Capoeira em Campos: resistência, memória e luta por reconhecimento
Maria Laura Gomes - Atualizado em 27/09/2025 05:51
Divulgação
A capoeira, em Campos, não se limita ao jogo de corpo, música e ginga. Ela carrega uma história que atravessa terreiros, ruas e academias, sendo símbolo de resistência, identidade e preservação cultural do povo negro. Mais que prática física, é dança, luta e filosofia, capaz de formar cidadãos e abrir caminhos para a inclusão.
O subsecretário de Igualdade Racial e Direitos Humanos, Gilberto Júnior, o Totinho Capoeira, lembra que essa história não pode ser dissociada de suas origens negras e religiosas. “A capoeira tem raízes profundas nas manifestações culturais e de resistência do povo negro, especialmente nos terreiros, que eram centros de sociabilidade e preservação cultural em Campos dos Goytacazes”, disse Totinho.
Para ele, a transmissão precisa preservar a essência: “Agora, o grande problema da capoeira está em uma palavra, endoculturação. Essa palavra é fundamental para a capoeira (…) se isso não for transmitido da maneira a qual a capoeira inicia, a capoeira vai mudar uma modalidade esportiva e daqui a pouco vai virar uma luta, como o MMA, e vai perder todo o encanto da mágica, da dança, da mágica da brincadeira, da ludicidade e da mágica de ser a luta na hora que ela tem que ser a luta”, disse.
Totinho também critica tentativas de enquadrar a capoeira em moldes esportivos. “A arte não precisa ter padrão. A arte, a cultura, o campo filosófico que a capoeira proporciona para a gente, ela não tem que ser padronizada.” E acrescenta: “Não precisa padronizar para ir para a Olimpíada. É só você falar. Você tem regras, as regras têm que ser seguidas e cada um vai com aquilo que tem de arte. E chega lá e apresenta a sua arte”, contou.
Entre críticas e lembranças, ele resgata sua própria trajetória dentro da capoeira, marcada pela fé: “Comecei meu processo de endoculturação em 1990, no terreiro Tenda Espírita Capitão do Mar, com a orientação de Jorge Timóteo da Matinha e da entidade Menina da Estrada. Pouco depois, conheci o Mestre Toyota, que me levou a treinar capoeira. Em 1994, ele inaugurou a primeira academia no Jockey Clube, onde passamos a treinar oficialmente”, finalizou.
Para o professor de educação física e mestrando da Abadá-Capoeira, Sérgio Roberto Henriques de Sousa, o Mestrando Algodão, a capoeira é uma ferramenta transformadora. “A Roda de Capoeira é um Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, reconhecido pela UNESCO em 2014, essa arte brasileira já havia sido registrada como patrimônio cultural nacional pelo Iphan em 2008.” Ele defende seu lugar nas escolas: “A capoeira é uma grande ferramenta de inclusão, uma ferramenta de disciplina e a cara do Brasil. Seria uma grande ferramenta se estivesse nas escolas do município auxiliando na formação de crianças, jovens e adultos”, disse.
Mas, apesar de sua força cultural, a capoeira ainda enfrenta barreiras. “A falta de valorização vem da falta de conhecimento e da ignorância das pessoas. Hoje é muito mais fácil ter capoeira em escolas do Japão, da Inglaterra e da Alemanha do que em nossa terra. O preconceito, a ignorância ainda atrapalha muito”, explicou.
Segundo Algodão, os obstáculos são diários: “O professor de Capoeira quando sai de casa para dar sua aula enfrenta pelo menos cinco adversários: preconceito racial, preconceito social, preconceito profissional, preconceito religioso e uma classe desunida. O poder público não ajuda em absolutamente nada”, disse Algodão.
Entre memórias pessoais e críticas sociais, a capoeira segue resistindo em Campos. Ao som do berimbau, ela continua sendo arte, identidade e encantamento — uma roda que nunca se fecha.

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