Cinema - Cento e dez anos passados
*Edgar Vianna de Andrade - Atualizado em 09/08/2021 14:50
Inferno (“L'Inferno”), filme italiano dirigido por Giuseppe de Liguoro em 1911, é um primor do cinema. Sua produção consumiu três anos e se inspirou no “Inferno”, de Dante, a primeira parte do clássico “A divina comédia”, escrita no século XIV. O filme ficou perdido por cem anos. Foi o filme mais caro de sua época.
Não cabe comentar o roteiro porque ele é bastante conhecido. O que cabe é apreciar a fotografia e os efeitos especiais. Todo ele inspirado nas ilustrações de Gustave Doré para o livro, o primeiro aspecto a chamar a atenção é o contraste do preto e do branco. Geralmente, mas não o tempo todo, a paisagem é escura. As pessoas, com sua pele e vestimentas, são claras, de uma brancura luminosa. Dante usa uma roupa escura. Virgílio, seu guia, usa vestimenta branca. Beatriz, numa rápida aparição, é de um branco luminoso.
Ao sair de um floresta, como narra o livro, Dante é barrado por três feras que representam a avareza, o orgulho e a luxúria. Com ajuda de Virgílio, ele visita o inferno na primeira adaptação da primeira parte do grande poema na segurança do companheiro. A civilização ocidental cristã é a melhor síntese do judaísmo e do helenismo. Ora o inferno é grego, ora é cristão. Os virtuosos que nasceram antes de Cristo, como Homero, por exemplo, foram mandados para o inferno, mas não sofrem os castigos infligidos aos cristãos pecadores. Eles não podiam se converter a uma religião que ainda não existia.
O famoso episódio de Francesca da Rimini, a mulher que se apaixonou por seu cunhado e traiu o marido, é representado por uma italiana opulenta. As tristes histórias do Conde Ugolino e de Pedro de Vigna merecem destaque especial. Maomé e Helena de Troia estão no inferno. Não sei se o filme pretendeu exaltar o cristianismo. Imagino que deve ter assustado muito o público.
Quanto aos efeitos especiais, a superposição de imagens e a técnica do stop-motion foram muito bem usadas. Logo no início, Beatriz alça voo depois de conversar com Virgílio. Em seguida, são almas penadas que voam nas alturas. Em “Uma noite no Monte Calvo”, a mais aterrorizante animação de Disney, espectros também aparecem voando. Serpentes que se movem de forma convincente. Condenados, enterrados de cabeça para baixo até a cintura, mexem as pernas e têm as solas dos pés açoitadas. Rios poluídos, pontes, pessoas que seguram a própria cabeça decepada, o Demônio, que come pessoas. Tudo é muito assustador.
A produção custou mais de 100.000 liras, mas foi um sucesso de bilheteria. Foi exibida nos Estados Unidos com corte de algumas cenas infernais e de uma mulher com o seio nu. Na versão a que assisti, esses cortes foram mantidos. Era comum uma película sofrer várias edições antigamente. Mas, também nos Estados Unidos, o sucesso foi tremendo. Algumas cenas do filme foram, inclusive, aproveitadas em outros produzidos lá.
Em 68 minutos, a Itália barbarizou. A trilha sonora adicionada é do Tangerine Dream e não acrescenta muito. Dessa magnitude, lembro-me apenas de “Cabiria”, de 1914, com direção de Giovanni Pastrone, também na Itália. Mas Giuseppe de Liguoro acerta muito mais a mão em “O inferno”, dando um show de estética que, ainda hoje, comove aquele que aprecia a arte do cinema.

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