Arthur Soffiati: Reflexões sobre as pandemias (IV)
* Arthur Soffiati 01/05/2020 13:34 - Atualizado em 08/05/2020 21:53
1 - Eficiência. O vírus não hesita. Sai da mata (supõe-se) e invade o corpo humano, nele operando sem vacilação. Não se importa em matar, causar infecção grave ou perder a luta para anticorpos. Pega carona em corpos humanos e demora em torno de duas semanas para se manifestar. Pode, inclusive, não causar sintomas. Nesse tempo, vai contaminando outras pessoas. Anda a pé, de bicicleta, de automóvel, de ônibus, de trem, de navio e de avião sempre no corpo de pessoas. Não reconhece fronteiras nacionais. Manifesta-se mais nas grandes cidades, onde encontra aglomerações. Passa por cima de políticas públicas, protocolos e burocracias. Não se importa com o que falam dele. Se bem ou se mal. Ele não é vida nem não-vida. É algo muito simples que sabe como trabalhar no organismo humano sem saber que sabe. Sem ser bom ou mau. O vírus simplesmente é. Ele é natureza e sua derrota depende da natureza: os anticorpos fabricados pelo organismo.
2 - Hesitações no mundo científico. Os pesquisadores e médicos tentam esconder sua perplexidade, mas não conseguem. Inicialmente, como medida de prevenção, eles recomendavam que o infectado ficasse recluso em casa, recorrendo aos hospitais apenas se seu caso fosse grave. Depois, concluíram que, com a reclusão, a doença podia progredir e exigir internação. Portanto, ao primeiro sinal da doença, o infectado deveria procurar um hospital. Inicialmente, o vírus atacava os pulmões. Depois, concluiu-se que afetava o coração, o fígado, os rins etc, e que seu alvo não era tanto os pulmões. Mais tarde, o vírus infectava o sangue. Os pesquisadores e médicos discutem se o tratamento pode ser com remédios e cada um propõe o seu. Nesse ponto, os egos afloram. Mensagens divulgadas pelas redes sociais revelam médicos manifestando certezas quanto aos medicamentos corretos a serem usados. Sempre os que eles consideram o certeiro. Cada um reclama da falta de atenção que lhe é dispensada em não o levar em consideração. A máscara deve ser usada pelo infectado para não lançar gotículas sobre os sãos quando falar, tossir e espirrar. Não. Voltamos atrás. A máscara deve ser usada por todos. Agora, a Organização Mundial de Saúde não garante que os anticorpos desenvolvidos pelos infectados que se curaram os protegem de uma nova infecção. Pesquisadores e cientistas estão hesitando, o que é profundamente normal. Os cientistas estão meio perplexos diante de um vírus novo. Mas ele, o vírus, não vacila.
3 - Hesitações no mundo político. Países e governantes não estavam preparados para enfrentar uma pandemia, mesmo com certos pensadores advertindo que vivemos num mundo de incerteza, insegurança e risco. Eles chamam a atenção para os muitos perigos que nos ameaçam. No máximo, políticos e economistas se mostram preocupados com tais ameaças e seguem em frente. Alguns não se conformam em ter de mudar de planos diante da pandemia e querem continuar a vida como se nada tivesse acontecido. Os casos mais ilustrativos são os da Bielorrússia ou Belarus, Turcomenistão, Nicarágua, Estados Unidos e Brasil. Atendendo a grandes interesses econômicos, os governantes não concordam com o isolamento físico das pessoas, insistindo que a economia é mais importante que a doença. Eles não chegam a ser explícitos a esse ponto, dizendo apenas que os pobres querem voltar ao trabalho. Até mesmo remédios eles receitam, como vodca e cloroquina. Além disso, os sistemas de saúde não estavam preparados para uma pandemia. Os hospitais estão superlotados. Faltam leitos, respiradores e equipamentos especiais. Médicos e enfermeiros estão sendo contaminados e se afastando do trabalho. Os sistemas funerários estão sobrecarregados. Os órgãos máximos de saúde não se entendem. No Brasil, o Ministério da Saúde emite mensagens conflitantes, com o presidente do país entendendo que o isolamento deve se restringir aos aposentados e idosos, já fora do mercado de trabalho.
4 - Evolucionismo. Darwin retornou à baila de modo escuso no Brasil. Jair Bolsonaro, ao defender o retorno das pessoas ao trabalho (aqueles que os tem, pois muitos estão desempregados), diz ser inevitável a contaminação de cerca de 70% da população. Certamente, Bolsonaro já ouviu falar em Darwin, mas não sabe direito de quem se trata. O que ele, Bolsonaro, está defendendo, sem o saber, é a seleção natural e a sobrevivência dos aptos. O vírus elimina quem não resiste ao seu ataque, deixando apenas aqueles que desenvolvem anticorpos. O evolucionismo de Darwin evoluiu, se me permitem o trocadilho. Sabe-se hoje que a seleção natural continua valendo, mas que o não apto pode sobreviver com a proteção da sociedade. Imaginemos um elefante ou um macaco que nasça com um defeito físico, condenando-o a ser eliminado por predadores. Se a sociedade o proteger do perigo, ele sobrevive e pode inclusive procriar. Um apto como Bolsonaro, que tem um histórico de atleta, pode sucumbir ao vírus, mesmo com toda a atenção médica recebida. O evolucionismo – que não deveria ter esse nome – precisa ser relativizado, ainda mais com o ser humano, que tem consciência e vive em sociedade.
Amazônia. A pandemia reduziu a concentração de gases do efeito estufa na atmosfera, melhorou a qualidade do ar respirado nas cidades, limpou as águas dos rios e dos mares até onde possível e melhorou as condições ambientais em todo o planeta. Só não conseguiu proteger a floresta amazônica e os índios que ainda a habitam. Os agressores da floresta estão sempre de plantão para atacá-la. Eles aproveitaram a eleição de Bolsonaro para provocar incêndios colossais em 2019 e agora estão aproveitando a pandemia para novamente atacá-la, já que as atenções estão voltadas para o vírus. E, mais uma vez, contam com a ajuda do governo.

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