trotskista ou posadista?), que invade Marte para promover uma revolução comunista em seu “Aelita, a rainha de Marte”, de 1924. Os escravos se rebelam contra os sumérios. Dois arqueólogos encontram o caminho para a luz e levam Adad, que, na superfície, já se comporta como uma mulher nascida nos Estados Unidos.
Tanto a descida ao mundo das trevas quanto a subida evocam a “Divina Comédia”, de Dante, nome aliás mencionado no início do filme por um apresentador que passa por cientista. Inúmeros são os clichês, tanto no roteiro quanto nos cenários. Mas “O templo do pavor” é um filme que faz a alegria dos cultores do filme B.

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