Arthur Soffiati - O movimento modernista em Pernambuco e noutros estados
* Arthur Soffiati 24/01/2022 22:26 - Atualizado em 24/01/2022 22:26
Uma só andorinha não faz verão. Conhecemos bem o ditado. Talvez muitas também não o façam. Tomemos os exemplos de Manaus e do Rio de Janeiro. Não se pode afirmar (ainda) que tenha existido, na década de 1920, um movimento cultural em Manaus que rompesse com o passado. Haveria lá algum passado com o qual romper? Se houvesse, teria existido alguma andorinha tentado voar sozinha? Mário de Andrade teve contato com intelectuais desejosos de modernização em Belém, Manaus e Humaitá em sua viagem à Amazônia em 1927, como Gastão Vieira e Sérgio Olindense. Em Manaus, encontrou-se com Raimundo de Morais e Da Costa e Silva, ambos considerados por ele como infensos ao modernismo. Na década de 1920, haveria andorinha apenas no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Belo Horizonte, em Cataguases e em Recife. No Rio de Janeiro, muitas andorinhas voejavam em várias direções. Não havia uma direção que significasse rompimento. Andorinhas velhas adejavam suas asas em meio a andorinhas novas. Podia ver-se a Andorinha de Villa-Lobos voando ao lado da andorinha de Jackson de Figueiredo, ambas jovens mas em voos opostos. Em São Paulo, havia condições para que as andorinhas novas rompessem com o bando das andorinhas velhas e proclamassem rutura e renovação. Em Belo Horizonte e Cataguases, as novas andorinhas eram mais exíguas ainda.
Em Recife, a cidade mais europeia ou mais sudestina do Nordeste, apareceu uma andorinha anunciando o verão modernista. Seu nome é Vicente do Rego Monteiro, pintor que já havia participado de uma exposição coletiva em Paris em 1914, com apenas 15 anos de idade. Voltando a Pernambuco, sua terra natal, expôs seus quadros já modernistas em 1920. Não causou comoção como a exposição de Anita Malfatti em 1917, em São Paulo. O fundador do modernismo em Recife foi Joaquim Inojosa. Seu canto teria sumido, presume-se, caso ele não despertasse outros. Nascido em 1901, ainda estudante secundarista, ele manifestou interesses literários. Fundou a Sociedade Literária Álvares de Azevedo em 1915 e o jornal “A Paz” no Ginásio Aires Gama. Começou na imprensa em 1917, escrevendo no jornal “O Radical” e posicionando-se a favor da Revolução Russa. Em 1922, com 21 anos, viajou a São Paulo para participar do I Congresso Internacional de Estudantes. Lá, fez contato com os modernistas paulistas. Formou-se em Direito em 1923.
Em 1920, estreou na literatura com o livro de contos “Tentame”, marcado por preocupação social. O livro foi lançado na Paraíba, onde eram grandes seus contatos com intelectuais predispostos à inovação. Ainda em 1920, publicou o artigo intitulado “Que é futurismo” no jornal recifense “A Tarde”. A trajetória dessa andorinha mostra a sua inquietude e o seu desejo de rompimento com o passado. Note-se que o passado de Pernambuco é glorioso por todos os ângulos divisados. Lá nasceu Graça Aranha, que Inojosa considerou o líder do movimento modernista. Porém, outras andorinhas pousadas em seus galhos estão querendo alçar voo no Nordeste.
Inojosa publicou uma carta literária dirigida a Severino de Lucena e S. Guimarães Sobrinho, diretores da revista “Era Nova”, da Paraíba, em 1924. Essa carta tinha o cunho de manifesto e acabou publicada em Recife pela gráfica do “Jornal do Comércio” com o título de “A arte moderna”. Tratava-se de um manifesto modernista em que seu autor enfatiza a necessidade de atualização das artes em Pernambuco e em todo Nordeste, pois um movimento de renovação “acha-se vitorioso no Rio e em São Paulo”. Ele considerava Graça Aranha o chefe desse movimento. Não era bem assim que o viam os modernistas do Rio e de São Paulo, para os quais Graça era um passadista disfarçado, vaidoso e oportunista. Mas, de longe, todas as andorinhas se parecem.
Joaquim Inojosa prossegue: “Esse movimento modernista a que chamam de ‘futurismo’ (no Brasil não há ‘futurismo’. Morra o ‘futurismo’, gritou o Ronald) não nasceu no Brasil, nem existirá somente no Brasil. Surgiu na Itália com Marinetti e Papini, saindo o primeiro a pregar suas ideias em Paris e Londres. E hoje, em toda parte a recreação continua forte. Aos poucos, a Arte Moderna ganha terreno à arte antiga.” Ele está de acordo com os modernistas cariocas e paulistas, pelo menos com Ronald de Carvalho e Mário de Andrade, que repudiavam o futurismo no Brasil.
Em certa medida, os modernistas valorizam mais a cultura que a natureza. O cerne da questão modernista é problematizar a cultura europeia e portuguesa no Brasil, buscando suas peculiaridades. O Manifesto Antropófago é bem ilustrativo dessa ânsia: somos europeus, sim. Digerimos a cultura europeia como antropófagos. De certa maneira, era um exagero. Afinal, os modernistas não eram nativos ocidentalizados, como o peruano Guaman Poma de Ayala, que representou de forma bastante original a cultura europeia, sendo ele de origem índia. Os modernistas eram europeus vivendo fora da Europa, embebidos numa cultura europeia modificada pelos novos meios naturais.
Mas, nesse primeiro momento, a questão era impor a diferença da cultura europeia no Brasil em relação à cultura europeia na Europa. A natureza parecia um obstáculo a todos, na Europa ou no mundo europeizado. A Amazônia pode ter inspirado Mário de Andrade, que por diversas vezes proclamou seu amor e seu encantamento pela natureza do Norte, mas a cultura do Nordeste motivou grande parte dos seus trabalhos.
Inojosa proclama: “Andar com os velhos é envelhecer com eles. Prefiro, até, esmagá-los a sujeitar-me aos seus caprichos injustificáveis.” Ele não se refere aos idosos, mas aos passadistas. Graça Aranha já era idoso, mas ele o admira, enquanto repudia jovens passadistas. Repudia também uma cultura universal padronizada de matriz europeia: “Não há um belo definitivo, gritou André Cresson. Há um belo para certo lugar, certa raça, certa época. [...] o momento é de reação contra as velhas fórmulas, os preconceitos de escola, em prol de uma arte viva e livre.”
No manifesto, ele menciona os nomes de Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Tristão de Ataíde, Agripino Grieco, Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Menotti Del Picchia, Rubens de Moraes, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti, Guilherme de Almeida, Carlos Alberto de Araujo, Oswaldo Orico, Serge Milliet”. Este último, segundo ele, era o auto-falante entre São Paulo e Paris.
E já nomeia as andorinhas do Nordeste e do Norte que poderiam formar um bando com ele: “Em Belém do Pará, existe uma vigorosa a ativa intelectualidade. Bruno de Menezes, proprietário e diretor da revista literária ‘Belém Nova’”. E citava o livro “Bailado lunar” desse autor. No Rio Grande do Norte, Luís da Câmara Cascudo foi mencionado. Em Pernambuco, havia já vários nomes buscando modernizar a cultura, como Annibal Fernandes, Gilberto Freyre, Faria Neves Sobrinho, Araujo Filho, Heloisa Chagas, Raul Machado, Maviael do Prado, José de Sá, Lucillo Varejão, Anisio Calvão, Costa Rego Junior, Humberto Carneiro, Mario Sette, José Campello, Silvino Lopes, Debora Monteiro, Góes Filho, José Pugliesi, Dustan Miranda, Mario Porto e Raul Machado. Completava ele: “Há espíritos brilhantes nas letras paraibanas. Carlos D. Fernandes, José Américo de Almeida, Américo Falcão, José Rodrigues de Carvalho, Vieira d’Alencar, Álvaro de Carvalho, Celso Mariz, padre Pedro Anisio”.
Inojosa foi mais ativista que artista. Ele militou em defesa da arte moderna em artigos, manifestos e cartas. Seus escritos foram reunidos nos quatro volumes de “O movimento modernista em Pernambuco”. Artistas imbuídos do espírito de renovação vão aparecendo no Nordeste: José Américo de Almeida, Ascenso Ferreira, Antônio Bento de Araujo Lima, Jorge de Lima, Ademar Vidal, José Lins do Rego. Com todos, os modernistas do Sudeste mantiveram correspondência, sobretudo com Mário de Andrade, que sempre exerceu a sua costumeira índole de professor.
No pequeno livro “Movimentos modernistas no Brasil”, Raul Bopp rastreia autores e revistas inseridos na linha do modernismo. Na Bahia, aponta a revista “Arco e flecha” (1928), que reuniu Eugênio Gomes, Pinto de Aguiar, Carvalho Filho, Hélio Simões e Godofredo Filho, sob a animação do critico Carlos Chiachio. Um grupo independente formado por Jorge Amado, Edson Carneiro, Pinheiro Viegas, Clóvis Amorim, Sosigenes Costa seguiu outro rumo.
No Ceará, ele menciona a revista “Maracajá” (1929), dirigida por Paulo Sarazate. Anota que os poetas Jader de Carvalho, Sidnei Neto, Franklin do Nascimento e Pereira Júnior publicaram em conjunto “O canto novo da raça”. Em Belém, o grupo Flaminiaçu reuniu Abguar Bastos e Eneida. Em Manaus, a revista “Redenção” contava com Nunes Pereira e Peregrino Júnior. No Rio Grande do Sul, o ponto de convergência foi a revista “Madrugada” (1929), na qual colaboraram Moisés Velinho, Augusto Meyer, Teodomiro Tostes, Érico Veríssimo, Viana Moog, Reinaldo Moura, Vargas Neto, Mário Quintana, Athos Damaceno Ferreira, Mansueto Bernardi, Ciro Martins e Rui Cirne Lima.
Refere-se também ao surto de revistas literárias a partir de 1945. Mas já estamos na terceira fase do modernismo.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS