Ministro do STJ afasta Witzel, vice assume RJ e é alvo de buscas
Cláudio Castro e Wilson Witzel
Cláudio Castro e Wilson Witzel / Divulgação - Agência Brasil
O ex-juiz federal Wilson Witzel (PSC) oficialmente tomou posse como governador do Rio de Janeiro em 1º de janeiro de 2019, mas foi no dia seguinte, no Palácio Guanabara, que aconteceu a cerimônia de transmissão do cargo. Witzel recebeu das mãos do ex-governador em exercício Francisco Dornelles (PP) – que ocupava o posto porque Luiz Fernando Pezão (MDB) estava preso acusado de corrupção – uma faixa que ele mesmo mandou confeccionar com as cores da bandeira fluminense. Nessa sexta-feira (28), quase um ano e nove meses depois, Witzel acordou com a Polícia Federal à sua porta com a ordem do ministro Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que o afasta por 180 dias do cargo e o proíbe de entrar no Guanabara, acusado de chefiar um esquema para desviar verbas da Saúde durante a pandemia de Covid-19. Com isso, o vice-governador Cláudio Castro (PSC) – também acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) – assume o comando do Estado no auge de mais uma crise política. O governador afastado negou as acusações, insinuou que a atuação da promotoria teria as digitais do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e afirmou que “está sendo massacrado” porque há interesses poderosos contra ele.
O MPF chegou a pedir a prisão de Witzel, mas Benedito Gonçalves negou. No entanto, o ministro expediu mandados de prisão contra 17 pessoas, entre elas, Pastor Everaldo, presidente do PSC; Lucas Tristão, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico; e Sebastião Gothardo Netto, médico e ex-prefeito de Volta Redonda. Além disso, a primeira-dama, Helena Witzel; o presidente da Alerj, André Ceciliano (PT); e o desembargador Marcos Pinto da Cruz também foram alvos de busca e apreensão.
A base da operação foi a delação premiada do ex-secretário estadual de Saúde Edmar Santos. De acordo com o MPF, suspeita é de que o governador tenha recebido, por intermédio do escritório de advocacia de sua esposa pelo menos R$ 554,2 mil em propina. O MPF descobriu transferência de R$ 74 mil de Helena Witzel para a conta pessoal do governador
A descoberta do esquema criminoso teve início com a apuração de irregularidades na contratação dos hospitais de campanha, respiradores e medicamentos para o enfrentamento da pandemia do coronavírus. A Procuradoria-Geral da República (PGR) afirma que o governo do RJ estabeleceu um esquema de propina para a contratação emergencial e para liberação de pagamentos a organizações sociais (OSs) que prestam serviços ao governo, especialmente nas áreas de Saúde e Educação.
Além disso, os procuradores apontam que a primeira-dama possui “vínculo bastante estreito e suspeito” com as empresas do empresário Mário Peixoto, que fornece mão de obra para o governo do Rio de Janeiro desde a gestão de Sérgio Cabral.
O procurador da República Eduardo El Hage afirmou que o afastamento foi “muito importante para desarticular o grupo que está no poder”, que classificou como uma organização criminosa sofisticada.
— Face aos fatos gravíssimos com que nós nos deparamos, não havia outra medida, se não a que foi adotada hoje (sexta, 28)”, disse o procurador, que lembrou que dois governadores anteriores a Witzel, Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, foram presos sob acusação por crimes de corrupção. “Esse terceiro governador praticar atos de corrupção e de lavagem é algo inadmissível, e, em razão disso, o Ministério Público Federal chegou a requerer sua prisão preventiva. O ministro Benedito Gonçalves entendeu que não seria o caso e determinou seu afastamento”.
A expectativa fica, agora, para o julgamento sobre o afastamento de Witzel na Corte Especial do STJ, que foi marcada para a próxima quarta-feira. O colegiado é composto pelos 15 ministros mais antigos do tribunal e onde são julgados processos envolvendo autoridades com foro por prerrogativa de função.
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', 'cd_tetag': '1', 'cd_midia_w': '320', 'cd_midia_h': '285', 'align': 'Left'}Alvo de busca, Castro assume governo
Com o afastamento de Witzel, quem assume o Governo do Estado é o vice Cláudio Castro (PSC). Apesar de não estar entre os denunciados, ele foi alvo de um dos 82 mandados de busca e apreensão emitidos na operação. Ele estava em Brasília quando recebeu a notícia de afastamento de Witzel.
De acordo com a delação de Edmar Santos, o vice-governador se beneficiava de um esquema no qual, segundo o Ministério Público Federal, a Alerj repassava as sobras de seu orçamento para a cota única do tesouro estadual. Desta conta única, os valores “doados” eram depositados na conta específica do Fundo Estadual de Saúde, de onde era repassado para fundos municipais de saúde dos lugares indicados pelos deputados, que por sua vez recebiam de volta parte dos valores. Segundo Edmar, Castro fazia a articulação entre deputados e prefeitos e o governador.
Cláudio Bonfim de Castro e Silva, de 41 anos, nasceu em Santos e se formou em Direito, mas fez carreira na canção gospel. Filiado ao PSC, é o segundo vice-governador mais novo da história do RJ – ficando atrás apenas de Roberto Silveira eleito com 32 anos de idade, nos anos 1950.
Castro começou na política em 2004 como chefe de gabinete do então vereador Márcio Pacheco (PSC), denunciado pelo Ministério Público do Rio por integrar um suposto esquema de rachadinhas na Alerj.
Em 2016, com 10 mil votos, foi eleito vereador. Cumpria seu segundo ano de mandato quando foi convidado a concorrer na chapa de Wilson Witzel, indicado pelo Pastor Everaldo.
Castro foi indicado duas vezes ao prêmio de melhor cantor católico do Brasil, nos anos de 2012 e 2016, tendo ficado entre os cinco primeiros do país. Antes, cantou por 15 anos no grupo Em Nome do Pai. Em 2011, lançou o primeiro CD solo, com o mesmo nome da antiga banda. Em 2015 saiu o álbum “Dia de celebração”.
Em nota, o governador em exercício declarou que, no fim de 2019, tratou com Edmar Santos sobre o índice mínimo de 12% que os Estados devem investir na Saúde, conforme determina a Constituição Federal, e os repasses para as prefeituras de todo o Estado.
Cláudio Castro afirmou que jamais tratou de distribuição de duodécimo com o presidente da Alerj, André Ceciliano, como disse Edmar Santos em delação. Segundo Castro, a denuncia do ex-secretário não tem base na realidade e pretende criminalizar a relação institucional entre os entes federativos.
MPF aponta influência de três grupos no Estado
Wilson Witzel
Wilson Witzel / Carlos Magno / Divulgação
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), eram três grupos que possuíam mais influência no governo Witzel. Os “cabeças” destes segmentos seriam, segundo a denúncia, o empresário Mário Peixoto, preso desde maio; Pastor Everaldo, que, além de presidir o PSC, também possuía influência em órgãos estaduais como a Cedae; e o empresário José Carlos de Melo, empresário do ramo da educação que era diretor da Universidade Iguaçu (Unig) até junho. Ele morava em Itaperuna, onde fica o mais rentável curso da Unig, a escola de medicina, cuja mensalidade se aproxima de R$ 10 mil.
Segundo o MPF, o grupo de Peixoto disputava com o grupo de Pastor Everaldo o poder nos contratos da administração Witzel. O de José Carlos tinha maior poderio financeiro e viabilizava as operações de lavagem de dinheiro dos grupos, de acordo com a investigação.
Segundo o MPF, o grupo de Pastor Everaldo, comandava “como se proprietário fosse” alguns setores do governo. A avaliação é de que Everaldo tinha muito poder sobre contratações e dos orçamentos da Cedae, do Detran e da secretaria da Saúde. A acuação é de que o grupo organizou nesta última uma espécie de “caixinha” para pagamentos de propina a agentes públicos.
Segundo a delação de Edmar Santos, José Carlos transita entre os grupos de poder comandados por Mário Peixoto e Pastor Everaldo. A posição de destaque dele se deve, principalmente, de seu “expressivo poder econômico”, ou seja, ele tinha facilidade em fornecer dinheiro vivo para as transações do grupo.
As empresas de José Carlos não tinham contratos diretos com o governo do Rio de Janeiro, mas ele atuava como intermediário de outras empresas que conseguiam contratos com a administração pública e recebia valores por essa “ponte”.
Após diversas reuniões, José Carlos propôs, em janeiro de 2020, o pagamento mensal de R$ 300 mil em troca de negociar empresas para serem contratadas na área da saúde. O ex-secretário disse que recebeu duas mensalidades, totalizando R$ 600 mil, em dinheiro vivo, que ficou em poder do grupo de Pastor Everaldo.
Ex-juiz se diz vítima de perseguição política
Em pronunciamento na manhã dessa sexta, Wilson Witzel disse estar indignado com a decisão de afastamento. Ele falou em perseguição e atacou o ex-secretário Edmar Santos e a PGR.
— Mais uma vez quero manifestar a minha indignação e uma busca e apreensão e, mais uma vez, é uma busca e decepção. Não encontrou um real, uma joia, simplesmente mais um circo sendo realizado. (...) Eu e outros governadores estamos sendo vítimas do uso político e digo, possível. Isso precisa ser investigado: o uso possível uso político da instituição. O Superior Tribunal de Justiça possui vários subprocuradores. Por que não se faz, como em qualquer outro Ministério Público, a distribuição e não o direcionamento para um determinado procurador: no caso a dra. Lindora. E a imprensa já noticiou o seu relacionamento próximo com a família Bolsonaro — acrescentou.
O governador afastado continuou: “Bolsonaro já declarou que quer o Rio de Janeiro. Já me acusou de perseguir a família dele, mas diferentemente do que ele imagina, aqui a Polícia Civil, o Ministério Público é independente e eu me preocupo muito com essa questão política que vivenciamos hoje”, disse. [...] “O presidente da República fez acusações contra mim extremamente graves e levianas. Acredita que vou ser candidato a presidente? O Brasil precisa de gente séria, de gente comprometida com um futuro melhor”.

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