Notada ou não, a vastidão movediça das águas esteve sempre ali, a segregar a cidade, a deslocar as distâncias, a cortar ao meio a malha urbana que se formara paulatinamente ao redor. Cercado de prédios e ruas e árvores, o rio permanece oculto em suas margens, gigante não notado a habitar silenciosamente cada rotina.
Com isso, o imenso flume é apenas paisagem – mais um elemento a servir de referência nas localizações endereçadas. Numa vivência mais interessada, vai além: o Paraíba é sustento do pescador, esporte pro remador, diversão pro saltador.
O porém fica para as exceções: o acúmulo de água a espremer o rio pelas margens faz dele um evento. Deixa de ser paisagem para ser especulação. Novidade que movimenta o buchicho de quem não encontra ocupação mais interessante e vai para a beira-rio assistir à cheia do Paraíba.
Apoiados no dique ou mesmo espalhados pela calçada, os olhos curiosos passam a ver o que talvez nunca tenham notado, filmando o rio para compartilhar nas redes sociais e chamar ainda mais atenção para os acontecimentos fluviais, na contemplação da estranheza, do que está prestes a acontecer no cais.
Ou seria a iminência dos desastres que provoca os comentários e faz do rio influenciador natural-digital enquanto famílias perdem suas casas e ruas são fechadas por alagamento? Fato é que, entre a beleza e o perigo, as pessoas querem manter os olhos fixos para ver algo acontecer, na expectativa de qualquer centímetro elevado desencadear o transbordo.
E os dias passam, o nível das águas retorna ao patamar da tranquilidade, e o Paraíba do Sul, que leva na correnteza lendas e acontecimentos e traços de cidades inteiras, volta ao esquecimento paisagístico para quem só o nota em tempos de cheia.
Texto escrito em 13 de janeiro de 2022
Escreve aos sábados no blog Extravio.
ÚLTIMAS NOTÍCIAS
Sobre o autor
Ronaldo Junior
[email protected]Professor e membro da Academia Campista de Letras. Neste blog: Entre as ideias que se extraviam pelos dias, as palavras são um retrato do cotidiano.