Acidentes com pipas aumentam durante a quarentena
Channa Vieira 12/06/2020 21:27 - Atualizado em 31/07/2020 20:32
As pipas surgiram há cerca de 3 mil anos na China. No Brasil, elas foram trazidas pelos colonizadores, por volta de 1596. O objeto, inicialmente utilizado como dispositivo de sinalização militar, atualmente, faz parte da rotina de brincadeiras de milhões de crianças brasileiras. Empinar pipa também se tornou um esporte regulamentado em diversas cidades. Contudo, a prática, sem a devida segurança, pode se tornar altamente perigosa e até mesmo fatal. Acidentes envolvendo a modalidade são bastante registrados no país. Nesse período de quarentena, devido à pandemia da Covid-19, o estado do Rio apresentou aumento significativo no número de incidências causadas por pipas na rede elétrica. De acordo com dados da Enel Distribuição Rio, responsável pelo fornecimento de energia em 66 municípios fluminenses, a região Norte teve um aumento superior a 230% em relação ao mesmo período do ano passado.
O levantamento mostra, ainda, que mais de 110 mil moradores do Norte do estado tiveram problemas nas redes elétricas causados por acidentes com pipas, o que representa 512% a mais do que em 2019.
Para que a diversão não se transforme em tragédia, o Corpo de Bombeiros e a concessionária de energia orientam que a prática aconteça em locais abertos, distante do trânsito e das redes elétricas. Além disso, com base na lei estadual 8.478, a venda ou uso do cerol e da linha chilena, feita a partir de quartzo moído e óxido de alumínio, são proibidos e geram multa em todo o Rio de Janeiro. O uso desses materiais traz riscos para todos, inclusive para o praticante.
No dia 6 de maio, o motociclista Allan Francis de Souza Cruz, de 30 anos, morreu em um grave acidente na RJ 216 (Campos-Farol), na altura do Parque Imperial. O jovem, morador de Guarus e que trabalhava com montagem de móveis, colidiu com outra motocicleta. No entanto, na ocasião, moradores disseram que a vítima foi atingida por uma linha de pipa antes da colisão entre os veículos.
De acordo com o laudo do Instituto Médico Legal (IML) de Campos, a causa da morte de Allan foi ação contundente cortante na altura do pescoço. Embora a perícia não tenha encontrado nenhum objeto que confirmasse a versão de quem presenciou o acidente, no bairro é muito comum a prática de empinar pipas. A morte do motociclista gerou grande repercussão nas redes sociais e muitas mensagens condenavam o uso de materiais cortantes em linhas de pipas.
Rodrigo Silveira
Tendo a motocicleta também como uma ferramenta de trabalho, Matheus Costa, de 28 anos, relatou a tensão vivida em um acidente envolvendo a linha com cerol e também a rede elétrica. Segundo o jovem, que trabalha como motoboy, uma criança soltava pipa em frente de sua casa e a linha agarrou em um fio do poste, abaixando no momento em que ele passava pela via de motocicleta.
— A sorte que eu consegui ver a linha antes e curvei o queixo para proteger o pescoço. Mas, mesmo assim, a linha cortou parte da minha boca e chegou a arranhar na altura da garganta. Levei vários pontos e a quantidade de sangue é assustadora, fora o medo de estar agarrada na rede elétrica. Assim como colocou a minha vida em risco, a criança também poderia sofrer um acidente durante uma brincadeira. É um verdadeiro perigo”, ressaltou Matheus.
Em Campos, o governo municipal garantiu que realiza fiscalizações em estabelecimentos para evitar a venda de cerol e também da linha chilena. De acordo com a Prefeitura, outra forma de coibir o comércio deste tipo de produto é através de denúncia, visando identificar o fornecedor que estiver infringindo a lei estadual. Sobre o aumento de acidentes durante a quarentena envolvendo a atividade com pipas, o município informou que levantamentos estão sendo feitos pela secretaria de Segurança Pública e Procon e que ações conjuntas estão previstas para serem realizadas em breve na cidade.
Divulgação
“Falta de respeito e não obediência”
O Moto Grupo Defensores, formado por policiais militares e integrantes da sociedade civil, é uma instituição reconhecida não só pela paixão pelo motociclismo, mas também por realizar importantes ações sociais em Campos. Vice-presidente do Defensores, o militar André Rodrigues, de 46 anos, acredita que utilizar produtos cortantes na linha de pipa se tornou um problema social. Para ele, a orientação sobre os riscos deve começar em casa.
— Não só em Campos, mas em todo o Brasil, a utilização da linha chilena ou da linha com cerol se tornou um problema social, um reflexo de todos os problemas que já passamos e esse é mais um. A falta de respeito e a não obediência às ordens e às leis estabelecidas, a falta de conversa dos pais com os filhos, orientando o que é certo ou errado. Mas, acima de tudo, a falta de preocupação com o próximo — enfatizou o militar.
André acredita que incentivar a competição e a necessidade de “derrubar” o adversário potencializa o problema. Ele destaca que o momento deve ser de lazer e não de uma disputa que pode gerar consequências graves.
O Moto Grupo Defensores realiza, desde o ano passado, a campanha “Cerol corta vidas”. Nas redes sociais e também em suas ações, os membros procuram orientar e conscientizar a sociedade para a responsabilidade na hora de empinar pipas.

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