LockDown Itaperuna: Defensoria Pública Endossa Pedido do MP
BNB EM 1ª MÃO
Mais um episódio na Guerra do Covid-19 
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JUÍZO DE DIREITO DA 2a VARA CÍVEL DA COMARCA DE ITAPERUNA - RIO DE JANEIRO
Proc.: 0003447-15.2020.8.19.0026

A DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (DPE/RJ), por intermédio do Primeiro Núcleo Regional de Tutela Coletiva da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, representado pelos Defensores Públicos subscritores, vem, nos autos do processo em epigrafe, expor e requerer o que segue

Trata-se de ação civil pública proposta pela Instituição-Autora em que se pleiteia assegurar o direito humano e fundamental à saúde e à vida dos cidadãos mais vulneráveis do Município de ITAPERUNA por intermédio de decisão judicial que impeça a retomada das atividades econômico/produtivas, no sentido de sustar os efeitos dos Decretos Municipais 6221/2020 e 6222/2020, ante ao grave risco de Infecção Humana pelo novo coronavírus COVID-19, em cumprimento à política pública posta pela União e pelo Estado do Rio de Janeiro para o combate coordenado e efetivo à pandemia mundial que ora se apresenta.

O Município Réu, ante o clamor do setor empresarial pela autorização para o livre funcionamento das atividades econômicas, editou os decretos 6221 e 6222, nos dias 26 e 31 de março de 2020, flexibilizando as medidas restritivas previstas nos decretos 6217, 6219 e 6220 e autorizando, direta ou indiretamente, o funcionamento de diversas atividades econômicas tais como o atendimento ao público por profissionais autônomos como advogados, contadores, corretores imobiliários e “demais classes” (inciso VIII do Decreto 6222), bem como autoriza o funcionamento de salões de beleza e barbearias (inciso XXIII do Decreto 6222), lojas de material de construção (inciso IX do Decreto 6222), até mesmo de petshops e clínicas veterinárias (inciso X do Decreto 6222).

A instituição Autora impetrou o Mandado de Segurança no 0024921-23.2020.8.19.0000, em 24 de abril, requerendo que este juízo apreciasse o pedido de tutela de urgência, vez que aguardava há mais de 20 dias pela apreciação de seu pedido, especialmente porque se trata de medida essencial para salvaguarda da saúde da população itaperunense e demais municípios que dependem dos serviços regionalizados do SUS, tendo o município de Itaperuna como rede de referencia na região noroeste fluminense.

Posteriormente, o Município Réu editou o Decreto Municipal no 6234, de 28 de abril de 2020, que em seu artigo 3o, inciso XII, autoriza a ampla reabertura de diversas atividades comerciais.
Em 05 de maio, a Autora apresentou o Agravo de Instrumento no 0026937-47.2020.8.19.0000, impugnando a decisão de fls. 56, vez que, decorrido mais de um mês da apresentação do pedido de urgência, o Juízo de piso postergou a análise da tutela de urgência, aduzindo que seria melhor oportunizar o contraditório.

Apenas em 19 de maio, a Excelentíssima Julgadora apreciou o pedido de tutela de urgência, indeferindo-o, sob o argumento de que o sistema de saúde local mostrava-se apto a atender a demanda do Município de Itaperuna, tomando por base apenas os dados sobre a demanda e a capacidade do serviço local, desconsiderando as caraterísticas de regionalização de integração do SUS, apesar de reconhecer que o número de casos de contaminação por Covid-19, cresceu em mais que o dobro, após a edição das medidas que permitiram o retorno de atividades não essenciais, fls. 113/128

Posteriormente, em 08 de junho, o Ministério Público apresentou petição de fls. 211/219, solicitando o deferimento de nova tutela de urgência, fundando-se nas recentes informações sobre as falhas no funcionamento do sistema de saúde local contidas no relatório de inspeção do Conselho Regional de Medicina, além do exponencial crescimento dos casos de covid-19, após a edição dos Decretos Municipais no 6221/2020 e 6234/2020, como sustentam os documentos de fls. 220 e seguintes.

Considerando que este Juízo permaneceu silente, até a presente data, quanto ao urgente pedido do Ministério Público de fls. 211/219, a Instituição Autora ofereceu novo agravo de instrumento, em razão da decisão denegatória de fls.113/128.

Todavia, em 15 de junho de 2020, o Município Réu editou o Decreto 6254/2020, flexibilizando ainda mais o exercício de atividades não essenciais, inclusive autorizando funcionamento de locais comumente reconhecidos por seu potencial de aglomeração de pessoas, denotando altíssimo risco de propagação da doença como, por exemplo, bares e academias.


Por fim, na data de hoje, foi exarado o despacho de fls. 399 para que o Ministério Público se manifestasse sobre a edição do Decreto Municipal 6254/2020, se permanecia seu interesse na medida vindicada e, caso positivo, estabeleceu prazo de 24h para que Autora e Réu se manifestassem.

Prontamente o Ministério Público apresentou a promoção de fls. 425/427, arguindo sobre a imperatividade na adoção de medidas severas de isolamento social. Embasado em estudos científicos da mais alta relevância, o Parquet aponta que segundo o índice de contaminação, o número de infectados e a taxa de mortalidade, a região noroeste fluminense deveria adotar o lockdown como a medida de urgência para preservação da vida e a saúde de sua população.

Ademais, destaca o Membro do Ministério Público que a demora na apreciação judicial do pedido de urgência ora formulado, reflete em verdadeira violação dos princípios de razoável duração do processo e do duplo grau de jurisdição, destacando que a preservação não ponderada do direito ao contraditório representaria proteção ao letárgico comportamento do réu que se esquiva das solicitações que lhe são apresentadas, que sequer dignou-se a apresentar sua peça defensiva e ignora todas as forma de controle de legalidade.
A razão dos fundamentos apresentados pelo Parquet é clarividente, no que a breve síntese da presente lide, apresentada acima lhe serve de testemunho.

A Instituição Autora, a todo instante teve de se socorrer de recursos processuais objetivando, simplesmente, que seu pedido de tutela de urgência fosse apreciado.
Todavia, antes que a Excelentíssima Magistrada decidisse a realidade fática apresentava-se inovada, novo decreto era expedido, novos casos de covid-19 eram identificados e a pandemia proliferou.

Foram necessários aproximadamente 45 dias para que Magistrada apreciasse o pedido de tutela de urgência da Instituição-Autora, apresentado em 03 de abril do corrente ano.

De certo, a pandemia de cornavírus tem impacto profundo em toda organização social, especialmente para os gestores públicos e para administração dos serviços de saúde. De igual modo, as mudanças nas estratégias de enfretamento a atual crise sanitária devem ser planejadas e ponderadas com cautela para que se adaptem as situações de evolução e regressão no quadro de controle da pandemia.

A Autora, sempre amparada em pareceres técnicos, apontou a imperatividade da adoção de medidas de isolamento social, solicitando que o município de Itaperuna executasse política de controle sanitário em sincronia com as diretrizes do Ministério da Saúde, da Secretaria Estadual de Saúde e das recomendações de órgãos consultivos como a OMS.

Todavia, o Município Réu permaneceu adotando medidas de flexibilização à revelia de pesquisas e indicação dos especialistas, à revelia das próprias condições do sistema de saúde local, e até mesmo a revelia do sistema legal, quando este deixa de apreciar a realidade que lhe é posta no momento adequado. Diga-se mais: na contramão daquilo que decidiu o Supremo Tribunal Federal, de maneira vinculante, no sentido de dar primazia a técnica em detrimento de achismos.

Basta analisar a trajetória de evolução da doença em Itaperuna e a atuação do poder público municipal. Na semana de expedição dos decretos municipais, nos dias 26 e 31 de março de 2020, o Município de Itaperuna tinha apenas 09 (nove) casos de COVID-19 confirmados; em 28 de abril, quando foi editado o decreto 6234,o número de casos suspeitos já chegava a monta de 301, sendo 12 confirmados; por fim na data do último decreto, o número de casos positivos era de 242, com um histórico acumulado de 420 casos, 11 mortes e 790 casos em monitoramento.

Neste cenário não é crível que se defenda o retorno das atividades econômico/produtivas, pois o risco de contágio é deveras elevado, destacando que o grande número de casos em monitoramento demonstra mais uma falha no sistema de saúde, dessa vez relacionado às testagens disponíveis no Município.

Mas não é só.
A ruptura do isolamento social em momento de ascensão da curva de contaminação apenas ajuda a manter o vírus em circulação, fazendo que mais pessoas sejam contaminadas e posterga ainda mais a possibilidade de se planejar medidas de retorno programado e seguro das demais atividades econômico/produtivas, como já vem acontecendo em outros países como China e Nova Zelândia.

Como principais medidas de contenção da transmissão, os Estados e Municípios têm suspendido
as aulas da rede pública e particular de ensino, inclusive de universidades; proibido qualquer evento em
que haja aglomeração de pessoas; reduzido a frota de ônibus circulante; recomendado o fechamento de
ambientes como academia de ginástica, bares e restaurantes; e a suspensão do atendimento presencial ao público em estabelecimentos comerciais. Os últimos decretos do Município de Itaperuna vão na contramão de tudo o que a sociedade médica vem defendendo como medida efetiva de combate à pandemia.

Ademais, o Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro realizou vistoria que contradiz toda a argumentação do Município. O ente público afirma ter totais condições e um sistema de saúde capaz de enfrentar a maior Pandemia do século com as estruturas atuais, o que não se provou verídico, como já ressaltou o membro do Ministério Público e colacionado aos autos após a petição de fls 211/219.

Em outras palavras, é evidente que o Município não apresenta de forma nítida a realidade do sistema de saúde local, não apresenta qualquer estudo técnico que indique a abertura integral do comércio como recomendada, o que tem gerado verdadeira desassistência aos munícipes e à população do Noroeste, que estão submetidos a decisões políticas SEM QUALQUER EMBASAMENTO TÉCNICO/CIENTÍFICO.

É imperioso registrar que os métodos de contenção a COVID-19 aplicados pelas medidas previstas nos decretos municipais no 6221, 6234 e 6254, apesar do que alega o Município Réu, não constituem métodos cientificamente seguros para enfretamento da pandemia, não à toa o número de casos no Município cresce diariamente.

Nas palavras do médico sanitarista Sergio Zanetta1, em entrevista à CNN Brasil e ALIADO AO JÁ DECIDIDO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, as estratégias de quarentena devem ser adequadas à progressão da epidemia, portanto, o que deve decidir sobre as estratégias de isolamento deve ser a situação técnica, baseadas em informações científicas e não políticas.

“As pessoas voltando às atividades vão incrementar a circulação do vírus. Isso vai provocar adoecimento. A mortalidade é menor em indivíduos jovens, mas existe. O problema é que [com o isolamento
vertical] o vírus vai começar a circular e vamos ter infecções mais graves. E é esse o problema do sistema de saúde. É assim que o sistema pode entrar em colapso”
https://www.cnnbrasil.com.br/saude/2020/03/26/isolamento-vertical-funciona-a-realidade-ja- respondeu-essa-questao-diz-medico

E é justamente com base nos estudos técnicos e em todas as orientações pelos especialistas que a Autora e o Ministério Público peticionam no presente processo, demonstrando que a indicação é para o sistema de Lockdown.

Repare, a situação do Noroeste Fluminense não pode ser confundida com a situação do Estado como um todo e nem da Capital, isso porque os casos demoraram cerca de três semanas, em relação à capital, para chegar no Noroeste. E em um Estado com a extensão do Estado do Rio de Janeiro, imperiosa a análise individualizada de cada região para que as medidas sejam tomadas de acordo com a realidade local.

Neste diapasão, estudo realizado pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro publicou estudo com os dados colhidos em todo o Estado até o dia 14/06 e INDICOU O LOCKDOWN PARA A REGIÃO NOROESTE, estudo em anexo.

Ou seja, MAIS UMA VEZ A PARTE AUTORA REITERA O PEDIDO AO JUÍZO PARA QUE DECIDA DE ACORDO COM OS ESTUDOS E INDICAÇÕES TÉCNICAS, em apreço ao que já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal.
WWW.DEFENSORIA.RJ.DEF.BR

Repare, Excelência, são estudos realizados para a realidade local que sequer levam em consideração as informações já protocolizadas no presente juízo que indicam toda a deficiência da rede hospitalar apresentada pelo Município, o que agrava ainda mais a situação do Município e da Região.

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), divulgou estudo elaborado pelo engenheiro químico e professor do Instituto de Química, Dr. Eduardo Lima2, realizado através de levantamentos de dados, desde março, sobre o avanço da doença e, com base nas informações divulgadas pelo Ministério
da Saúde, demonstrou que o isolamento social é de fato uma forma eficiente de conter a propagação do vírus, e, por fim, arremata:
“Os números comprovam com clareza a importância do isolamento social e espero que ajudem as pessoas a entender que ficar em casa realmente salva vidas”.

Apontando no mesmo sentido, o diretor-geral daOrganização Mundial da Saúde3, (OMS) Tedros Adhanom Ghebreyesus, reforçou a tese de que o isolamento social é uma ferramenta de combate ao coronavírus, mas ressaltou que é preciso "fazer mais" para vencer a doença:
"A melhor e única maneira de proteger a vida, os meios de subsistência e as economias é parar o vírus. Sem desculpas, sem arrependimentos. Obrigado pelos sacrifícios que seus governos e pessoas já fizeram", afirmou Tedros aos líderes mundiais. "Essas medidas tiram um pouco do calor da epidemia, mas não a extinguirá. É preciso fazer mais".

Já quanto ao impacto econômico que a suspensão de atividades não essenciais como alguns setores do comércio e das empresas poderia provocar, um estudo publicado março de 2020 traz
esclarecimentos que aclaram qualquer suposto conflito entre o direito à saúde e os diretos econômicos
Produzido por pesquisadores do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) 4 , nos Estados Unidos, o estudo, comparando os impactos causados pela gripe espanhola em diversos municípios americanos, simula quais seriam os possíveis impactos econômicos experimentados ao se adotar formas de isolamento social horizontal (supressão máxima possível do contato social).
2 https://www.uerj.br/noticia/11078/
3 saude.estadao.com.br/noticias/geral,oms-reforca-proposta-de-isolamento-social-contra-coronavirus- mas-diz-que-e-preciso-fazer-mais,70003249476
4 https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=3561560

Em sua conclusão, os especialistas do MIT apontam:
“Nós descobrimos que cidades que fizeram intervenções com rapidez e de forma agressiva[com medidas de isolamento total da população, por exemplo] não tiveram performances [econômicas] piores e voltaram até a crescer mais rápido depois que a pandemia acabou. Essas medidas não- farmacológicas não apenas diminuem a mortalidade, como também mitigam
as consequências financeiras adversas de uma pandemia”
O isolamento horizontal é, portanto, medida mais adequada como política pública de combate à pandemia.
Se nada do que foi dito for suficiente, a Instituição-Autora roga a Vossa Excelência o documento elaborado pelos técnicos da UERJ (documento anexo), que veementemente criticam o plano de reabertura levado a efeito pelo Estado do Rio de Janeiro.
Desta feita, ante a clareza dos fundamentos trazidos pelo parecer ministerial de fls. 425/427, ratificando-os, a Instituição Autora pugna pelo deferimento da medida de urgência pleiteada como o melhor instrumento para proteção das vidas da população de Itaperuna e do noroeste fluminense, tendo ampla convicção que Vossa Excelência, assim como todas as Instituições que compõem o sistema de justiça, entendem que todas as vidas importam e a postura do Município Réu contradiz com a proteção dos seus munícipes.

Nestes termos, pede deferimento. Campos dos Goytacazes, 18 de junho de 2020.
TIAGO ABUD DA FONSECA
Defensor Público Estadual Mat.860.698-0
1o Núcleo Regional de Tutela Coletiva

LUCAS FIGUEIREDO DE SANT’ANNA
Defensor Público Estadual Matrícula 3094999-4

DEFENSORIA PÚBICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – PRIMEIRO NÚCLEO REGIONAL DE TUTELA COLETIVA

AVENIDA ALBERTO TORRES, 317, 1o ANDAR PARQUE LEOPOLDINA CAMPOS DOS GOYTACAZES RJ BRASIL WWW.DEFENSORIA.RJ.DEF.BR

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