Eu venho lá da Baixada da Égua
—Esse cabrunco dessa pandemia...cába não.
Falava — meio que sozinho — o homem sentado no entrono do pelourinho, no Boulevard Francisco de Paula Carneiro, em frente à agência da Caixa Econômica. Ele era baixo, troncudo, usava uma camisa de botão aberta até a boca do estômago. Pele corada, olhos desconfiados. A máscara o incomodava bastante, mas resistia. Esperava pacientemente, documento de identidade em uma das mãos, a outra, de punhos fechados, escorava-se na perna direita. Logo se sentou ao seu lado, guardado o distanciamento necessário, um rapaz de envelope pardo em mãos.
—Simininu, tá podendo entrar no banco aí?
—Oi senhor? Ah, acho que está sim — disse o rapaz deixando de olhar o celular por um segundo.
—Vim lá de Donana, dando esbarroão na turma na van, pra receber o dinheiro do governo. O dinheiro que estão dando a nós, sabe?
—Sim, sim...
—Pois é. Até que o tisgo desse Bolsonaro está fazendo alguma coisa. Lamparão aquele sujeito.

O rapaz, que já havia formados seus (pré) conceitos sobre o sujeito, o imaginava eleitor do presidente por ter achado ele tosco e sem estudo; ficou surpreso. Deixou de lado o tom monossilábico e a digitação no celular, com a cabeça baixa, e prosseguiu a conversa:

—Tenho uma tia que mora em Donana.
—Dáonde! É quem sua tia?
—Acho que o senhor não conhece. Ela é conhecida lá como Nenê. Mora perto da Igreja Nossa Senhora do Rosário.
—Capaz que não conheço, simininu! Dona Nenê, tem um pé de anoze na frente da casa, não tem? Na baixada da égua tem pouca gente que não conheço. O catiço do marido dela sumiu um tempo, não foi?
—Foi, foi. Adorava ir lá. Faz tempo que não vou.
—Ah, Donana é de pocar. Saio de lá não. Terra boa. Até nesse calor garrutio, lá corre um ventinho. Sabe que Campos começô lá na baixada né? Domingo agora é 28 de março, né? Antão. Essa praça aqui veio depois. Bem depois. Lá que começô o negócio.

O rapaz estranhava as palavras. Não viveu as raízes de uma cidade que nasceu de fato nos anos 1650 e ainda carrega consigo a “língua velha”, anteriormente um motivo de vergonha, mas com o passar do tempo é vista como fonte de identidade e orgulho. O universo linguístico da baixada campista representa a identidade campista. Reflete a criação popular que dialoga com a paisagem física e social, uma ressonância melódica da vida rural, da agricultura, da pesca. E as formas inusitadas nos falares da planície, da mítica baixada da égua, trazem as características psicológicas, os hábitos, as tradições e a maneira de ser de uma gente humilde, laboriosa, comunicativa, mas maliciosamente desconfiada.

—Senhor, desculpa, mas vou precisar entrar no banco. Combinei de deixar meu currículo. Mas foi ótimo conversar com o senhor, muitas lembranças vieram aqui para mim — disse ajeitando a máscara e olhando para o relógio no pulso, simulando estar preocupado com a hora, mas já havia verificado no celular.
—Vai simininu, vai sim. Daqui a pouquinho vô lá. Tô esperando o tolemado do meu cunhado, que mora aqui em Campos. Dijaojinha a gente combino tudinho. Ah, encontrando aquela tisga da Nenê vô falar que conheci o sobrinho dela. Vai dá um pulo pra trás! — disse rindo. 
—Isso aí. Um abraço para o senhor!
—Outro, meu filho. Outro.

Mais uma vez sozinho, o senhor pensou alto — Dona Nenê tão conversadêra, o sobrinho vergonhoso. Tá procurando trabalho, coitado. É esse vírus lampioso. Capaz de encontrar com ele lá dentro de novo. Vou mexê com ele — Pensou mais um pouco e continuou — Larga disso. Vô não. Vai ficar com vergonha do matuto aqui. Esse pessoal de Campos é assim mesmo...mas na hora da eleição vai tudo pra lá. Fica tudo doido. Mas quem decide é nós mesmo, lá na terra dos coroné e dos lubisomi.

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    Edmundo Siqueira

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