Sem análise aprofundada, Plano Municipal de Cultura de Campos é aprovado na Câmara
Matheus Berriel e Edmundo Siqueira - Atualizado em 28/05/2021 13:10
Folha1
Foi aprovado por ampla maioria na madrugada de quarta-feira (26), na Câmara dos Vereadores de Campos, o primeiro Plano Municipal de Cultura após a implementação do Sistema Nacional de Cultura, em 2005. O projeto fez parte do pacote de medidas enviado pela Prefeitura e tramitou em regime de urgência, sem ter passado por análise prévia e por audiência pública. Elaborado pela gestão passada do Conselho Municipal de Cultura (Comcultura), o Plano define diretrizes, objetivos, estratégias, metas e ações para o setor artístico-cultural de 2021 a 2031.
— Enquanto ex-vereadora, entendo que o procedimento era de ter sido feita audiência pública antes de (a matéria) ser levada ao plenário — disse a atual presidente do Comcultura e da Fundação Cultural Jornalista Oswaldo Lima (FCJOL), Auxiliadora Freitas. — Mas, talvez, por ter sido um plano discutido junto ao segmento da cultura pelo Comcultura, com representação da sociedade civil e do poder público, assim como o olhar e a fala de todos, tenha sido entendido pela nossa mesa diretora da Câmara que o Plano Municipal de Cultura foi construído e contemplado democraticamente — acrescentou.
Na sessão em que ocorreu a votação, o presidente da Comissão de Educação e Cultura, Maicon Cruz (PSC), defendeu o Plano, bem como os também vereadores Fred Machado (Cidadania), Juninho Virgílio (Pros), Nildo Cardoso (PSL), Helinho Nahim (PTC) e Abdu Neme (Avante).
— Quero parabenizar os movimentos culturais, a sociedade civil organizada, o Comcultura, a FCJOL e os agentes culturais. Esse Plano é um marco para a cultura do município e para as políticas públicas culturais, um avanço muito grande — disse Maicon Cruz. — Tenho uma preocupação com o custeio, pois, quando olhei o orçamento do município, percebi que o Fundo Municipal de Cultura teve um orçamento de pouco mais de R$ 130 mil, o que não daria para custear esse Plano — alertou.
O único voto contrário foi do vereador Anderson de Matos (Republicanos), que alegou não ter conhecido o projeto.
— Não teve absolutamente nenhuma relação com o conteúdo ou a temática do Plano Municipal de Cultura, até porque eu não as conheci. Meu voto contrário tem a ver com a falta de tempo hábil para ler o projeto, aprovação em caráter de urgência, não passar pela Comissão de Cultura da Casa e a inexistência de discussão legislativa sobre a matéria. Não votei (só) contra o Plano Municipal de Cultura, votei contra todos os projetos de lei enviados pelo Executivo — justificou ele.
A construção do Plano é fruto de análises nas Conferências Municipais da Cultura de 2006, 2012, 2014, 2016 e 2018, que inspiraram as discussões e definições do final do ano passado. O documento foi enviado à Câmara ainda na gestão do ex-prefeito Rafael Diniz. À época, o Comcultura era presidido pelo professor e pesquisador Marcelo Sampaio, enquanto a Câmara tinha como presidente Fred Machado, que deixou o projeto para a Legislatura atual por entender que não havia tempo para os vereadores da época se aprofundarem na pauta.
Tendo como relatora a atual diretora-executiva de Artes e Cultura da FCJOL, Kátia Macabu, o Plano prevê, entre outros itens, a programação do Sistema Municipal de Cultura, integrado aos sistemas estadual e nacional. Isso inclui a realização de ações que articulem agentes culturais, estruturem a rede de equipamentos, promovam atividades, valorizem manifestações do setor, reconheçam e preservem todo o patrimônio histórico, cultural, material e ambiental de Campos, pesquisem e registrem a documentação dos acervos artísticos, culturais e históricos, assegurem o funcionamento da Lei de Incentivo à Cultura quando estabelecida, realizem cursos de formação e qualificação profissional, estruturem o calendário dos eventos culturais, captem recursos para projetos e programas específicos, operacionalizem as demandas do Comcultura e promovam a Conferência Municipal a cada dois anos. Também é responsabilidade da coordenação geral do Sistema subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas, entre outras.
Histórico — Na década de 1970, existiu em Campos um Plano Municipal de Cultura no município durante mandato do ex-prefeito Raul Linhares, que tinha Amaro Prata Tavares como diretor de Cultura. Destacou-se na época o prestígio dado aos artistas de teatro.
Opiniões:
“Há décadas os agentes culturais desejam a aprovação de um Plano Municipal de Cultura, que só foi concluído ano passado, durante a primeira gestão da sociedade civil do Comcultura. Apesar de ter sido construído com competência e democraticamente, tenho algumas ressalvas à forma como foi aprovado”. (Marcelo Sampaio, professor e pesquisador de cultura)
“É de extrema importância a aprovação do Plano Municipal de Cultura. Além de ser um start orientador para os atuais gestores, será também um facilitador para o acesso ao Sistema Nacional de Cultura, que pode colocar Campos num patamar artístico-cultural elevado no país. Vejo como um novo caminho”. (Alexandre Ferram, ator e promotor cultural)
“A aprovação do Plano é resultado de uma luta importante do Comcultura, protagonista na elaboração, em especial pela atuação da sociedade civil. No entanto, para que haja construção democrática, a participação popular precisa estar presente, com chamamento público para exame das propostas em algum momento”. (Rafaela Machado, historiadora e professora)
“Participei da construção da minuta do Plano de Cultura com o grupo de trabalho. Percorremos um longo caminho e percebemos o quanto era necessário ponderar e defender, de forma legítima, questões sérias da área cultural. Agora, espero que este Plano seja colocado em prática para nortear as políticas culturais do município”. (Graziela Escocard, historiadora)
“Sempre foi uma grande expectativa por parte da classe artística. O Plano Municipal de Cultura serve como base para uma verdadeira política cultural que, entra governo e sai governo, nunca tinha se efetivado. Com a aprovação, os gestores agora têm um norte. Agora, é colocar em prática e esperar a atuação do Comcultura nas ações culturais”. (Fernando Rossi, diretor teatral)
“O Plano é uma reivindicação antiga dos segmentos culturais de Campos, e sua aprovação deve ser recebida como um avanço, embora reconheçamos a falta de audiência pública e de um estudo mais aprofundado pela Câmara. Espera-se que haja orçamento e estrutura para que se cumpram seus objetivos”. (Adriano Moura, ator, escritor e produtor cultural)
“Momento para celebrarmos e ficarmos contentes. Temos, finalmente, um instrumento para tratar a Cultura como um direito humano. O Plano vem sendo construído há muitos anos por artistas e movimentos culturais, através do Comcultura, que encontraram meios para a estruturação deste documento”. (Lucia Talabi, atriz e produtora cultural)
“É uma alegria ver a convergência de forças para fazer nascer este girassol em meio à dor de tantos lutos causados pela pandemia e pela perda de direitos civis fundamentais e vidas. O Plano traz uma nova perspectiva de futuro e o fortalecimento da crença de que juntos, em prol do bem comum, somos fortes. Gratidão a todos os que trabalharam”. (Rafael Sánchez, artista plástico)
“Só posso elogiar as pessoas que participaram da formulação. Pelo que ouvi, trata-se de um Plano abrangente e sintonizado com o nosso tempo. Por outro lado, deve ser mais um a se restringir ao papel. Pessoas do governo e entusiastas dirão que Campos tem um Plano de Cultura, mas não deve ser posto em prática”. (Arthur Soffiati, escritor, historiador e ambientalista)
“O Plano Municipal de Cultura deve ser celebrado. Nele, estão contidas políticas públicas de incentivo e fomento para todos os setores artísticos, com diretrizes, metas, objetivos e, principalmente, prazos a serem cumpridos. Uma luta antiga. Que boas notícias como esta sejam multiplicadas”. (Pedro Fagundes, ator e coreógrafo)
“O Plano Municipal de Cultura leva a marca do fazer democrático e compartilhado não apenas pelos conselheiros da gestão anterior, mas por todos os que, desde o ano de 1973, quando se instalou o primeiro Conselho de Cultura — que, claro, não tinha os mesmos moldes do atual —, se preocuparam com o fazer cultural. Entendemos também que governo nenhum e nenhuma lei faz cultura. Os saberes culturais nascem e crescem na organização da sociedade, que, sem dúvida nenhuma, necessita da parceria com o poder público e com grupos empresariais para se fortalecerem”. (Sylvia Paes, historiadora)

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