Dicas elementares para explicar o Brasil no futuro
Ronaldo Junior
Ronaldo Henrique Barbosa Junior
Talvez ainda não, mas você já pensou como o Brasil do nosso tempo vai ser retratado nos livros do futuro? Como se referirão ao país com tantas aleatoriedades e tanto cinismo presente nas relações? Como explicarão as maracutaias cotidianas que enchem as páginas dos jornais e nos fazem ver que os ditos “santos” são justamente o contrário?

Impressionante, ainda no presente, é pensar que a reunião dos roteiristas que escrevem o cotidiano do país certamente é cercada por barracos, sadismo e, pasme, alguma previsibilidade.

Isso porque, nessa história, existem algumas reviravoltas revoltantes – como pessoas apoiando a gestão assassina de uma pandemia, com a nítida intenção de favorecer o vírus -, mas também existem muitas coisas que são mais do mesmo.

A eleição de um político ultraconservador pro mais alto cargo do Executivo nacional, por exemplo, não é nenhum plot twist num país construído sob os pilares da escravidão, das oligarquias e do jeitinho.

Isso, numa análise que não cabe neste espaço, desemboca nos retratos de intolerância que podemos presenciar todos os dias, com posturas que não condizem com o avançar dos tempos e com a concepção de ser humano. Nada justifica, mas nada surpreende.

Com isso, o retrato livre da nossa brasilidade mais parece uma casca bonita de uma face aterradoramente atrasada, intolerante e violenta. A liberdade alegre propagada na arte e no esporte é só uma forma de ocultarmos um passadismo encruado, que nos faz replicar padrões racistas, elitistas e heteronormativos – pra citar só três.

Explicar o Brasil de hoje, portanto, passa por compreender essas raízes e, principalmente, romper essa casca de hipocrisia que nos torna mais alegres e aprazíveis para o mundo – e pra alguns de nós que não se deram conta de onde estão vivendo.

No futuro, a explicação do Brasil atual certamente passa pela admissão de uma face vexaminosa da nossa brasilidade, com o obstáculo inacreditável de falar do país em que ninguém admite seus preconceitos e artimanhas, mas sabe sempre apontar exemplos diversos ao redor.

Fechados numa sala refrigerada com vista para o mar e adornada por um crucifixo, os roteiristas discutem rispidamente seus interesses com cerveja e churrasco à vontade. Na porta, uma placa: “SÓ FUNCIONAMOS MEIO EXPEDIENTE, VOLTE AMANHÔ.

*Esta crônica faz parte da série “Manual de desutilidades”, que tem como finalidade trazer reflexões críticas sobre questões cotidianas, brincando com o pragmatismo dos manuais de instruções – mas sem a pretensão de instruir ninguém.
**Ronaldo Junior tem 26 anos, é carioca, licenciando em Letras pelo IFF Campos Centro e escritor membro da Academia Campista de Letras. www.ronaldojuniorescritor.com
Escreve aos sábados no blog Extravio.

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    Ronaldo Junior

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    Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.