O poeta iluminado Max de Vasconcelos (II)
Fernando da Silveira - Atualizado em 17/03/2021 18:41
  • Max de Vasconcelos

    Max de Vasconcelos

Ultimamente, estou me convencendo de que os negativistas de fato não esqueceram das manifestações poéticas, que levaram os cariocas, os niteroienses e os campistas a sentir na alma o feérico brilho de Max de Vasconcelos, porque jamais pesquisaram. E nem leram os seus sonetos. E se tresleram não alcançaram a sua beleza. Tão distantes estão da própria poesia que resplende do Romantismo. Podendo-se presumir, que esses negativistas não têm a mínima ideia das três Gerações Românticas Brasileiras.
 
Apesar do seu conhecimento ser fundamental para se analisar e julgar o valor dos poetas românticos, como nos chamava a atenção Barbosa Guerra, o notável membro da ACL, que teceu com mãos de gênio o belíssimo soneto “Carro de Bois”, que até hoje o enaltece, nos fazendo jamais dele esquecer. Admiração e respeito que alcança proporções ciclópicas, verdadeiramente colossais, quando se verifica que foi ele, melhor dizendo, o médico e poeta campista Barbosa Guerra o grande responsável pelo estudo em Campos das Três Gerações Românticas a nos abrir os olhos sobre a magnitude, a grandeza de Max de Vasconcelos. Iniciativa da maior importância, porque, paradoxalmente, muitos negativistas chegam até a ignorar como se manifestou a Primeira Geração Romântica Brasileira, a chamada Geração Nacionalista ou Indianista, em que avultam, dentre outros, escritores da envergadura, da capacidade de Gonçalves Dias, do seu xará Gonçalves de Magalhães e de Araújo Porto Alegre.
 
Sendo pertinente destacar, que a maioria dos integrantes da Primeira Geração Romântica estava tão apegada aos aborígenes brasileiros, que este preambulo, este primeiro passo do nosso Romantismo passou a ser chamado de Geração Indianista. Obviamente, sonhavam com um herói nacional com as características do índio, como nos ensinou o venerável professor José de Nicola, em seu livro “LITERATURA BRASILEIRA – DAS ORIGENS AOS NOSSOAS DIAS”. Todavia, na exaltação dos nossos aborígenes, os integrantes da Primeira Geração Romântica tinham o cuidado de não renegar o nosso passado histórico de cunho, de feição portuguesa, o que levava alguns poetas românticos da Primeira Geração ao sentimentalismo e à religiosidade cristã. Curiosamente, o Romantismo, tão criticado pelos modernosos, como algo que não iria além do século XIX, teve no Brasil, em pleno século XX, vários integrantes, destacando-se, dentre outros, Ary Barroso, com a sua notável “Aquarela do Brasil” a revelar todas as características da Primeira Geração Romântica.
 
Na verdade, os negativistas também pouco sabem da Segunda Geração, pois chegam, por exemplo, a ignorar que ela foi altamente influenciada por certas figuras de prestígio do Mundo Ocidental, tão angustiadas com o lado trágico da vida, que só viam o mal pela frente. Daí ter recebido do escritor francês François-René de Chateaubriand o nome de “Mal do Século”. Sendo conveniente esclarecer, que tal pessimismo ocorreu, em face da crise de crenças e valores, que irrompeu na Europa do século XIX. Mas mesmo assim, a arte poética dela se valeu para nos iluminar com momentos de imensa beleza. Como paradoxalmente ocorreu, em pleno século XX, com o soneto do advogado e acadêmico Izimbardo Peixoto intitulado “Prece”.
 
Vejam a beleza deste soneto a sacudir a nossa própria alma, apesar de ter todas as características das manifestações estéticas da Geração do “Mal do Século” abominada pelos insensíveis: “Ao pé de ti, sobreiro amigo e santo / quero dizer, no exílio, esta primeira prece, / prece de meu remorso, pelo quanto / um dia eu fiz tombado de canseira. /// Ela será meu “miserere”...um canto / agoniado de cisne quase à beira / da morte... o olhar de tresvariado espanto / de quem sofreu durante a vida inteira! /// Recebe a contrição do arrependido, / que passou pelo mundo, como passa / quem muito sofre e o mal traz escondido. /// Nela vasei a angústia de meus anos: / amarguradas horas de desgraça, / meus amores tornados desenganos”.
 
Curiosamente, o empolgante Izimbardo Peixoto admitia tranquilamente, em suas preleções acadêmicas, que os poetas românticos da Terceira Geração, naturalmente se empenhavam, em se distanciar do pessimismo, que irrompeu na Europa do século XIX. Daí procurarem focar com menos intensidade a tragédia, que não poucas vezes brota, com ímpeto, na caminhada do homem pelo planeta Terra. Sim, com menos intensidade. Levando os integrantes da última Geração Romântica à fuga da apoteose do sentimento aterrorizador. E, às vezes, advertindo uns aos outros do perigo do intencional “pesadelo” poético, que pode nos levar de fato ao infortúnio. Não sendo poucos os que procuraram se distanciar até da melancolia. Da qual não pôde se afastar totalmente Max de Vasconcelos, por ser ele alguém de uma época, na qual os professores dos cursos superiores não cansavam de aplaudir os poetas da Segunda Geração. Daí não ter podido fugir inteiramente da exaltação poética do infortúnio. Mas que, mesmo assim, nos brindou com o belo soneto intitulado “Horóscopo”, que pode ser entendido como séria advertência aos enamorados da morte. E aos que renegam o pragmatismo com tanta intensidade, que só encaram o mundo pelo seu lado poético. Ei-lo: “Ai de quem, ao nascer, trousse na palma/ da mão esquerda a linha da poesia, / cujo sulco fatal reflete na alma/ a tarja negra da melancolia. ///Nunca desse infeliz peças a calma/do invencível não-ser à luz do dia, / que a dor sobre o seu berço logo espalma / amplas asas de treva e agonia. /// E, ai de mim! Esta linha que registra / fadários como os de Camões e Dante, / sinistramente, em minha mão sinistra, /// vejo-a tecendo a triste tenda que há de / meu nome em lauréis guardar, constante, / como um exemplo de infelicidade”! Caros Acadêmicos! Vocês notaram o prognóstico que Max de Vasconcelos faz, como advertência neste soneto, aos poetas, que estariam inclinados em colocar na palma da mão “a tarja negra da melancolia”? Evidentemente, mostrando que, se eles assim procederem, viverão dramaticamente “como um exemplo de infelicidade”. Infelicidade da qual nem o próprio Max de Vasconcelos escapou.
 
Os que estudam a história do nosso país sabem, que a Segunda Geração Romântica foi fortemente influenciada, no Brasil, pela poesia de Byron e de Musset, razão pela qual era também chamada de Geração Byroniana. E dela participavam, dentre outros, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Junqueira Freire e Fagundes Varela. Como achar ultrapassados poetas desta estatura? O verdadeiro poeta não é aquele que jamais fica no limbo, como coisa inútil, pois nunca é levado ao esquecimento? Todavia, não se deve deixar de salientar, que a Terceira Geração Romântica nada se parece com a Segunda Geração. É que seus integrantes são poetas que viveram o momento de criações artísticas, cujo principal representante foi Castro Alves, mas onde cintilou com a mesma força, vultos da expressão de Tobias Barreto e de Sousândrade, pseudônimo de Joaquim de Souza Andrade, ilustre professor formado em Letras pela Sorbonne, respeitabilíssima Universidade de Paris. Todos eles apaixonados por Victor Hugo. Daí seguirem brilhantemente os caminhos humanistas percorridos pelo maravilhoso poeta francês. O que levou a Terceira Geração a viver eternamente no coração dos que estudam literatura com afinco. Mas há aqueles, que são estudiosos tão arraigados ao que é nosso que, no que concerne ao Romantismo, não se limitam à Terceira Geração. E de tal maneira, que jamais esquecem das três modalidades, fazendo com que elas possam viver para sempre. Daí o brilho da Primeira e da Terceira Geração não levar à morte a Geração das Ilusões Perdidas, da Escola do Desencanto, como demonstrou, dentre outros, Max de Vasconcelos, com o encadeamento dos seus versos arrebatadores. Tudo em razão, segundo o notável acadêmico Carlos Gualda, dele ser antes de tudo um apaixonado pela beleza.
 
Na verdade, o Romantismo, em suas três modalidades, continuou com toda força no século XX. Parecendo-me oportuno lembrar do professor e poeta Álvaro Duarte Barcelos, que nos deixou, por exemplo, dois singelos quartetos, que tanto atraem os sonhadores. Aquelas doces pessoas românticas sempre encantadas com os poetas da Primeira e da Terceira a Geração. Vejam como a Terceira Geração está clara neste poemeto do professor Álvaro Duarte Barcelos: “Não há maior alegria, /ninguém por certo desmente, / se encontrarmos algum dia /a alma gêmea da gente”. Sendo bom registrar outro quarteto de sua autoria com um forte tom de pertencimento a revelar, em consonância com os poetas da Primeira Geração, o seu grande amor, a sua paixão pelo que é nosso: “A bela e rica língua portuguesa, / que é o próprio latim modificado, / tem da língua de Cícero a beleza/ e Camões como gênio do passado”.
Para não se falar que, em 1943, Azevedo Cruz, um dos maiores poetas da Segunda Geração, muitos anos depois de ter falecido, continuava nos encantando com o seu livro de poemas “Sonho” republicado pela “Coeditora Brasílica” do Rio de Janeiro. Sendo pertinente lembrar também que, em 1998, o governador fluminense Marcello Nunes de Alencar criou condições para que o próprio Estado do Rio de Janeiro publicasse o livro de autoria do inesquecível Professor Newton Périssé Duarte intitulado “Escólio do Poema Amantia Verba de Azevedo Cruz”, que nos mostrou induvidosamente que a Segunda Geração Romântica continuava viva.
 
Como o Professor Newton Périssé Duarte já havia morrido, pode-se dizer que a vitória da inteligência ocorreu com a publicação deste livro pelo esforço, sobretudo, do Desembargador Motta Filho e pelo empenho de Maria da Graça Périssé Duarte, respeitável filha de um dos maiores intelectuais de nossa Terra. Sendo oportuno lembrar que, tanto o livro “Sonho” como a obra “O Escólio do Poema Amantia Verba de Azevedo Cruz” de Newton Périssé Duarte, foram adotados por diversos professores de estabelecimentos de ensino da melhor qualidade. Parece-me muito claro, assim, que as três Gerações Românticas vão continuar perdurando. Embora alguns poetas românticos de nossos dias procurem se distanciar da Geração do “Mal do Século”. Ficando bem longe poeticamente dos beletristas românticos, que estavam ainda presos à poesia lancinante. Aqueles estetas, que não cansavam de focar a infelicidade e, sobretudo, a morte, como, por exemplo, Inácio Moura ao escrever: “ Árvore triste, vegetal esguio, / que a morada dos mortos tanto enfeias”. Ou como Obertal Chaves a exclamar: “Não haja prêmio algum que nos conforte. / Já que entramos unidos para a vida, / vamos entrar unidos para a morte”. E por Flamínio Caldas a balbuciar: “Quando o sangue parar em minhas veias/ e cair sobre mim o véu da morte”. Vultos, tão presos à estética do infortúnio, que traçavam, nas belas-letras, caminhos diametralmente opostos aos trilhados anos depois, por exemplo, pelo já referido beletrista Álvaro Duarte Barcelos. Ilustre professor e acadêmico campista, que brilhantemente desfrutou o século XX em quase toda a sua extensão. Enquanto Max de Vasconcelos viveu apenas poucos momentos do século XX, que iniciava, que se encontrava em sua fase embrionária. Período em que, nos seus primeiros instantes, muitos ainda se deleitavam com o fulgor do “Mal do Século”. Principalmente, as elites cariocas apaixonadas por Byron e Musset.

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