Opinião: A luz da razão vence as trevas da ignorância
- Atualizado em 29/01/2022 09:47
O que aconteceu com a gente? Vivemos em uma pandemia há quase dois anos e, ainda assim, alguns contestam o que está mais cristalino do que a água limpa. A razão fica de lado, dando espaço a paixões exacerbadas, na maior parte das vezes devido a convicções políticas, sem fundamento científico ou tendo como base palavras de agentes isolados, que desqualificam, sem evidências, estudos registrados em conceituadas instituições pelo mundo. São as trevas da ignorância. A mais recente é a contestação da vacinação infantil. E vem de todo lado, até mesmo daqueles que ao longo da vida perderam as contas de quantas vezes se vacinaram.
Muitos esperavam um mundo melhor, com pessoas mais tolerantes, que se preocupassem com os outros, que tivessem discernimento de opinar apenas no que têm conhecimento. Mas nada disso parecer ser o saldo desse doloroso período. Ao contrário, o que tem aparecido mais são os “sabichões” das redes sociais, com teorias para tudo, com explicações das vozes da cabeça e no que recebem pelo WhatsApp. Aliás, sobre isso, o escritor, filósofo e semiólogo Umberto Eco (1932-2016) já nos alertava desde 2015: “As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel”.
Com a convicção de um cientista, mas sem conhecimento nenhum para isso, muitos políticos usam de discursos para atacar a eficácia já comprovada das vacinas, inclusive na imunização infantil. Essas palavras foram comuns do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), desde o início da pandemia, que ceifou mais de 630 mil vidas brasileiras. Passaram a ser uma realidade local, após a prefeita de São João da Barra, Carla Machado (PP), usar as redes sociais para desaconselhar a vacinação infantil. Chamada de bolsonarista por muita gente nas redes sociais dos veículos de comunicação nacional, ela, na verdade, foi a única da região a fazer campanha para o petista Fernando Haddad em 2018, a despeito da ampla vitória de Bolsonaro no seu município desde o primeiro turno naquele ano.
Noves fora se ela mudou de posição política, não deveria ser a paixão cega (ideológica ou não) combustível para negar a razão. Assim como Bolsonaro diz, Carla não se vacinou. Do mesmo modo, defendem meios controversos de prevenção. Ele, desde o início da pandemia, a hidroxicloroquina — já comprovadamente ineficaz. Enquanto ela prepara um remédio fitoterápico para aumentar a imunidade das crianças. Os dois devem se encontrar na segunda-feira (31), devido à agenda presidencial na região, com evento no Porto do Açu, em SJB.
O respeitado médico infectologista Nélio Artiles, fonte essencial na cobertura jornalística da região nesta pandemia, escreveu um artigo publicado no Folha 1 na última quinta-feira (27), que serviria bem como um recado da região pertinente aos dois neste momento: “É preciso confiar na ciência, pois a autorização de vacinas ocorre a partir de estudos bem feitos e principalmente já observados em vida real, com mais de oito milhões de crianças vacinadas só nos EUA, sem reações graves relatadas”.
Conhecedor do assunto, e não mero palpiteiro das redes sociais, tampouco com nuances de curandeiro, Nélio ainda advertiu no seu texto: “As vacinas hoje autorizadas em nosso país pela Anvisa são seguras e eficazes. A vacina com RNA mensageiro não é uma invenção de agora. Existe há cerca de 30 anos e é, sem dúvida, um grande avanço tecnológico e o futuro de todas as vacinas. Ela não entra em nosso genoma e nem mexe em nossas células, mas estimula a produção de anticorpos e células de forma segura e eficaz. São degradadas no corpo e não causarão consequências futuras, diferente talvez do consumo de embutidos, salsichas, biscoitos, refrigerantes, corantes etc”.
É compreensível que pais se preocupem com seus filhos, já que recebem uma enxurrada de informações contraditórias sobre a imunização. Mas a luz está no conhecimento. “Efeitos adversos às vacinas já são muito bem conhecidos e a citada miocardite da vacina da Pfizer foi observada muito raramente em um percentual de 0,000001%. Assim mesmo, muito leve e benigna, ao contrário da miocardite da doença (Covid)”, explicou Artiles no seu artigo, ao citar as possíveis e raras reações.
Nélio Artiles não é a única fonte a defender a mais que comprovada eficácia da vacinação. É citado como exemplo por ter sido o último a escrever, com embasamento científico, artigo sobre o assunto no Folha 1. A esmagadora maioria da comunidade científica mundial também defende. Só que tem gente preferindo acreditar e um suposto complô envolvendo médicos e pesquisadores, a imprensa e empresas farmacêuticas, em um capitalismo perverso que, ao mesmo, tempo deseja faturar com a vacinação, matando todo mundo para não ter para quem mais vender no futuro!
A situação chega a tal ponto em São João da Barra que, em alguns casos, tem gente querendo se “desvacinar”, só para se igualar à líder política que segue. Como mostrou (aqui) a Folha neste sábado (29), a prefeita Geane Vincler (PSD) talvez tenha dado melhor recado aos seus governados, na pequena Cardoso Moreira: “Não me sinto no direito de questionar (a vacinação infantil), a partir do momento em que temos o aval de um órgão técnico, como a Anvisa, com profissionais que estudaram e dedicam suas vidas em pesquisas relacionadas ao tema”.
Felizmente, como mostram as fotos nas redes sociais da própria Prefeitura de SJB, além dos números país afora, a vacinação avança – inclusive na faixa etária dos 5 aos 11 anos. É mais uma prova de que onde há a luz da razão, do conhecimento, os pensamentos ignorantes das trevas não prevalecem. Nem quando estão no poder.
Publicado na edição deste sábado (29) da Folha da Manhã

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    Arnaldo Neto

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