Maio de Lutas: Aquilombamento e Saúde Mental
- Atualizado em 25/05/2020 17:16
 
 
 
 
 
 
 
 
Rubiana Nascimento Viana
Mestranda em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminense.
Graduada em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense.
 
 
Em meio à pandemia e caos político, entendo como particularmente difícil produzir escritos leves e esperançosos. Escrever sobre a situação da população negra no Brasil, de modo geral, acaba sempre por nos levar à escritos trágicos, seja numa perspectiva histórica ou focada na atualidade. O que dizer da saúde psíquica desta população?
Este mês de maio traz consigo datas marcantes. O feriado do dia primeiro dedicado aos trabalhadores. A abolição da escravatura no dia 13. E no dia dezoito comemora-se ao longo dos dias próximos a Semana da Luta Antimanicomial no Brasil. O mês de maio e seu clima de outono tropical possibilita a colheita de muitos frutos...
Datas como estas surgem em nosso calendário para que não se percam, esquecidos com o passar dos anos, momentos tão marcantes da história do Brasil. A simbologia por trás de cada feriado pode ser distorcida, revirada, transformada, ressignificada... Mas parece importante para cada um dos envolvidos nestas lutas contemporâneas resgatar o sentido delas e mantê-las vivas em memória e em ação.
É um mês que nos permite relembrar acontecimentos excepcionais de fato e talvez, em tempos de covid-19, escrever sobre eles pensando na situação atual dos atores desta trama seja essencial. E se pudermos tomar a população negra como ponto central de certo modo poderemos abranger às três lutas expostas anteriormente.
O estudo “Desigualdades sociais por cor e raça no Brasil” desenvolvido pelo IBGE sobre o período entre 2012 e 2018 demonstram que apesar de representarem 55,8% da população nacional, os negros constituem a maior parcela de desempregados no país – 64,2%. Em dezembro do mesmo ano, 46,9% desta população encontrava-se no mercado informal. No último trimestre de 2019, o IBGE apontou ainda que a população negra foi a única que registrou um aumento nos índices de desemprego – e que este número tendia a piorar nos próximos anos. Em outro estudo de 2018, as pesquisas do IBGE demonstram que cerca de metade – 54,7% – dos domicílios onde moradores se declaravam negros recebiam simultaneamente tratamento de água e coleta de esgoto, enquanto entre os domicílios onde as famílias se declaravam brancas esse número sobe para 72,1%. Dados do Ministério da Saúde registraram um aumento de 12% no risco de suicídio entre jovens negros no ano de 2019 em relação ao ano anterior, e um crescimento de 45% em relação à 2016. Análises do mesmo estudo revelam que as taxas de suicídio mantiveram-se estáveis entre os brancos: em 2012 representavam 3,65 dos óbitos a cada 100 mil e em 2016, 3,76 a cada 100 mil, único grupo que não apresentou aumento significativo nos índices de acordo com o Ministério da Saúde. Números que representam pessoas, e que quando somados, revelam à quais fatores estão condicionadas as vidas negras no Brasil. E é carregando em suas costas estes números que esta população tentará sobreviver ao ano da pandemia.
Uma nova crise que nos relembra as tantas falhas às quais estamos expostos e causamos o tempo todo. Já ouvimos os ruídos da necessidade de novos rumos, e para uma população que em 2016 registrava a cada 23 minutos o assassinato de um de seus jovens, esses ares já são parte da “meta de sobrevivência”, versada pelos Racionais. Cabe dizer que o movimento de manter aos pares vivos já existe. Nasce, cresce, e na pandemia se fortalece.
Encontramos assim diversas lideranças e representações organizando trabalhos de acolhimento e assistência social à população periférica como um todo, inclusive à população negra. Dentre as quais podemos citar a CUFA – Central Única Das Favelas – por meio do projeto Mães da Favela, bem como as lideranças das comunidades de Paraisópolis (SP), da Maré e da Rocinha (ambas no Rio), a Uneafro, e tantas outras.
Algumas, por outro lado, têm se empenhado em ofertar acolhida psicológica diante do possível sofrimento psíquico que surge do tensionamento social e econômico provocado pelo cenário atual. Dentre as quais, posso citar na região norte fluminense, a Rede Convida, um projeto de extensão da Universidade Federal Fluminense, organizado por discentes, docentes e profissionais da psicologia; o Pretaspsi, coletivo negro de psicologia também da Universidade Federal Fluminense, que oferece acolhimento psicológico e orientações em relação aos cuidados e intercorrências acerca da Covid-19; e a organização não-governamental Novo Basquete de Rua – NBR, que além de acolher e orientar, têm arrecadado doações e distribuído em comunidades pela cidade de Campos. Os serviços podem ser contatados através do e-mail que disponibilizarei no final do texto.
E assim, o autocuidado se expande, quando depara-se com a prerrogativa contemporânea de que a sobrevivência do eu depende agora, mais do que nunca, da sobrevivência do outro. O Ubuntu que tantos clamam, às vezes sem nem saber; mas perceba, Ubuntu é eu só posso ser se for com você. Eu sou você porque somos parte de um todo maior. Eu sou porque somos, é esta a filosofia ética africana.
É um desligar-se de si mesmo, do ser egóico para ver o outro no mundo, de forma que nesse aspecto o ubuntu chega a tocar a esfera espiritual, pois o outro é o ‘eu transcendente’, o lócus onde o imanente transcende a si mesmo em um caráter de alteridade, de comunidade e, portanto, de humanidade. (NEGREIROS, 2019, p. 120)
Ao analisar a situação de vulnerabilidade em que a maior parte da população negra encontra-se e, especialmente, diante do recente cenário de pandemia, nota-se que o cuidado acerca da saúde mental desta população não cabe em um encontro clínico com o psicólogo. E é por isso que se tornou crucial que todos os esforços se somem. Se for pela saúde mental da população negra, então nossos esforços precisam ir além.
Eu disse: é difícil escrever sobre esperança em tempos sombrios. Mas nem de longe a tarefa tornou-se impossível. Como já escreveu Conceição Evaristo no poema “Tempo de Nos Aquilombar”:
É tempo de formar novos quilombos,
em qualquer lugar que estejamos,
e que venham os dias futuros, salve 2020,
a mística quilombola persiste afirmando:
“a liberdade é uma luta constante”.
Sabemos agora que os esforços para conservar o mínimo de esperança nos dias futuros não cabem em um só espírito. Sendo assim, pode somente ocorrer com a manutenção do grupo e da prerrogativa do pertencimento, cujas raízes remontam aos nossos muitos ancestrais quando nos ensinaram em ação a buscar o refúgio e o amparo nos fortes quilombos. E não estamos nós nos aquilombando?
Canais de Acesso para:
Projeto “Mães das Favelas” da Central Única das Favelas
https://www.maesdafavela.com.br/
Crowdfunding para Paraisópolis
https://www.esolidar.com/en/crowdfunding/detail/3-g10-apoie-paraisopolis-a-combater-o-corona-virus?lang=br/
Crowdfunding para Rocinha
https://www.esolidar.com/en/crowdfunding/detail/5-g10-support-rocinha-rj-to-fight-corona-virus
Doações para Maré
http://redesdamare.org.br/br/quemsomos/coronavirus
Vakinha da Uneafro
https://www.vakinha.com.br/vaquinha/campanha-de-solidariedade-em-tempos-de-coronavirus
Contato com a Rede Convida através do e-mail: [email protected] e também no facebook atraés da página “Convida Suspirar” e instagram pelo @rede.convida.
Contato com o coletivo Pretaspsi através do e-mail: [email protected] e pelo facebook e instagram @pretaspsi.
A Ong NBR está recebendo doações na sua sede, localizada na rua dos Goytacazes, 508, Centro. A página no facebook e instagram é @ong_nbr.
 
 
 
REFERÊNCIAS
Brasil. Óbitos por suicídio entre adolescentes e jovens negros 2012 a 2016 / Ministério da Saúde. Universidade de Brasília, Observatório de Saúde de Populações em Vulnerabilidade – Brasília: Ministério da Saúde, 2018.
ESCÓSSIA, F. A cada 23 minutos, um jovem negro é assassinado no Brasil, diz CPI. BBC Brasil, 2016. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-36461295. Acesso em 19 Mai. 2020.
EVARISTO,Conceição.Tempo de nos aquilombar. O Globo, Rio e Janeiro, 31 dez. 2019. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/em-textos-ineditos-escritores-expressam-desejos-para-2020-1-24165702. Acesso em: 20 Mai. 2020.
IBGE. Desiguladades sociais por cor e raça no Brasil. Estudos e Pesquisas – Informação Demográfica e Socioeconômica. N. 41. 2018.
IBGE. Síntese de Indicadores Sociais 2018. Uma análise das condições de vida da população brasileira. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Dez/2018.
NEGREIROS, R. UBUNTU: Considerações acerca de uma filosofia africana em contraposição a tradicional filosofia ocidental. Problemata: R. Intern. Fil. V. 10. n. 2 (2019), p. 111-127.
NITAHARA, A. Negros são maioria entre desocupados e trabalhadores informais no país. Agência Brasil, 2019. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2019-11/negros-sao-maioria-entre-desocupados-e-trabalhadores-informais-no-pais. Acesso em 19 Mai. 2020.
 
 
 
 
 
 

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