Menor repasse de PE da história sinaliza perda de R$ 250 milhões em 2020
Joseli Matias 16/05/2020 08:07 - Atualizado em 22/05/2020 18:56
O município de Campos, que já chegou a receber R$ 203 milhões (R$ 376,7 milhões, em valores atuais) em um único repasse de participação especial (PE), em novembro de 2008, teve R$ 1,1 milhão depositado nessa quarta-feira (13) pela produção de petróleo e gás do 1º trimestre deste ano, o menor repasse de PE desde que a compensação começou a ser paga aos entes produtores, em 2000. A queda de arrecadação, que começou a se desenhar em 2015 e se acentuou no ano seguinte, atingiu em cheio o governo municipal em 2020, quando os dois repasses somados não ultrapassaram R$ 7 milhões, valor considerado muito baixo até mesmo para os depósitos mensais. E a tendência é de repasses ainda menores ou até nulos para os próximos meses. Especialista estima uma perda próxima dos R$ 250 milhões em royalties e PE em 2020, em relação a 2019, que já foi cerca de R$ 210 milhões menor do que 2018. Isso em meio à pandemia da Covid-19, que vem desafiando governos de todo o mundo a equilibrar a situação financeira com o aumento dos investimentos na Saúde.
Em fevereiro, o município já havia registrado uma brusca queda no repasse trimestral. O depósito de R$ 5,9 milhões foi 65,4% menor que o do trimestre anterior e 86,6% inferior ao de fevereiro do ano passado. Para maio, a expectativa era de nova queda, mas que ficasse em torno de R$ 5,84 milhões, segundo o diretor de Petróleo e Gás da superintendência municipal de Ciência, Tecnologia e Inovação, Diogo Manhães. O valor depositado, entretanto, não chegou a 1/5 do previsto. E a perspectiva para agosto é de um valor ainda menor ou possivelmente nulo.
— Para o mês de maio, também teremos redução nos royalties. A estimativa é de que recebamos R$ 16,3 milhões, o que significa uma redução de 30,6% em relação a abril e 48,5% em relação a maio de 2019. Com o Brent cotado para junho na casa dos US$ 26/barril, a expectativa é de que recebamos um valor ainda menor de royalties em junho, já que a produção também deve ter sido menor em abril devido ao declínio natural dos campos. E para julho, o Brent está cotado na casa dos US$ 30. A perspectiva de médio prazo é que recebamos um valor ínfimo de PE, em relação ao que o município recebeu em gestões anteriores, e um valor de royalties não acima dos R$ 15 milhões a partir de junho até dezembro, caso não tenhamos uma mudança no cenário internacional da demanda e do preço do petróleo. A longo prazo, a depender das estimativas da ANP (Agência Nacional do Petróleo), teremos um pequeno aumento nas receitas de royalties e PE a partir de 2021 até 2024, caso o Brent retorne ao patamar dos US$ 45 e as empresas mantenham a produção planejada — destacou.
Diogo explica que o pagamento da PE incide sobre a receita bruta do campo, de forma que essa tende a reduzir conforme reduz-se a produção. Porém, os chamados gastos dedutíveis, que são os gastos que as empresas têm com os campos e que envolvem a produção, os investimentos na exploração e a provisão de gastos com abandono, tendem a se manter estáveis ou até aumentar, e acabam por superar a receita bruta dos campos, fazendo com que alguns campos não paguem a PE, ou paguem um valor muito menor do que o previsto.
— Os quatro campos que estão pagando participação especial para o município, que já chegou a receber PE de 10 campos, estão nesta situação. Aliado a tudo isso, temos o cenário atual da crise do preço do petróleo por conta da escassez de demanda internacional e também por falta de acordo entre os maiores produtores do mundo para reduzir a produção internacional e manter o preço em patamar favorável. Também por conta desses fatores, a Petrobras decidiu reduzir a sua produção diária e hibernar algumas plataformas, corroborando ainda mais para redução da produção nacional. O preço médio fechado do petróleo no mercado internacional (Brent) para o primeiro trimestre de 2020 ficou em US$ 50,18/barril e o dólar a 4,46, representando uma queda de 20,7% no preço do petróleo em relação ao quarto trimestre de 2019 — explicou o diretor de Petróleo.
— Desde o início do nosso governo alertamos para a nova realidade de Campos, o que foi se confirmando no decorrer do tempo. O dinheiro acabou. Campos, que era uma cidade rica, regada a bilhões de royalties e participação especial, não é mais. Não tem mais aquele dinheiro e não vai ter. O recebimento da pior PE da história do município é mais uma prova deste novo quadro. Temos feito todos os ajustes para reduzir o custeio da máquina pública, desde 2017. Nossos ajustes têm sido constantes. Ao mesmo tempo, junto com as medidas de contingenciamento, trabalhamos para aumentar a arrecadação própria, através da atração de empresas, diversificação da economia, fortalecimento da agricultura, ampliação do Fundecam e incentivo ao surgimento de novas empresas na área de ciência, tecnologia e inovação, para citar alguns exemplos. O aumento da arrecadação própria em nossa gestão já chega a R$ 60 milhões, embora ainda não seja o suficiente para suprir as perdas das receitas do petróleo. Este é o caminho. Não há mágica. Há muito trabalho e coragem para tomar decisões difíceis — afirmou o prefeito Rafael Diniz.
Mais um agravante — A situação de municípios e estados produtores está ruim e pode piorar. Ainda está pendente no Supremo Tribunal Federal (STF) o julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) que questionam a Lei 12.734/2012, que fixa novas regras de distribuição dos royalties do petróleo. O julgamento estava marcado para 29 de abril, mas foi excluído do calendário pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, e ainda não tem nova data.
Estratégias para aumentar a receita própria
O secretário de Governo de Campos, Alexandre Bastos, destacou algumas ações desenvolvidas pela Prefeitura desde 2017 para aumentar a receita própria do município e tornar a cidade menos dependente dos recursos do petróleo. As ações, segundo o secretário, já levaram a um aumento de R$ 60 milhões na arrecadação própria anual.
— Desde o primeiro dia de governo estávamos cientes da irresponsabilidade da gestão anterior e da necessidade de pensar em Campos para além dos royalties. E, desde 2017, ações vêm sendo desenvolvidas para tornar nossa cidade menos dependente dos royalties — destacou o secretário.
Municípios buscam alternativas às perdas
As quedas nos repasses de royalties e PE não desafiam apenas Campos. Outros municípios produtores da região também registram perdas e investem em alternativas para reduzir o impacto da redução dos recursos do petróleo.
O município de São João da Barra, que teve repasse nulo de PE em fevereiro e, em maio, recebeu R$ R$ 5.871,06, valor 99,9% menor que o depositado em maio de 2019, vem buscando recursos externos, mas, segundo a prefeita Carla Machado, “a palavra no momento é economizar”.
— A queda do repasse proveniente dos royalties do petróleo já é uma realidade em nosso município, com previsão de causar grande impacto no orçamento anual, já que representa 37% da receita. Quanto à participação especial, de forma específica, veio zerada em fevereiro e já existia por parte de nossa equipe técnica a previsão de uma nova frustração de receita em sua totalidade, assim como deverá acontecer em agosto e novembro. Essa diminuição nos repasses, hoje, é uma soma de vários fatores, como queda do preço do barril e a crise internacional, com a oferta maior que a procura. Ao contrário de 2016, quando houve apenas a queda do barril e o governo à época deixou de cumprir vários compromissos, incluindo os relacionados ao pagamento dos servidores e encargos trabalhistas, deixando uma dívida de R$ 200 milhões que tivemos que gerir. O trabalho segue baseado na austeridade administrativa, que vem mantendo o equilíbrio financeiro nos últimos três anos, e em tentar manter o fluxo de caixa suficiente para as despesas essenciais, como folha de pagamento, serviços de saúde, incluindo as ações relacionadas ao enfrentamento do coronavírus, benefícios sociais e segurança alimentar. Estamos buscando recursos externos, mas a palavra no momento é economizar. Desde fevereiro estamos reduzindo contratos, adotamos redução de 20% no salário da prefeita e do vice-prefeito e de 10% e 5% nos cargos comissionados, como forma de conter gastos. Por um período inicialmente de 60 dias, tivemos de suspender os benefícios Cartão Alimentação do Servidor e Auxílio Transporte para os servidores que não estão atuando de forma presencial, também como maneira de enxugar despesas. Em contrapartida, conseguimos colocar em funcionamento o Centro de Combate ao Coronavírus, o Hospital de Campanha Covid-19 para atender baixa, média e alta complexidade e implementar outras iniciativas importantes no combate ao coronavírus, entre elas a barreira sanitária (três no município) e o call center. Isso gera custeio, inclusive com equipamentos e contratação de profissionais, mas neste momento de dificuldades, em que temos a responsabilidade na manutenção das vidas, se faz necessário. Estamos fornecendo material pedagógico, cestas básicas, kits alimentação e de limpeza, além de máscaras de proteção facial às famílias de todos os alunos da rede municipal de ensino — destacou Carla.
Neste mês de maio, Quissamã recebeu R$ 2.160.386,07 de PE, valor 29,2% menor que do trimestre anterior. De acordo com a prefeita Fátima Pacheco, a previsão de perdas para este ano é de R$ 42 milhões, sendo R$ 24 milhões de ICMS, e R$ 18 milhões de royalties e PE.
— O impacto da queda no repasse dos royalties e participação especial para o município de Quissamã é muito grande, principalmente em um momento onde os investimentos na Saúde e Assistência Social aumentam. Estamos ajustando as nossas contas à realidade. Reduzimos em 25% o salário do prefeito, do vice-prefeito, do secretariado e dos cargos comissionados; suspendemos processos licitatórios para a contratação de serviços que não são essenciais; conseguimos a suspensão temporária do pagamento de precatórios com o Tribunal de Justiça; as empresas terceirizadas (coleta de lixo, portaria, limpeza de prédios públicos e guarda-vidas) estão aderindo à medida 936/2020, para evitar demissão de seus funcionários; e ingressamos com uma ação judicial para o resgate de recursos depositados, referentes à participação especial, que a ANP foi impedida de repassar ao município — destacou a prefeita.

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