Que não seja festiva, com ressalvas - Debate continuado com Gilberto Gomes
18/02/2020 20:28 - Atualizado em 18/02/2020 20:39
Continuação do debate proposto por Gilberto Gomes, secretário de comunicação do PT, e iniciado por críticas da sede local do partido e de Roberto Dutra à fala do deputado André Ceciliano
Continuação do debate proposto por Gilberto Gomes, secretário de comunicação do PT, e iniciado por críticas da sede local do partido e de Roberto Dutra à fala do deputado André Ceciliano
O início do debate se deu quando o presidente da Alerj - Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, André Ceciliano (PT), afirmou (aqui) que apoiaria o deputado estadual Rodrigo Bacellar (SD) nas eleições de outubro, em Campos, ou “quem estiver com ele”. A declaração sofreu fortes críticas do diretório local do PT que alegou não ter sido ouvido e que teria sido um comentário “infeliz”. Logo depois, o sociólogo e professor da Uenf, Roberto Dutra, fala sobre o assunto fazendo críticas igualmente contundentes.
Ao comentar sobre o fato, este blog publica (aqui) em 25 de janeiro “O PT nacional e em Campos: autocrítica e a união da esquerda” onde avalio que a esquerda goytacá – e nacional – não deveria ser “festiva” e ser “menos alijada do ‘homem comum’, dialogando mais com a realidade fática e menos com um marxismo ultrapassado e anacrônico e com um pensamento gramsciano batido e visivelmente fracassado nas trincheiras extra-cultura”.
O assunto acabou rendendo ainda mais quando o blog Opiniões, de Aluysio Abreu Barbosa, deu eco ao debate (aqui). O que continuou quando o secretário de comunicação do PT local, Gilberto Gomes, foi ao programa Folha no Ar, na Folha FM 98,3 e comentou (aqui) sobre a crítica feita por mim para que a esquerda não seja festiva.
Na última quinta-feira (13) em minha rede social particular (aqui), sobre as recentes declarações do ministro da economia Paulo Guedes a respeito do câmbio, onde ele diz que “empregada doméstica estava indo para a Disney, uma festa danada”, Gilberto Gomes faz um comentário provocativo sugerindo uma nova matéria aqui – Quem sabe “que não seja festiva, porém, com ressalvas”? – comenta. Elogiando minha análise crítica, cita o professor Jessé como estudioso das elites e da burguesia brasileira.
O blog aceita a provocação e dá continuidade ao debate, esperando confiante que sirva para que dialeticamente possamos dar luz – ou pelo menos tentar – às discussões extremamente polarizadas que presenciamos em grande parte das discussões políticas atuais.
Por uma esquerda que pode até ser festiva, mas com ressalvas
O termo ‘esquerda festiva’ povoa o imaginário de quem pretende criticar o pensamento progressista, tanto quando vem da direita quanto da própria esquerda, pois tenta reduzir o militante a um grupo intelectualizado, com formação universitária, branca e de classe média que teve acesso ao melhor ensino e cultura, que se identifica com o discurso e narrativa progressista, mas que pensa a luta de classes ou mesmo a militância pura e simples, apenas na teoria e servindo como caldo retórico nas festas e encontros sociais dos ‘cirandeiros’ ou festivos de esquerda; para parecerem os descolados, boa-gente e integrantes de uma intelectualidade antagonicamente elitizada e preconceituosa.
Porém o problema é maior. Esse grupo festivo não representa a maioria no espectro progressista e não me parece ser um dos motivos da divisão na esquerda. O que vem afetando e causando ruído na comunicação interna nesse campo são as tais “pautas identitárias”. A apropriação de movimentos sociais, tais como o movimento negro, LGBT, feminista e outros, para compor uma narrativa impositiva, colocando o indivíduo reduzido à sua identidade apenas e o distanciando da luta coletiva contra uma estrutura opressora. Além de impedir que um analista que não tenha “lugar de fala” faça uma ponderação ou crítica, e essa possa ser levada em consideração. Um homem branco, cis, hétero e em certa medida alinhado ao cristianismo, como eu, não poderia defender uma das pautas identitárias, muito menos criticá-las.
A esquerda, tanto a festiva quanto a identitária, se afasta das pautas classistas, ligadas ao marxismo clássico e alinhadas com modelos econômicos que buscam equilibrar desigualdades. Não estão preocupadas com cultura e conscientização para uma crescente coletivização da vida em sociedade. Tão pouco preocupados com a desmercantilização das relações e necessidades sociais. Apesar de lutar contra o preconceito e opressão de grupos periféricos, pouco se atenta sobre as estruturas formadas na práxis que fortalecem e determinam essa continuidade com imposição econômica. Se afastam de pautas caras ao progressismo e ao objetivo, mesmo que utópico, de igualdade.
A principal disputa da esquerda é com ela mesma. O trabalho de base, embora seja um pedido constante para que se amplie, tem se mostrado ineficaz. Determinante para a formação e identificação de novas lideranças, é ali que é possível produzir emancipação política e social e ainda fomentar um poder popular que esteja apto a agir como agente transformador. Não só na esquerda o trabalho de base é – como o próprio nome sugere – o alicerce de militância atuante e crítica, mas sim em qualquer agremiação ou espectro político. A direita brasileira talvez tenha feito um significativo trabalho de base se aproveitando da operação Lava-Jato da Polícia Federal. O lavajatismo representa uma boa parte da direita brasileira e provavelmente seja mais numerosa e fiel que a bolsonarista.
Como último ponto, é preciso criticar a tendência da esquerda de cultuar líderes carismáticos que se tornam intocáveis. Obviamente o maior exemplo dessa personalização excessiva é a do ex-presidente Lula. Também por óbvio, a direita personifica seus “mitos”. Porém, ao contrário do liberalismo, a esquerda usa da coletividade e impõe à classe trabalhadora uma narrativa quase cristã de que ela seria o “caminho, a verdade e a vida”. E quando personaliza a luta para atender a um claro plano de poder – meramente eleitoral na maioria das vezes – desfaz toda boa intenção de conscientização de classe.
Em resumo? Que não seja festiva, identitária, personalista e que faça trabalho de base.
 
 

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    Sobre o autor

    Edmundo Siqueira

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