Arthur Soffiati: As cinco pandemias da humanidade (final)
Arthur Soffiati - Atualizado em 18/09/2020 15:24
De maneira mordaz, o historiador canado-estadunidense William Hardy McNeill escreveu num de seus livros: “Se olharmos o mundo do ponto de vista de um patógeno faminto... ele é hoje um magnífico pasto para bilhões de corpos humanos... que dobra em número a cada 20 a 27 anos, um maravilhoso alvo para qualquer patógeno que possa se adaptar para melhor nos invadir.” Ainda hoje, depois de tantos avanços científicos, vírus, bactérias, protozoários, fungos, vermes e outros parasitas são vistos como algum tipo de maldição solta para atacar a humanidade. Geralmente, os acusados pela maldição nada têm a ver com as epidemias e pandemias.
Se, nos dois artigos anteriores, examinamos muito rapidamente as três pandemias de peste bubônica, concluímos agora com as pandemias da Gripe Espanhola e da Covid-19. Até aqui, lidamos com doenças infecciosas e transmissíveis causadas pela bactéria “Yersinia pestis”. Bactéria é um ser vivo unicelular com estrutura celular e genoma completo sem mitocôndrias individualizadas nem núcleo diferenciado. Realiza metabolismo energético e funções genético-reprodutivas próprios.
A gripe espanhola e a Covid-19 foram provocadas por vírus, que são genes encapsulados em contêiner proteico, algumas vezes envolvidos por membrana. Estão codificados em DNA ou RNA e dependem de células para produzir réplicas. Não têm metabolismo energético nem sintetizam por si mesmos suas moléculas.
Por mais detestáveis que sejam os microrganismos causadores de doenças, é preciso considerar que a vida depende fundamentalmente desses seres invisíveis. As bactérias construíram a atmosfera favorável aos grandes animais, inclusive humanos, e devem sobrevier a uma possível extinção de todos os seres pluricelulares.
O autor que muito nos ajudou nas pesquisas para esses três artigos é Fernando Portela Câmara. É ele quem escreve: “A cada conquista sobre o meio ambiente que nos permite viver melhor e mais confortavelmente, criamos vulnerabilidades que poderão nos trazer grandes catástrofes. Ao criarmos diques contra as doenças infecciosas, com antibióticos, vacinas, medidas sanitárias etc., estamos represando patógenos na esperança de controlá-los, mas desconhecemos a pressão de mutações que surgem, criando novas adaptações imprevisíveis e novos canais epidemiológicos.”
Na quarta pandemia, entra em cena um vírus. Não que ele fosse desconhecido. Os vírus foram descobertos em 1876 afetando plantas. Retrospectivamente, sabemos que várias epidemias do passado foram causadas por vírus. Em 1881, foi identificado o vírus da febre amarela. Em 1918, último ano da Primeira Guerra Mundial, eclodiu a Gripe Espanhola, uma virose pandêmica. Ela se expandiu no seio de uma grande mortandade fruto de um conflito também global.
Quem denunciou a morte de muitas pessoas por uma doença contagiosa foi a Espanha, país não envolvido no conflito. O avião já existia, mas ainda não era usado para voos comerciais. O vírus da febre viajou de navio. A propagação foi lenta, mas ampla. Os locais primeiramente atingidos foram os portos. Depois, valendo-se do trem principalmente, ele chegou às cidades do interior.
O historiador John M. Barry (“A grande gripe”. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2020) acredita que a virose originou-se nos Estados Unidos e se difundiu pelo mundo graças à guerra. Segundo seus cálculos, morreram 50 milhões de pessoas numa população mundial de 1.800 bilhão. Só na cidade do Rio de Janeiro, teriam morrido 35 mil pessoas. Mas são números estimados, já que os censos não tinham precisão naquele tempo. A Gripe Espanhola grassou entre 1918 e 1920 em três ondas. Houve o uso de máscaras e internações, mas não havia ainda respiradores mecânicos e unidades de tratamento intensivo.
Entre a quarta e a quinta pandemias, houve surtos potencialmente globais, como a gripe asiática, a disseminação do vírus HIV, do ebola, da dengue, da zica e da chikungunya. Assim como a gripe, essas doenças parecem ter vindo para ficar em forma epidêmica. Em 2002, eclodiu uma epidemia causada pelo vírus Sars-CoV-1; em 2012, outra pelo vírus Mers-CoV, ambas com potencial pandêmico, mas contidas. Agora, o mundo é invadido pelo Sars-CoV-2. A epidemia brotou na China em fins de 2019. A princípio, entendeu-se que se tratava de uma epidemia localizada. Mas, ela se espalhou por todo o hemisfério norte, atingindo Rússia, Europa Ocidental e Estados Unidos. Depois, ganhou a direção sul, chegando à Índia, à África e ao Brasil.
O vírus saiu da natureza devido a contatos promíscuos de humanos com ela. Ganhou o mundo de avião, chegando primeiro às metrópoles internacionais; depois, interiorizou-se. As grandes aglomerações humanas, a pobreza, a velhice, a incompetência dos governantes e a cultura da população facilitam sua propagação. Os vírus mostram como a humanidade é vulnerável a doenças, por mais que julgue ter superado o perigo dos microrganismos. A Organização Mundial de Saúde alerta para a ocorrência de futuras pandemias.
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