O Festival Doces Palavras é um movimento cultural, mas também é um movimento de protesto - sua sigla não nega esse espírito crítico que pulsa desde a idealização seminal do FDP!.
Mas, para pensar sobre a importância desta sexta edição do nosso Festival, não quero falar de cultura, de identidade, de memória nem de representatividade. Quero falar sobre... gatos.
Não, eu não estou equivocado quanto ao tema. Definitivamente, não se trata de um simpósio veterinário sobre a vida de felinos indefesos, pelo contrário. Trata-se de uma reflexão que surge de uma expressão muito falada em nosso cotidiano.
Qual será o potencial de meia dúzia de gatos pingados? Para ser mais temático, eu preferiria gatos chuviscados, mas não quero perder a linha de raciocínio.
"Gatos pingados" é uma expressão que usamos para retratar, por exemplo, um grupo insignificante de pessoas, reunidas ou dispersas, mas que certamente não possuem qualquer influência ou relevância para mudar determinada realidade.
Será mesmo?
Lembro, em 2014, naquela Bienal do Livro de Campos, quando o saudoso utopista Hélio Coelho - com quem tanto aprendi - e o caríssimo utopista Vitor Menezes - com quem tanto aprendo - firmaram compromisso com Wainer Teixeira, então representante do poder público, a fim de realizar o primeiro FDP! no ano seguinte.
Aqueles gatos pingados se uniram para fazer um movimento ousado. Juntar a cultura literária e a cultura gastronômica de Campos para conceber algo feito por campistas e para campistas. Loucura. E, hoje, iniciamos a sexta edição do FDP!, não sem o espírito combativo que forjou o Festival.
Mas volto aos gatos pingados, tema central deste texto: o que seria de nossa sociedade sem eles? Um pequeno grupo que se debruça sobre utopias, muitas vezes, é capaz de dar significado e até mesmo concretude a elas.
Sem os gatos pingados, ficaríamos sempre nas mãos de felinos outros, que pensam serem donos do mundo apenas porque conseguiram uma pequena e temporária fatia de poder. Tolos.
Mal sabem que os gatos pingados, justamente por sobreviverem de suas próprias utopias, firmam suas patas nos sonhos e não arredam pé até conseguir. São insistentes esses bichos. “São”, não: somos insistentes.
Isso porque não há espaço para omissos nessa gataria. A realidade não nos permite deixar que uma falta de verba, uma ausência de cachê, um planejamento inexistente, uma desculpa esfarrapada forrada com palavras burocráticas ou mesmo a falta de vontade dos outros faça esmaecer o sonho. Pelo contrário: sonhamos mais alto. E nos agregamos ainda mais com tudo isso.
Quem diz que meia dúzia de gatos pingados é insignificante certamente não ouviu os miados insistentes na madrugada ou não imagina a agilidade com que podemos agir diante de injustiças.
Nosso grupo de aparentemente frágeis gatos pingados, que, até domingo, ocupará o Palácio da Cultura - abandonado há mais de 10 anos! -, nunca teve uma briga fácil, pois raramente possui qualquer pedaço de poder. Restam-nos, vira-latas, as migalhas que deixam cair os que se pensam poderosos.
Mas, das migalhas, fazemos um banquete, tanto que o FDP! não deixou de acontecer nem mesmo quando, em 2019, viraram as costas para nós às vésperas de nossa terceira edição.
Esta sexta edição chega com a urgência da sétima, pois cultura se faz com planejamento e com os olhos voltados para o que virá dando a devida importância ao que já passou. Isso quer dizer que não se faz um Festival do dia para a noite como quem tira um coelho da cartola (ou melhor... como quem tira um chuvisco do pote!).
Cultura se faz com métodos e políticas públicas estruturantes, o que exige empenho, boa vontade e pessoas qualificadas. E aqui estou eu, novamente, me desviando do tema deste texto.
Os gatos pingados que estarão no Palácio da Cultura a partir de hoje querem que você, leitor, faça parte do bando, pois, quanto mais gatos, melhor para fazer barulho ao pular de telhado em telhado enquanto pensam que somos apenas uma meia dúzia inofensiva.
Convido você a ocupar o Palácio da Cultura na sexta edição do Festival Doces Palavras, que começa neste dia 05 de novembro. E aproveito para dizer: a pré-produção da sétima já começou. Que venha 2027!
*Ronaldo Junior nasceu em março de 1996 no Rio de Janeiro. É bacharel em Direito, licenciado em Letras e escritor membro da Academia Campista de Letras, instituição da qual é o atual presidente. www.ronaldojuniorescritor.com.