Ethmar Filho: 'Apesar de você, não!'
Ethmar Filho 21/05/2020 20:21 - Atualizado em 03/06/2020 18:11
A admiração pelos ídolos, sejam musicais, teatrais, literários ou quaisquer outros ligados às artes — ou à política, o que muitas vezes se constitui num erro fatal — tende a arrastar os seres humanos para uma espécie de culto inebriante que os faz confundir criador e criação. Na política, esse tipo de distorção contemplativa até faz com que aquele que deveria mandar acabe tendo que obedecer, e aquele que deveria ouvir seus verdadeiros mandatários resolva entender que detém exclusivamente o poder. Aquele poder que, constitucionalmente, emana tão somente do povo.
Quando trouxemos o saudoso Luiz Melodia, “Estácio Holly Estácio”, a Campos, na década de 90, escolhemos o Luiz não só pelo que ele significava para a Música Popular Brasileira, como também pela admiração que tínhamos por ele. O grande poeta musical do Estácio, bairro boêmio do Rio de Janeiro, chegou à Vila Maria atrasado três horas, nem nos olhou, deixou nossas mãos flutuando e se dirigiu para o seu camarim, de onde só saiu para a sua apresentação, com mais duas horas de atraso. De roupa e nariz brancos, nos proporcionou um show que poderíamos chamar de medíocre se guardadas as devidas proporções do seu talento, tratando-se de quem era. Já o cantor e compositor paulista Guilherme Arantes, que antes era, para nós, uma peça fundamental na evolução artística dos festivais, e que foi trazido para o Festival de MPB de Farol, ao se sentar para almoçar conosco, no Hotel Palace, anunciou que, à revelia do seu contrato com a Prefeitura, havia decidido tocar antes do festival, o que para a nossa produção não fazia o mínimo sentido, na medida em que ele teria que fazer o seu show depois de o festival acontecer, enquanto os jurados decidiam as classificações; lógico! Deu com os ombros e entrou para a lista de todas as nossas decepções como um verdadeiro mau caráter; o contrato já estava assinado e, por exigência de cláusula, já havia sido pago.
Outros “burros n’água” se seguiram até que chegássemos ao topo da lista com o nosso tão amado e admirado Chico Buarque de Holanda. Esse se superou. O autor de toda a trilha sonora da nossa juventude se locupletou do dinheiro público para enriquecer, através da sua irmã, e teve que ouvir (que vergonha!) do Millôr Fernandes uma frase que se tornou célebre antes de o não menos célebre cartunista passar dessa para as manchetes: "Eu desconfio de todo idealista que lucra com seu ideal". Depois de lucrar com seus ideais, Chico Buarque, nossa maior decepção, ainda, em tom de pilhéria, afirmou, em vídeo do YouTube, que todas as suas composições eram compradas de um “tal de Ahmed”. Nós que conhecemos o Chico sabemos que isso é mentira e de muito mal gosto. Mas, “Quem te viu, quem te vê”, qual seria a finalidade disso? Não comprou, mas plagiou quase que inteiramente “Futuros Amantes” de “La route de roi”, do compositor e violinista francês Stéphane Grappelli; foi Saviesco “Brasileiro quem soprou essa toada”. Pegou emprestado seu maior sucesso, “A banda”, do folclore italiano, e foi flagrado atracado com uma mulher casada na praia do Leblon. Mas, isso a mídia perdoa, e o marido dela, fã do Chico, parece que também. “Trocando em miúdos”, ainda permeia nosso imaginário com sua obra magnífica. E ainda ilumina o repertório de uma Música Popular Brasileira entregue ao caos, “... nos dias de hoje...”, como diria o príncipe da verdadeira MPB, Ivan Lins, criador e criação musical de primeiríssima qualidade e dignidade. Não cabe dizer ao Chico “Apesar de você”, porque, além de fundamental para a história da nossa música e literatura, a sua posição política tem que ser respeitada, se for coerente, mas com certeza eu diria: Chico, “Amanhã há de ser outro dia”.

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