Surfistas cobram fiscalizações para evitar acidentes marítimos
Virna Alencar 26/06/2020 17:11 - Atualizado em 31/07/2020 19:17
Guto Leite morreu após não conseguir se soltar de uma rede de pesca
Guto Leite morreu após não conseguir se soltar de uma rede de pesca
A morte do publicitário Guto Leite, de 50 anos, na manhã do último dia 18, enquanto surfava no mar de Barra do Furado, em Quissamã, ascendeu o alerta para atuação de órgãos públicos ambientais e judiciais, que estabelecem limites para navegação. Segundo amigos que estavam com Guto, no momento do acidente, ele teria se enrolado em uma rede de pesca e/ou cordas que são amarradas nestas redes e não conseguiu se soltar. Amantes do surf e de outras práticas esportivas, como bodyboard e natação, apelaram por mais conscientização por parte dos pescadores da região para que outros acidentes não aconteçam. Na última quarta-feira (24), a Associação dos Surfistas da Região Norte Fluminense (Asrenf) protocolou representação junto ao Ministério Público Estadual e Federal para que cobrem uma atuação eficaz e permanente dos órgãos ambientais. Em nota, a Marinha do Brasil informou que tomou conhecimento pela imprensa sobre o caso e esclareceu que realiza fiscalizações a fim de garantir a segurança da navegação, salvaguardar a vida humana no mar e prevenir a poluição hídrica por parte das embarcações.
Segundo o presidente Asrenf, Daniel Leça, a representação no Ministério Público solicita a instauração de inquérito civil público para que as autoridades competentes exercitem seu poder de polícia e determinem a fiscalização permanente das águas dos mares, rios e lagoas da região, com intuito de retirar delas os objetos ilegais e perigosos que são lançados diariamente sem qualquer fiscalização e lá permanecem, oferecendo risco a fauna e a população.
“A prática é extremamente comum nas praias da região e expõem a perigo a vida de banhistas, nadadores, praticantes de esportes náuticos em geral e até mesmo dos próprios navegadores. Sem falar que os objetos estão sendo colocados em faixa bem próxima às margens, onde geralmente há muitas pessoas e sem nenhuma sinalização”, disse em documento.
O surfista Jayme Juncá, de 35 anos, e amigo de Guto, relatou a sua frustração ao tirar o publicitário da água no dia do acidente. “Tentei reanimá-lo de todas as formas. Fiquei muito chateado porque quando a gente colocou ele no barco para atravessar ainda tinha pulso. Achei que a gente fosse conseguir salvar ele”, lamentou.
Jayme pratica o esporte no mar de Barra do Furado, cujo pico, segundo ele, é considerado o melhor da região e, por isso, costuma atrair os amantes do surf. Por outro lado, alertou que o local requer atenção com as redes de pescas, além da correnteza e pedras, que podem causar acidentes fatais. “Por ser uma boca de rio, existe uma correnteza muito forte e no acidente do Guto as compotas estavam abertas. Tem muita pedra ali e se você cair de maneira errada da prancha também pode ser fatal”, disse.
Durante o velório de Guto, no cemitério Campo da Paz, o advogado Rogério Rangel, surfista e outro amigo de Guto, que também estava no momento do acidente, já havia alertado sobre o descarte inconsciente das redes de pesca. Ele contou que o amigo foi surpreendido pela rede que estava submersa por conta da maré que estava alta.
A presidente da colônia de pescadores Z-27, de Quissamã, Rose Ferreira, disse que orientações são dadas aos 80 pescadores ligados à colônia. “A gente sabe que a área é perigosa para a prática esportiva e pesqueira, por isso estamos sempre orientando os nossos pescadores quanto aos riscos. Eles também sabem que aquela área é protegida, pois é onde ocorre a entrada e saída para os peixes desovarem. Então, qualquer rede que é colocada ali impede a reprodução de peixes. Escutei falar que o Ibama esteve na praia, no ano passado. Acredito que os órgãos fiscalizadores deveriam ter uma parceria com a colônia para haver uma atuação mais eficaz “, afirmou.
O professor de natação Luciano Reis alertou que o perigo é iminente não só em mares, mas também em rios e lagoas. “Há pouco tempo, outro amigo quase morreu por conta de uma embarcação de pesca no rio Paraíba, em Campos. As pessoas usam o rio para navegar, sem sinalização nenhuma, e colocam suas redes no Paraíba. Costumo também treinar atletas em Lagoa de Cima e percebo que as pessoas colocam bambu no meio da lagoa para cativar peixes. Uma hora acontecerá outra desgraça. Para que isso não venha ocorrer, os órgãos ambientais precisam estar mais atuantes”, disse contando que Guto foi seu aluno.
Para o atleta e vice-presidente da Associação de Bodyboard do Norte Fluminense, Hugo Pessanha, a morte de Guto, seu amigo, não foi um acidente, mas falta de responsabilidade por parte de quem colocou a rede no mar. “Guto foi arrastado por uma amarração de rede, o corote, e não conseguiu retornar à superfície. Sabemos que o pescador precisa tirar seu sustento, mas a atividade deve ser feita onde a lei permite. Uma vez ocorrida de maneira irregular expõe a perigo a vida de esportistas, banhistas e ao meio ambiente”, finalizou.
Marinha orienta limites e MPF foi acionado
A Marinha do Brasil, por intermédio do Comando do 1º Distrito Naval, informou, por meio de nota, que a Capitania dos Portos de Macaé (CPM) tomou conhecimento da morte de Guto. O órgão ressaltou que as embarcações em atividades nas proximidades de praias do litoral, e dos lagos, lagoas e rios, deverão respeitar os limites impostos para a navegação, de modo a resguardar a integridade física dos banhistas, estando sujeitas à fiscalização e autuação.
São estabelecidos os seguintes limites para navegação, considerando, como referência, a linha de arrebentação das ondas ou, no caso de lagos e lagoas, onde se inicia o espelho d’água: embarcações utilizando propulsão a remo ou à vela poderão trafegar a partir de 100 metros da linha base; e embarcações de propulsão a motor poderão trafegar a partir de 200 metros da linha base.
A Marinha informou, ainda, que disponibiliza o número 185 para emergências marítimas e incentiva todo cidadão a fazer contato através do telefone (22) 2772-1889 ou via e-mail [email protected], caso observe qualquer situação que represente risco para a segurança da navegação, para a vida humana no mar ou para o meio ambiente marinho.
Já o Instituto Estadual do Ambiente (Inea) informou que a praia de Barra do Furado não pertence a nenhuma unidade de conservação administrada pelo órgão ambiental estadual.
A Folha da Manhã tentou contato com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), mas não obteve respostas.
Em nota, a coordenadoria de comunicação social do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro informou que “a gestão das áreas marítimas é da União, portanto da alçada do MPF”.
Já a assessoria de comunicação do MPF informou que “o protocolo da representação foi realizado em 24/6 e aguarda distribuição a um dos ofícios do MPF em Campos”.
Mergulhador diz que perigo é realidade nacional
O mergulhador profissional Juliano Alcântara, de 42 anos, alertou que é comum nos meses de junho e julho redes de pescas serem colocadas na arrebentação, próximos à beira mar, prática proibida pela legislação brasileira, mas muito comum não só em Quissamã, como nas praias de Farol de São Thomé, Grussaí, Atafona, Barra de Itabapoana, Macaé e Cabo Frio. Segundo ele, no cenário nacional, a realidade não é diferente.
— Essa é a época que espécies de peixe como tainha e robalo encostam no nosso litoral e pescadores artesanais começam a colocar essas redes na arrebentação. Geralmente, colocam à tarde e no outro dia miram a rede para pegar o pescado. A recomendação é ter prudência e não surfar ou nadar em locais onde há redes de pesca, que muitas vezes não são sinalizadas com boias e isso dificulta a visualização. Ao avistá-las, a recomendação é ligar imediatamente para os órgãos ambientais competentes. Uma vez enrolado nessas redes é difícil sair, mesmo sendo um surfista experiente porque ele não anda com faca e equipamentos de mergulho como nós, mergulhadores — disse Alcântara.
Juliano trabalha em plataformas e já atuou em vários estados brasileiros, entre eles Rio de Janeiro, São Paulo, Pará, Maranhão, Amazonas e Paraná, e o descarte de redes de pesca também é uma realidade nestes locais. “Depois que abri uma empresa faço um trabalho voluntário há cerca de dez anos ajudando as embarcações de pesca. Às vezes, acontece das redes ficarem presas em âncora de navio, tubulação, aí mergulho e retiro para eles. Acontece de embolar, mas com equipamentos consigo retirar a rede com o mínimo de prejuízo possível para os pescadores voltarem a trabalhar”, acrescentou.
O Rio Grande do Sul já registrou 49 mortes de surfistas que se enrolaram nestas redes. Em 2010, Tiago Rufalo, de 18 anos, morreu afogado, em Capão da Canoa, no litoral gaúcho, quando surfava com três amigos. Segundo relatos, a correnteza estava muito forte no dia e em pouco mais de cinco minutos os jovens já estavam a 1500 m ao norte, quando se depararam com um cabo de pesca. Todos conseguiram escapar, menos Tiago que ficou preso as cordas. Desde então, as praias do estado contam com sinalização e áreas específicas para o surfe e a pesca.

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