Edgar Vianna de Andrade - No tempo da sandália e espada
*Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 26/02/2025 08:54
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Se minha infância foi povoada por filmes de capa e espada junto com filmes de mocinho e bandido, minha adolescência foi embebida em filmes de sandália e espada. Impedido pela censura de assistir a filmes adultos, o jeito era ir ao cinema com companheiros e mesmo com os pais assistir a filmes de Hércules, Maciste, Golias, Sansão etc. Nem falo das grandes produções com temas religiosos, mas daquelas películas inferiores geralmente saídas dos estúdios da Cinecittà, a famosa cidade italiana do cinema. Lá, foram produzidos filmes estadunidenses com orçamento elevado, como “Quo vadis” (1951) e “Ben-Hur” (1959).

Era o máximo de diversão ir aos cinemas de Padre Miguel, Bangu e Realengo assistir a esses filmes, também classificados como péplos (palavra grega que denomina túnica). Esses filmes tiveram o seu auge entre 1955 e 1965, dando lugar ao western spaghetti. Os grandes nomes desse subgênero são Mark Forest e Steve Reeves, homens musculosos que apareciam o tempo todo com o tórax nu ou coberto por uma túnica segura apenas num dos ombros. Os meninos queriam ser como eles.

Recorrendo à minha coleção de DVDs, com cerca de 3.500 títulos, selecionei alguns títulos para rever e talvez matar a saudade. São filmes horríveis. Os roteiros são mal escritos e cheios de incongruências. O desempenho dos artistas é sofrível. A fotografia não era das melhores, os efeitos especiais eram risíveis. A câmara era muito convencional. Mas, se hoje, percebo isso tudo, na época – entre 1957 e 1965 –, eu vibrava.

O roteiro tem quase sempre um núcleo duro. Existe um povo bom, com um rei justo, com uma rainha ou princesa linda para a época e sempre cobiçada por homens maus. Nesse contexto, entrava em cena o super-herói da mitologia para estabelecer a ordem, ser desejado pela princesa, dar beijos nela, mas ter de seguir seu caminho solitário. Tratava-se de um herói civilizador que não podia se ligar a ninguém.

Mas, nem sempre, esses homens fortes eram solitários e totalmente bons. Em “Golias e o dragão”, produção franco-italiana dirigida por Vittorio Cottafavi (1960), o herói era casado, sugerindo-se que cobiçava outra. Mas ele luta e fica com a família. Em “Hércules e a rainha da Lídia”, de Pietro Francisci (Itália, 1959), o herói mitológico é casado com a linda Sylva Koscina, sendo seduzido pela pérfida rainha da Lídia. Mas acaba perdoado. Afinal estava enfeitiçado. Em “Hércules, Sansão, Maciste e Ursus, os invencíveis”, dirigido por Giorgio Capitani (Itália, 1964) a mistura é total. Duas mitologias se encontram: a grega e a judaica. E não há o mínimo respeito a ambas. O resultado chega a ser cômico.

E os monstros? Os heróis não têm descanso. É muito perigoso entrar em cavernas. Aparecem dragões cuspindo fogo, serpentes com mais de uma cabeça, lagartos, monstros alados. Eles estão por toda parte, mas o herói liquida todos eles. Afinal, trata-se de um herói civilizador. Contudo, o apelo maior está nos encontros. Maciste sai da Itália num passeio (supõe-se) e acaba na Espanha, onde encontra Zorro (Zorro contra Maciste, Umberto Lenzi, Itália, 1963). Os dois estão em lados opostos, mas acabam amigos.

Hércules navega com companheiros numa jangada que acaba naufragando nas costas do Peru. Todos morrem, menos ele, que acaba no meio da luta entre Huascar e Ataualpa, no século XVI (Hercules contra os Filhos do Sol, Osvaldo Civirani, Itália, 1964). Sempre atento ao seu papel civilizatório, ele ajuda os adeptos de Huascar, liderados por Giuliano Gemma. Hércules introduz a roda, paliçadas móveis e a catapulta. Beija a mocinha e volta a sua terra.

Durante dez anos, os filmes de sandália e espada foram a alegria de adolescentes. Não vinha ao caso o respeito à mitologia e aos limites do possível. O que contava eram as proezas do herói.

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