Ensino domiciliar tira mais uma vez a responsabilidade do Estado com a Educação
Fabiano Rangel 23/05/2022 12:28 - Atualizado em 23/05/2022 12:54
Agência Brasil
É impressionante como o nosso país não aprende com lições dadas pela pandemia, inclusive na Educação. Vimos na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovar o projeto de lei que regulamenta a prática do ensino domiciliar, conhecida como "homeschooling", que agora passará pelo Senado.
O texto aprovado pela Câmara altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) para admitir o ensino domiciliar na educação básica (pré-escola, ensino fundamental e médio).
Eu acho sinceramente que o Congresso Nacional está com pouco serviço, poucas demandas, porque é uma inversão de prioridades, absurda. A gente tem, na educação básica, quase 50 milhões de alunos no Brasil e quantas famílias vão se beneficiar de ensino domiciliar?
Criaram umas regras de formação para os pais e responsáveis que resolverem aderir esta modalidade (confira aqui). Será mesmo necessário este tipo de educação para atender uma parcela tão restrita? São poucas as pessoas que vão se aproveitar disso.
Muito melhor do que se pensar na educação domiciliar, seria importante que os nossos políticos lutassem por investimentos na educação integral pública.
Tivemos mais uma vez provas, nesta pandemia, dos riscos que muitas crianças correm hoje em estar dentro de casa, infelizmente com casos de violência, assédio e tantas outras coisas que a gente sabe que existem. Até mesmo estando nas ruas, sujeitas ao tráfico de drogas.
Estas crianças podiam estar dentro da escola aprendendo muito mais. Então essa lei está indo na contramão. Está tirando a responsabilidade do Estado e jogando para as famílias.
Sem contar que deixa de lado a valorização do docente. Será que todos nós podemos ocupar o lugar de um professor?
Nós tivemos experiências de dois anos de pandemia e os pais estavam desesperados, não sabiam o que fazer, como ensinar. Ensinar não é tarefa fácil, existe toda uma metodologia, todo um cuidado. Isso nós estamos falando do cognitivo... e como fica a questão do relacionamento?
A palavra do século é relacionamento. Se a gente não aprende a se relacionar, fica para trás. Essas crianças não vão ter mais convivência, não vão ter os momentos maravilhosos que o ambiente escolar propicia. Há dificuldades, claro, mas é por meio delas que a gente supera, vence e se prepara para poder enfrentar o mundo.
A desculpa de criar os seus filhos de acordo com as suas crenças e valores, não é suficiente, porque a gente não cria filho para a gente, cria para o mundo. E o mundo não vai ser de acordo com os meus valores. Ele é feito das diversidades.
O que eu venho falando há bastante tempo é que cabe aos responsáveis a tarefa de passar aos seus filhos os valores que acreditam. Este ensinamento cabe à família desde que a criança é pequena. Se ela fizer isso bem feito, a escola vai complementar e escolarizar. O que está acontecendo é que muitas famílias estão deixando de fazer seu papel e está jogando essa responsabilidade para a escola, que por sua vez não vai conseguir dar conta dessa educação total, até pela falta de tempo, autoridade e tantas outras coisas que ela tem.
Agora é esperar para ver como será a avaliação do Senado, mas ao que tudo indica, vai passar por lá também e seguir para sanção presidencial.
Atualmente, o ensino domiciliar não é permitido no país por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por isso a proposta dos deputados foi criar uma lei específica para isso.
No julgamento, em 2018, a maioria dos ministros entendeu que é necessária a frequência da criança na escola, de modo a garantir uma convivência com estudantes de origens, valores e crenças diferentes, por exemplo.
Os ministros, na ocasião, também argumentaram que, conforme a Constituição, o dever de educar implica cooperação entre Estado e família, sem exclusividade dos pais.
Volto a dizer que, para mim, o projeto do ensino domiciliar é desnecessário, não deveria nem estar no
Congresso Nacional, porque nós viemos de uma pandemia, na qual as nossas prioridades deveriam ser outras. Ao invés de apoiar a educação básica, eles estão novamente tirando a responsabilidade do Estado e jogando nas costas de quem não tem condições de fazer na sua integralidade.

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    Sobre o autor

    Fabiano Rangel

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    Educador e empreendedor em Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, sou graduado em Educação Física pela Universidade Salgado de Oliveira (Universo) e professor concursado da área no Governo do Estado do Rio de Janeiro desde 2007. Atuei como coordenador pedagógico e geral de várias escolas particulares em Campos até 2011. Fui também coordenador administrativo do Sesc Mineiro, em Grussaí, no município de São João da Barra, até 2013. Há oito anos me dedico ao Centro Educacional Riachuelo como Diretor Geral das cinco unidades, que formam hoje o Grupo Riachuelo. Sou pós-graduado em Gestão Escolar Integradora e Gestão de Pessoas pelo Instituto Brasileiro de Ensino (IBE). Atualmente também sou apresentador do programa Papo Cabeça na rádio Folha FM 98,3.