Enchente em Campos: pode acontecer como na Bahia? Especialista esclarece
Edmundo Siqueira 07/01/2022 21:06 - Atualizado em 07/01/2022 21:22
Leonardo Benessatto / REUTERS
 
Os desastres naturais sempre aconteceram, em todo planeta — sejam em decorrência da ação do homem, os dos seus próprios ciclos. Em 1952, uma das maiores tragédias ambientais da Inglaterra matou ao menos 4.000 pessoas. Em setembro de 2021, Nova York sofreu com grandes enchentes, atribuídas ao furação Ida, levando inundação as ruas e linhas de metrô em uma das maiores e mais importantes cidades do mundo. Em dezembro, dezenas de municípios na Bahia foram profundamente afetados por cheias trazidas pelo fenômeno chamado “Zona de Convergência do Atlântico Sul”, que provocou chuvas de quatro dias consecutivos, levando a inúmeras perdas humanas, sociais, econômicas e ambientais.
Nesta semana, o prefeito Wladimir Garotinho e a Defesa Civil de Campos alertaram para a previsão de cinco dias consecutivos de chuvas intensas. “A previsão é que vai chover em 5 dias o equivalente a 30 dias. Vem muita água por aí”, disse Wladimir em suas redes sociais. Na noite desta sexta-feira (7), a cidade já apresentava alguns pontos de alagamento (veja aqui, na Folha1).
Arquivo
Campos dos Goytacazes é uma planície alagadiça, localizada em uma região muito vulnerável aos eventos climáticos mais extremos. Seu principal recurso hídrico - o Rio Paraíba do Sul - também é motivo de grande preocupação quando recebe águas de São Paulo e Minas Gerais, causando as cheias. E com elas, os impactos econômicos, sociais e humanitários. Grandes enchentes ocorreram nas cidades do Rio de Janeiro.
Os desastres, embora sejam “naturais”, são o resultado da interação entre eventos ambientais extremos e condições preexistentes dos municípios. As consequências dependem das condições de exposição ao risco, das situações de vulnerabilidade e das capacidades para lidar com o desastre. Os que estiverem mais preparados, sentirão menos os impactos.
Campos e região estão preparados para novos eventos climáticos extremos? Foram criados mecanismos de prevenção? Há risco de repetirmos algo parecido com o desastre na Bahia?
Cheia histórica em Campos dos Goytacazes
Cheia histórica em Campos dos Goytacazes / Arquivo
 
João Gomes de Siqueira, ex-presidente do Comitê de Bacias do Baixo Paraíba do Sul e Itabapoana, hoje um dos diretores do Comitê de Integração da Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba do Sul (CEIVAP), órgão federal que cuida das bacias hidrográficas de 184 cidades nos estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, esclarece algumas dessas questões:
O prefeito Wladimir Garotinho e a Defesa Civil alertaram esta semana sobre a possibilidade de chuvas intensas na região. Quais os riscos de alagamento urbanos e de cheias nas áreas rurais nas próximas semanas?
João Siqueira - A Defesa Civil está em alerta para chuvas intensas, mas devemos registrar que a Baixada Campista, pelas chuvas de outubro, apresentou altas cheias. A Lagoa Feia ficou em seu nível máximo no final de 2021, o maior desde 2008, que é 2,72m. As chuvas localizadas, como as que teremos nos próximos dias, aumentam alagamentos que já estavam ocorrendo, mas os níveis já estão abaixando. Tivemos períodos mais críticos. Essas chuvas locais causam alagamentos urbanos e na Baixada, mas elas não alteram o nível do Paraíba do Sul.
""As cheias em Campos acontecem quando Carangola, como afluente, e Muriaé, que é uma bacia de alta declividade e de grande área, localizada em uma região alta, quando recebe grandes quantidades de água ela chega aqui em Campos com muita velocidade"" ()
Sabemos que as enchentes em Campos são decorrentes da cheia do Rio Paraíba, que ocorre quando as chamadas 'cabeceiras' recebem grandes quantidades de água. Existe previsão de grandes cheias ainda este ano?

João Siqueira - As cheias em Campos acontecem quando Carangola, como afluente, e Muriaé, que é uma bacia de alta declividade e de grande área, localizada em uma região alta, quando recebe grandes quantidades de água ela chega aqui em Campos com muita velocidade. E também temos o Pomba (Bacia do Pomba), que também é uma bacia extensa, causa grandes problemas a Campos. As chuvas de São Paulo, na divisa com Minas Gerais, nas serras da Mantiqueira e Canastra, e a Zona da Mata, que formam o Vale do Paraíba, também afetam bastante o nível do Paraíba por aqui. Tem acontecido muitas chuvas nessas regiões. Se os níveis se elevarem no Pomba e no Muriaé, podemos chegar a 10 mts. Porém, acredito que chegaremos a nove metros, no máximo nos próximos dias. Mas continuaremos monitorando.
João Siqueira entrega o Atlas do Comitê do Baixo Paraíba.ao Secretário Estadual do Ambiente, Thiago Pampolha, e a Subsecretária de Recursos Hídricos e Sustentabilidade, Ana Asti - que também é a presidente do CEIVAP.
João Siqueira entrega o Atlas do Comitê do Baixo Paraíba.ao Secretário Estadual do Ambiente, Thiago Pampolha, e a Subsecretária de Recursos Hídricos e Sustentabilidade, Ana Asti - que também é a presidente do CEIVAP. / Reprodução
 
Estamos próximos de outra grande cheia. Os regimes climáticos estão mudando, estamos vindo de uma seca histórica, extrema, que durou de 2007 à 2020. A maior, desde que estão sendo medidas. Em 1955 tivemos a segunda maior seca, pois hoje se sabe que a referencia é a do ano de 2014, que foi o nível mais baixo já registrado do Rio Paraíba. E esse ciclo de cheia pode se inverter.
Existe a possibilidade de vivermos algo parecido com o que houve recentemente na Bahia?
João Siqueira - Não podemos prever se acontecerá algo aqui assim, mas aconteceu muito pior em 2010 aqui no estado do Rio, na região serrana. O maior desastre climático que tivemos, em Petrópolis, Teresópolis e Friburgo. Mas desse episódio conseguimos algo muito importante, que é o sistema de monitoramento e alerta de eventos críticos no Estado. Infelizmente os governos não investem muito nisso (prevenção). A prevenção não é uma política pública usual, preferem contornar os efeitos. No comitê temos grandes parceiros, como a Defesa Civil aqui em Campos, o REDEC Noroeste e Norte, a ANA (Agência Nacional das Águas), INEA (Instituto Estadual do Ambiente), IGAM (Instituto Mineiro de Gestão das Águas) e outros, onde trabalhamos com previsão e prevenção.
Estamos desenvolvendo trabalhos para criar reservatórios de água para regularização de vazão no Paraíba nos afluentes mineiros, como já acontece em São Paulo, para evitar eventos como os que aconteceram na Bahia, e aqui em 2007 e 2008. Eventos de chuvas muito intensas são muito difíceis de controlar, mas as cheias sim, é possível, diminuindo os volumes expressivos que chegam em pouco tempo em nossa cidade. Mas são obras de grande porte, necessárias, que os entes federativos poderiam se unir para fazer. Está no nosso radar finalizar esse projeto e apresentar ao poder público. É um sonho realizar esse projeto, necessário para evitar as cheias.
""Infelizmente os governos não investem muito nisso (prevenção). A prevenção não é uma política pública usual, preferem contornar os efeitos"" ()
A gestão do risco, que envolve a emissão de alertas, a retirada de pessoas antes que aconteçam os desastres para diminuir danos urbanos, a contenção de danos materiais, entre outras ações são reativos. Contra as cheias de nossa região, é possível agir preventivamente?

João Siqueira - O comitê contratou uma empresa para fazer um trabalho de diagnóstico e levantamento dos riscos de eventos críticos na bacia do Paraíba do Sul. Quais eventos ocorrem, como resolver e a amplitude deles. Com esse estudo pronto vamos elaborar junto ao CEIVAP, que hoje sou Diretor Secretário, e implementar um projeto de prevenção desses eventos críticos. E através do monitoramento podemos prever essas cheias com dois ou três dias de antecedência, e junto à Defesa Civil, que é nossa grande parceira, fazer uma mobilização para as pessoas se protegerem, retirando de áreas de risco.
""É de grande interesse de todos os municípios envolvidos que isso (projeto de monitoramento e prevenção) seja feito, mas é preciso parceria com o Governo Estadual e Federal. Certamente ações de regularização de vasão beneficiarão a população como um todo. Se o Rio chegar a 11 metros, Campos alaga. E isso pode voltar a acontecer."" ()
Não conseguimos dimensionar a amplitude exata da cheia, pois as chuvas são variáveis imprevisíveis de certo modo, mas quando chove muito em lugares que sabemos que trará cheia em Campos, temos certo tempo para atuar na proteção das pessoas. Os desastres podem ser previstos, mas precisamos de instrumentos para mitigar os efeitos. Existem ações que devem ser implementadas, mas que dependem de grande investimento, mas, como disse, é necessário. Precisa ser resolvido. Nós sabemos quais ações podem diminuir esses efeitos, sabemos onde atuar, mas precisamos de parceiras para esses instrumentos serem efetivados.
É de grande interesse de todos os municípios envolvidos que isso seja feito, mas é preciso parceria com o Governo Estadual e Federal. Certamente ações de regularização de vazão beneficiarão a população como um todo. Se o Rio chegar a 11 metros, Campos alaga. E isso pode voltar a acontecer.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

    Sobre o autor

    Edmundo Siqueira

    [email protected]