Crônica de domingo: Bolsonaristas Anônimos
27/06/2021 19:04 - Atualizado em 27/06/2021 19:07
Walter Silva Jr.
— Olá a todos, me chamo Roberval.
“Olá Roberval!” Todos cumprimentam.
— Não sei bem por onde começar... acho que nem deveria estar aqui.
— Roberval, fique à vontade, caso não consiga falar hoje. Você está em segurança aqui. Fale se tiver pronto, ok? — Disse Marta, uma senhora branca, de meia idade, de cabelos aloirados e maquiagem forte, que conduzia a reunião.
— Não, quero falar. Não aguento mais. Tudo começou quando eu via o programa da Luciana Gimezes. Ele estava lá, falando o que eu queria. Comecei, a ouvi-lo, cada dia mais. Já não era o bastante nas quartas-feiras do programa. Comecei a ver vídeos dele no YouTube, até as sessões da Câmara eu assistia.
Alguns faziam movimentos de confirmação com a cabeça, outros a abaixavam, envergonhados.
— Mas eu achava que conseguiria parar quando quisesse. Aquela ilusão, sabe? Mas estava cada vez mais presente em minha vida. Estava me consumindo. E tudo piorou, ainda mais, naquele Jornal Nacional da 'GloboLixo'. Era 2018, lembro-me bem. Quando o mito mostrou o kit gay...
Roberval é interrompido por Marta — Por favor, Roberval. Aqui no grupo não falamos “mito”. Isso sempre traz recaídas, as pessoas aqui ainda estão muito sensíveis. Foi uma decisão de todos.
— Taokey...
— Evita também “taokey”, “nisso daí”, “olha só”, “calça apertada” e “a verdade os libertará”. São expressões proibidas aqui, Roberval. — Marta falava com a voz embargada, e movimentos circulares com as mãos —
Todos concordaram. Isso mexe com a gente, toca muito fundo. Por favor.
— Certo. Vocês tem razão. Mas, continuando. Depois daquilo, fiquei completamente submisso e dependente. Tentei ajuda na igreja. Meu pastor falava para continuar. Eu não entendia. Depois da posse, ele falando mal do carnaval, explicando para a gente o que era golden shower, que menino veste azul e menina veste rosa...meu Deus, era demais. Aquela fase da euforia, sabe? Mas dura pouco. Sempre queremos mais.
Muitos confirmaram, novamente, com a cabeça.
— Eu preciso dizer a vocês. Cheguei ao fundo do poço. Quando vi, já estava lá naquele cercadinho. Quando olho para trás...quanta humilhação, como podemos chegar nesse ponto? E aí a mídia golpista — Marta fez "não" com o indicador da mão direita — Desculpe, a imprensa, falava do Queiroz todo tempo, e as evidências aparecendo, o cheque da Michele, eu não aguentava...
Roberval chorou. O companheiro do grupo ao seu lado colocou a mão no seu ombro.
— Hoje a gente sabe de tanta coisa — Roberval falava ainda com voz de choro — depois daquela mansão de Flavinho, e agora a Covaxin...não podemos mais falar “e o PT?”. Não podemos mais falar do Lula, aquele diabo só cresce nas pesquisas. O mi...., desculpe, ele, também rouba né? Como é doído meu Deus. Que dor. E o comunismo...
Mal a palavra “comunismo” foi dita e um senhor de bigodes e camisa de time se retorceu na cadeira. Mais ao fundo, um rapaz de camisa polo que chorava, se levantou assustado. Duas senhoras desmaiaram.
— Ele não existe no Brasil...ele não existe no Brasil...ele não existe no Brasil...não está debaixo das nossas camas...não está, amém — Palavras repetidas, em coro, por todos, após serem ditas por Marta.
— Desculpe mais uma vez pessoal. Já estou terminando. Quando ele disse “acabou, porra!” eu tive uma recaída forte. Mas depois que o Centrão tomou conta do governo, passei dias terríveis, não queria sair de casa. Agora em dezembro ele disse que esse vírus chinês estava acabando e veio tudo isso ainda...chamou os esquerdistas das maricas, era um misto de euforia e dor, sabe? Quando ele andava sem máscara e de moto sem capacete...nossa, ficava muito apaixonado e parecia que tudo ia voltar. Quando tirou a máscara de uma criança esses dias....ai meu Deus, que homem. Mas vamos ser fortes. Estou me curando. Vou conseguir amigos, e vocês também. Só por hoje.
— Só por hoje — todos repetiram.

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    Edmundo Siqueira

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