Arthur Soffiati - Reconhecimento do rio Urubu
Ainda hoje confundimos conhecimento com o que a ciência informa como verdade. Conhecimento é sinônimo de ciência ocidental. Aliás, ciência só pode ser ocidental. Assim, basta a palavra ciência, pois ela já traz embutida a ideia de que é ocidental. Só o ocidente desenvolveu ciência, a partir do século XVIII. As outras formas de conhecer são empíricas. Só são aceitas se a verdadeira ciência as confirmar ou lhes conferir o apuro científico.
Sabemos, hoje, que a ciência iluminista construída na Europa ocidental a partir do século XVIII está sendo contestada pela nova ciência europeia. Estudos sobre a natureza vêm revelando que as plantas desenvolvem conhecimento. Elas reconhecem ambientes favoráveis para crescer e se reproduzir. Se esses ambientes mudam, elas buscam o ambiente original, adaptam-se ao novo ambiente ou morrem. O mesmo acontece com espécies animais, embora de forma mais rápida quando se trata de se deslocar junto com o ambiente. Se não há como andar com ele, os animais se adaptam ao novo ambiente ou morrem. Extinção é também uma forma de conhecimento.
Em todas as culturas do planeta, o ser humano desenvolve saberes. Aprender a fabricar o fogo, as ferramentas, as pinturas e esculturas, a agricultura, a domesticação de animais, a cerâmica, a roda, as cidades exige conhecimento e experimentação.
Em se tratando das terras desconhecidas pelos europeus até o século XV, o conhecimento desenvolvido por conta própria ou tomado de empréstimo aos chamados povos nativos foi de fundamental importância para o dominador. Uma caravela não entrava num rio pequeno como as pequenas embarcações construídas pelos povos nativos. Os europeus tomaram esse conhecimento emprestado, como mostra Sérgio Buarque de Holanda.
No atual Norte-Noroeste fluminense, o conhecimento do território pelos europeus começou na zona costeira. A partir dela, os pioneiros foram penetrando no interior, conhecido como sertão. Havia vários sertões nas terras baixas e altas. Os rios ajudaram a penetração. Os europeus tinham também uma tecnologia chamada cartografia, que consistia em representar o terreno com desenhos, não apenas com palavras. Mas não eram todas as pessoas que sabiam desenhar e ler cartas e mapas. Assim, alguns se especializaram em cartografia. Nem todos os mapas também eram corretos. Talvez nenhum seja ainda hoje, mesmo os traçados com a mais alta tecnologia. Assim, um cartógrafo corrige o outro ou acrescenta uma informação nova em mapas antigos.
No caso do rio Urubu, ainda desconhecido de muitas pessoas – leigas ou especialistas – seu conhecimento custou tempo. Certamente, as plantas, os animais e os povos nativos já o conheciam. Mas ele demorou a figurar nos relatos e desenhos da ciência desenvolvida por europeus.
Trata-se de um pequeno rio que corre quase paralelo ao rio Imbé e, como este, desemboca na lagoa de Cima. Por ser grande, o rio Imbé é mais conhecido que o Urubu. O mapa da Capitania do Rio de Janeiro, desenhado por Francisco Roscio, em 1777, só registra o rio Imbé. O mesmo acontece com o detalhado mapa desenhado por Manoel Martins do Couto Reis, em 1785. Ele apenas assinala o Urubu com um pequeno risco, sem registrar seu nome. Ele apenas escreve que existe outro rio Preto além daquele que desemboca no rio Paraíba do Sul. Esse rio parece corresponder ao Urubu na sua descrição, porque nasce ao norte do rio Macabu e morre na lagoa de Cima, bem próximo da foz do Imbé.
Contando com mais informações, José Alexandre Teixeira de Mello escreveu no livro “Campos dos Goitacases em 1881” (Rio de Janeiro: Laemmert, 1886) que rio Urubu nasce na Serra do Quimbira, na Freguesia de Santa Rita, desembocando também na lagoa de Cima. É navegável por pequenas canoas numa extensão de 45 quilômetros. Antes de Teixeira de Mello, o rio, em toda sua extensão, foi registrado por Pedro D’Alcantara Bellegarde e Conrado Jacob Niemeyer na “Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro” (1858-61). Ambos foram os maiores cartógrafos do Segundo Reinado.
O rio Urubu aparece nascendo numa cadeia montanhosa no âmbito do Sertão de Quimbira. Ele foi registrado com o nome de Urubu ou Quimbira. Aparecem seus pequenos afluentes sem os nomes. Se, de fato, foi navegável por 45 quilômetros, ainda que por pequenas canoas, pode-se supor que essa navegação se destinava ao transporte de árvores cortadas para lenha e madeira, sobretudo a caxeta, bastante usada pelas usinas e engenhos centrais. Seu escoamento seria feito pela lagoa de Cima e, desta, pelo rio Ururaí até o canal Campos-Macaé e lagoa Feia.
A partir de 1940, o Departamento Nacional de Obras e Saneamento transformou o rio Urubu numa vala em que um antigo rio mal é reconhecido.