Atafona além do avanço do mar
Jéssica Felipe 21/05/2017 13:57 - Atualizado em 25/05/2017 18:31
Atafona, SJB
Atafona, SJB / Jéssica Felipe
Como falar de Atafona? Será mesmo um moinho? Quais os ventos que sopram por essas bandas? São as histórias de pescador, a memória do trem, o desastre ambiental ou a beleza do cotidiano que se esconde em meio ao caos?
Atafona, distrito de São João da Barra, fundada por um pescador em 1622, é mais conhecida pelo fenômeno natural do avanço do mar, que desde a década de 50 tem levado diversas ruas e casas na localidade. Guarda também o patrimônio ambiental de ser foz do rio Paraíba do Sul e cenário histórico da economia, com a era do trem. Já foi visitada por figuras ilustres, que sempre aparecem para pesquisar, gravar ou se tratar. Há também a areia medicinal e colônia espiritual, que marcam outros aspectos do lugar. Por Atafona, já passou até disco voador, contam os populares. Mas, o que há por de traz das ruínas? Como vivem as pessoas desse balneário? Atafona vive, existe e resiste com seus sabores, cores e personalidades.
Um dos marcos da praia sanjoanense é o bolinho de aipim, servido no restaurante do Ricardinho, localizado ao lado da Igreja de Nossa Senhora da Penha em Atafona. “Vir a Atafona e não comer bolinho de aipim do Ricardinho é como ir a Roma e não visitar o Vaticano”, expressou Carlos Augusto ao aguardar o tão famoso bolinho na mesa do restaurante.
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O restaurante foi fundado em 1978 pela família de Ricardo Hissa, campista de coração atafonense, que escolheu o vilarejo para constituir sua família, seus amigos e empreendimentos. A receita veio da sogra do Ricardo, Minervina Pereira, que fazia os bolinhos em casa e passou os ensinamentos para filha Cristina, responsável até hoje pelo tempero do quitute.
Nem sempre o restaurante teve esse endereço, as primeiras versões, ficavam localizadas próximo ao Pontal e tristemente foram tomadas pelo mar. No atual endereço, o Ricardinho funciona há 20 anos.
Segundo a herdeira da receita, Camila Hissa, o bolinho não possui mistério. “É apenas a massa fresca do aipim, que não leva trigo e nenhum outro material de liga. A gente tempera e coloca o recheio, que também é fresquinho”. Camila, administra hoje o restaurante junto de seu esposo, o chef Lucas Miranda. O bolinho, antes só de camarão, carne seca e queijo, hoje sofreu algumas alterações, misturando recheios e recebendo deliciosos molhos, criações do chef Miranda.
Camila conta que o foco dos pais sempre foi trabalhar com pescados, por isso a preocupação atual do restaurante é manter a valorização dos produtos locais e serem reconhecidos pela especialidade em frutos do mar. Além de manter viva a memória do chefe da família. “Muitas pessoas vêm para Atafona para ver o que aconteceu e acabam escolhendo o lugar para gastar seu dinheiro, passar as férias. Atafona tem vida, se não tivesse, ninguém moraria aqui. O que aconteceu é triste, têm muitas histórias e lembranças envolvidas, mas trabalho segue”.
Ruínas servem de cenário para fotografias
A arte e poesia também podem ser respiradas no litoral sanjoanense. “Fazer as pessoas refletirem sobre si mesmas e sobre o lugar onde vivem”, essa é a tradução do artista contemporâneo Amauri Albinante, mais conhecido como Anjo Amauri, que utiliza da arte da fotografia para expressar suas emoções, crenças e ideologias. “Eu sei que para uns pode ser uma coisa triste e talvez desesperadora essa questão do avanço do mar que ocorre aqui. Mas para mim, que sou artista, desde sempre, todo esse caos me inspira. Eu consigo ver arte, beleza e poesia em meio a tudo isso que, especialmente também gosto de chamar de confusão. É uma fonte inesgotável de inspiração”, diz o fotógrafo amador.
Amauri, de 31 anos, é nascido em Nova Iguaçu, mas desde 94 tem São João da Barra como sua cidade mãe. Mesmo atualmente não morando em Atafona, é por esse local que o artista possui um apego em especial. Ele não gostava de foto, de tirá-las e nem de ser fotografado, muito pelo sentimento de preconceito que sofria, por ter uma deficiência no membro superior.
Atualmente, as ruínas de Atafona servem cenário para suas fotografias. O artista diz que consegue ver a arte, beleza e poesia em meio a tudo que tem acontecido. “As pessoas dizem que a natureza está errada. Mas e se ela estiver certa? Não somos nós que estamos sempre querendo tomar conta e posse do que de fato, sempre foi dela?”, opinou ao acrescentar que outros locais, como o balneário de Atafona, também servem de inspiração.
Sobre Atafona, Amauri deseja que essa situação da erosão marítima desperte mais atenção para a localidade, não só no sentido do problema em si, mas também para outras questões, como assistência básica e recursos públicos.
Criatividade de bar atrai olhares curiosos
“É uma mistura de roça e praia”. Com sorriso largo no rosto é assim que Nico define Atafona, lugar que escolheu para viver há 4 anos. Dono do bar mais criativo do distrito, ele se tornou uma poesia viva, por valorizar coisas simples e tratar quase tudo como arte.
Nico, atualmente com 46 anos, é um cara simples, que apesar de possuir ensino técnico, escolheu viver de forma independente e criativa. Antes de se fixar em Atafona, Nico administrava um bar em Campos. “Minha irmã tinha um terreno aqui (em Atafona), que acaba sendo meu também porque sempre nos demos muito bem. Então, eu vim para cá e comecei a colocar tudo do meu jeitinho. A ideia era manter o bar com todas as coisas que eu já havia feito”, contou Nico, que mora hoje na estrada da Imbiribeira, nos fundos do Balneário. “Essa estrada é linda. Quando cheguei aqui, coloquei a placa com o nome dela e fui montando minhas coisas. As pessoas estranharam (algumas estranham até hoje), mas muitas admiram e eu recebo muitas visitas. Tenho muitos amigos, até mesmo as pessoas que me conheciam de Campos”.
Para ele, Atafona tem memórias de situações muito tristes, de perdas, que ele mesmo já viveu (como por exemplo, o Pontal). Mas o que importa para o artista é a paz que o lugar o permitiu, é assim que Nico escolheu viver e espera retribuir.
Movimentos defendem recuperação de orla
O mar de Atafona continua avançando e muitos estudos sobre o tema foram realizados. Recentemente, o ex-deputado estadual Roberto Henriques, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias, apresentou ao governo municipal o Projeto de Recuperação da Orla da Praia de Atafona, processo que ainda está em avaliação. Em abril deste ano, a vereadora Sônia Pereira (PT) chegou a uma indicação ao poder Executivo, solicitando cópia do projeto apresentado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) para a recuperação da orla de Atafona. O objetivo, segundo ela, é analisar o material com os demais vereadores e tentar obter recursos com o governo federal para realização.
Movimentos sociais, como o SOS Atafona, fortalecem a luta de moradores e admiradores da praia, em prol de minimizar os impactos e exigir atenção por parte dos órgão públicos, para que Atafona não perca mais do que já perdeu. O movimento SOS Atafona, de cunho voluntário e social, existe há dois anos com a participação espontânea de moradores e utilitários da praia sanjoanense, com o objetivo de resgatar as condições de vivência no local. “Atualmente a prioridade do grupo tem sido a retirada da areia, mas há outros interesses, como a valorização da pesca artesanal, que fazem parte da bandeira de luta”, disse o advogado Geraldo Machado, que faz parte do movimento.
Enquanto isso, “bolinhos” vão consagrando a história dessa terra, que quanto mais perde, mais luta, mais cria, mais vive!

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