Há exatos 97 anos morria o "mulato de Morro do Coco", que queria "paz e amor"
31/03/2021 18:14 - Atualizado em 01/04/2021 15:51
Arquivo Nacional
Lá nos idos de 1867 nascia no Morro do Coco, em Campos, alguém que se tornaria presidente do Brasil. Nilo Procópio Peçanha, filho de um padeiro, acreditou que os estudos permitiriam que ele realizasse seus sonhos. E com essa certeza rumou ao Rio de Janeiro, depois São Paulo, onde cursou Direito. Transferiu-se para a Faculdade de Direito do Recife, onde se formou bacharel em 1887. Atuando principalmente na advocacia e no jornalismo, Nilo era um abolicionista e republicano ferrenho. Foi deputado constituinte e assumiu a vice-presidência da República em 1906, para tornar-se o primeiro (e único!) presidente negro da história brasileira, três anos depois. Mesmo assim, Nilo Peçanha é um ilustre desconhecido em sua cidade natal.
Ainda mais desconhecida, a bela — e corajosa — história de amor que viveu com sua esposa, Anna de Castro Belisário, ou simplesmente Anita Peçanha, é um elemento essencial em sua história. Anita era neta de Visconde e bisneta de Barão. De família tradicional, em Campos. Não é preciso ser um grande observador para perceber a importância que a sociedade campista dá ao sobrenome e ao “status social”, ainda hoje. Imagine, caro leitor, o impacto que Anita causou ao decidir casar-se com um “mulato” do Morro do Coco, em pleno século XIX. Foi um desastre para o seu pai, que dizem ter morrido de desgosto (erramos aqui, informação retificada abaixo), e provocara o total distanciamento de sua mãe. Mas, o amor do casal foi mais forte que o preconceito, fazendo com que permanecem unidos até a morte de Nilo Peçanha, em 31 de março de 1924.
Errata (01/04/2021): Alertado pelo presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Campos, Genilson Soares, retifico a informação sobre a família de Anita Peçanha. Segundo Segundo Brigido Tinoco, biógrafo oficial de Nilo Peçanha, que colheu depoimentos de Anita Peçanha para publicar em 1962, "A vida de Nilo Peçanha", o sogro de Nilo, o advogado João Belizário Soares de Sousa, tinha grande admiração por ele e aprovava o casamento. Infelizmente ele faleceu em 1895, alguns meses antes da data do casamento e não pode conduzir a filha até o altar. Consta da página 56 do livro do Brígido: "Foi um autêntico "coup de foudre" como se dizia então. Namoro à vista, dando muito na vista dos pais da menina. O Dr. João Belisário até que simpatizava com o rapaz declarando-se mesmo seu eleitor. Mas D. Ana Rachel, com aquela pitança da nobreza do melado, foi contrária a qualquer aproximação, não querendo nem pensar em algum tipo de relacionamento, ainda que meramente amistoso."
A sua presidência durou apenas 17 meses. O bastante para o intrépido (Campos sempre foi terra de gente digna desse adjetivo, estando presente na letra do hino, inclusive) Nilo Peçanha deixar seu nome na história. Criou o Ministério da Agricultura, o Serviço de Proteção aos Índios, percursor da FUNAI, e as Escolas de Aprendizes e Artífices, que deram origem aos Centros Federais de Educação Tecnológica (Cefet), atuais IFFs.
Os nilistas — termo que se popularizou para identificar os seus apoiadores — precisavam esconder o real tom de pele de Nilo Peçanha. Charges preconceituosas evidenciavam o fato de ele ser um mulato. Há relatos de vários episódios onde foi necessário embranquecer as suas fotos oficiais. Mesmo sofrendo todo tipo de preconceito e governar um país com muitos conflitos sociais e econômicos, Nilo toma posse dizendo que faria um governo “baseado na paz e no amor”.
Embora tenha tido sucesso em promover alguma pacificação no país, Nilo Peçanha, de forma incoerente com sua própria história, rompe com o Partido Republicano Fluminense, criado por ele mesmo e se alia ao Partido Conservador. Na disputa presidencial de 1910, apoia Hermes da Fonseca, ex-ministro da Guerra, contra ninguém menos que um dos maiores intelectuais que o Brasil já produziu: Rui Barbosa. No duelo da pena contra a espada, a espada vence e Hermes da Fonseca passa a ser o oitavo presidente do Brasil.
O “mulato de Morro do Coco” deve ser motivo de orgulho para os campistas, que precisam ser apresentados a sua história. As incoerências de sua trajetória devem ser entendidas por seu contexto histórico, não devendo diminuir sua importância. Sua amada Anita falecera nos anos 1960, quando o movimento hippie surge na cidade de São Francisco, na costa oeste dos Estados Unidos, com o lema “paz e amor”. Ao vir busca-la, Nilo Peçanha deve ter ficado orgulhoso.
Podcast no aniversário de morte de Nilo Peçanha
A historiadora Rafaela Machado, diretora do Arquivo Público Municipal Waldir Pinto de Carvalho produziu e divulgou hoje (31), nas suas redes sociais, um Podcast muito interessante sobre Nilo Peçanha. Vale conferir:

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    Edmundo Siqueira

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