A Nobreza do Barão de Lantier
19/12/2019 23:28 - Atualizado em 20/12/2019 02:29
COLUNA DE VINHOS
Por JOÃO RICARDO RODRIGUES
 Hoje vamos falar um pouco da história da vitivinicultura no Rio Grande do sul.
 A década de 70 foi um marco importante na viticultura brasileira, nessa época o Brasil vivia o “milagre brasileiro” com obtenção de expressivas taxas de crescimento o que chamou a atenção de grandes empresas estrangeiras do ramo de bebidas como a Martini & Rossi, Heublein, Forestier, Cinzano, Chandon, Almadém e outras.
 Com expertise na área e poder econômico, elas fizeram aquisições, implantaram novas técnicas de cultivo e negociação; como a reconversão do sistema latada para espaldeira, incentivaram o plantio de castas europeias, concederam incentivos monetários aos agricultores sob a forma de bônus acima do preço básico da uva para que seguissem prescrições técnicas no cultivo e na colheita, todas essas mudanças resultaram em uma melhora nos processos do cultivo e da elaboração dos vinhos brasileiros é nesse contexto que vamos falar do nosso vinho de hoje, o Barão de Lantier.
  
Na época a Martine & Rossi possuía a divisão De Lantier, sediada em Garibaldi – RS, então comandada pelo enólogo Adolfo Lona, argentino formado em enologia pela Escola Don Bosco em Mendoza, em 1978 se propuseram a elaborar um tinto de guarda no estilo dos grandes vinhos de Medoc na região de Bordeaux, elaborado com as cepas típicas dessa região como a Cabernet Sauvigon e Merlot, envelhecido em tonéis de carvalho ao estilo bordales.
   
Para se ter uma ideia do desafio, naquela época não existia Cabernet Sauvignon no Brasil e muito menos era utilizados barris de carvalho de qualidade
A De Lantier somente lançou o seu primeiro Baron de Lantier em 85 que foi elaborado com a utilização de diversas inovações para a época; amadurecidos com barricas de carvalho francês, utilização de tanques de aço inox, mudas de videiras importadas da França e, muito importante, um sistema de incentivo ao viticultor que remunerava pela qualidade das uvas.
 
 
Propaganda antiga do Baron De Lantier
 
 
Segundo o enólogo Adolfo Lonas os seguintes fatores foram decisivos para o sucesso do Baron de Lantier que foi produzido de 1985 à 2002 com destaques para os anos de 1991 e 1999 quando foi lançado o Baron de Lantier Grand Millésime.
 Cadastro de produtor e cadastro de propriedade: Foi um levantamento que permitiu conhecer e controlar cada um dos talhões cultivados por nossos fornecedores. Cada parcela era medida, seu solo analisado e todos os pés plantados rigorosamente controlados em relação a origem do material, sanidade, tratos e produtividade. Lembro que muitos destes cadastros foram feitos pelo laboratório enológico que tinham Fábio e Adriano Miolo, jovens que se iniciavam na enologia e agora personagens da vitivinicultura brasileira moderna.
As planilhas permitiam controlar a produtividade baixa por pé de modo a garantir o máximo de maturação possível.
Programa de colheita e transporte das uvas: Agrônomos controlavam a evolução da maturação das uvas, determinavam o momento exato da colheita e fiscalizavam a forma correta de transporte até a cantina quando eram imediatamente processadas. Era necessário encurtar ao máximo o tempo da colheita e processamento.
Maceração: A Martini foi a primeira empresa em utilizar os maceradores rotativos que atuam como grandes betoneiras e que fazem a extração lenta e delicada dos componentes da cor, sem machucar a pele, sem retirar componentes indesejados.
Controle de extração de componentes: Usando a espectrofotometria conhecíamos o tipo e a evolução da retirada dos diferentes componentes como antocianos e taninos. Esta fase é vital porque determina a capacidade de guarda do futuro vinho. Não é qualquer vinho que “sobrevive” a anos de maturação em carvalho e envelhecimento na garrafa.
Maturação em carvalho: Neste item também a Martini foi pioneira porque foi a primeira vinícola a importar barricas de carvalho francês de 225 litros. Decidimos pelas francesas após um ano de testes comparativos com as de carvalho americano. A diferença é notória em termos de elegância e presença sutil da baunilha.
Tempo de maturação: Inicialmente estimada entre 8 e 10 meses, foi diferente de ano para ano. Não éramos nós que determinávamos, era o vinho. O de 1991 permaneceu por 18 meses. Foi necessário esse tempo para domá-lo.
Envelhecimento: Fase fundamental para dar complexidade aromática e maciez gustativa. Nesta o vinho “era esperado”, não havia prazos. Novamente o 91 foi o mais aguardado, somente chegou ao início do ciclo de consumo dois anos depois de engarrafado.
Em 1991 a Bacardi que não tinha tradição na produção de vinhos comprou a Martine e devido essa falta de expertise acabou direcionando os seus recursos para outros setores, levando a venda da De Lantier em 2005 para a Vinícola Perine. 
 O Vinho
Baron De Lantier, Cabernet Sauvignon, 1987.
 Primeiramente gostaria de ressaltar que a experiencia abaixo relatada visava somente verificar a em qual situação se encontrava o vinho depois de 32 anos.
 A garrafa permaneceu todo esses anos guardada em adega apropriada na posição deitada, ao pegar a garrafa foi observado diminuição do liquido, provavelmente absorvido pela rolha, por isso optei por utilizar um saca- rolhas de lâmina, para retirar a rolha com o mínimo de risco de danifica-la e para minha surpresa, estava em um estado muito bom de conservação, atestando a qualidade dos insumos utilizados pela De Lantier. A rolha estava completamente molhada, mas mantinha a consistência.
 
 
 
 
Como o vinho já se encontrava com uma idade bem avançada 32 anos e provavelmente a oxigenação iria causar uma degradação rápida, optei por não decantar e deixei uma taça para ver o efeito dessa interferência.
 
 
A cor, com muitos reflexos laranjas e limpidez muito boa.
 
 
 
 
 No nariz, terra molhada, ainda alguns aromas de frutas, compota de fruta negras, couro e uma madeira leve.
Na boca a surpresa. o vinho estava ainda vivo mesmo com 32, logicamente no seu auge, maduro e redondo, excelente acidez, leve madeira, taninos estavam ali e secou a minha boca, persistência boa e um final longo.
 A taça que ficou na aeração comprovou o que eu já esperava, a degradação foi rápida, 2 hs após o vinho já tinha perdido quase todas as suas características.
Enfim foi uma agradável experiencia em conhecer a história desse vinho que está ligada ao desenvolvimento da vitivinicultura no Brasil, em especial na região da Serra Gaúcha e a comprovação que podemos sim elaborar grandes vinhos.
 Parabéns à equipe da De Lantier pelo brilhante trabalho realizado.
 Nota da Coluna: O enólogo Adolfo Lona, atualmente é proprietário da Adolfo Lona Vinhos e Espumantes, localizada em Garibaldi, Serra Gaúcha, Rio Grande do Sul.
 
 

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    Nino Bellieny

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