Verônica Nascimento
29/07/2020 12:35 - Atualizado em 08/08/2020 03:36
Pesquisas resultam em novas técnicas de cirurgia
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Genilson Pessanha
Referência nacional e de reconhecimento internacional, o trabalho realizado no Laboratório de Clínica e Cirurgia Animal (LCCA) da Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) vem salvando a vida de animais do Brasil e até do exterior. E, mais do que manter a sanidade das pessoas, ajudando-as a terem a seu lado, saudável e por mais tempo, o seu bicho preferido, professores e alunos do LCCA, que atuam na Unidade de Experimentação Animal (UEA), dentro de severas normas de proteção, desenvolvem pesquisas que resultam em novas técnicas e materiais que acabam criando ou aperfeiçoando procedimentos cirúrgicos empregados também em humanos. Os professores que atuam na UEA são vinculados ao Centro de Ciências e Tecnologias Agropecuárias (CCTA) e ao Centro de Biociências e Biotecnologia (CBB) e desenvolvem pesquisas que auxiliam os veterinários a resolverem, na unidade, casos de alta complexidade que extrapolam o atendimento oferecido não só no Hospital Veterinário da universidade como em clínicas veterinárias do município, do estado, do país e até do continente latino-americano.
Atendimentos e cirurgias, assim como estudos e pesquisas, são coordenados pelos professores André Lacerda de Abreu Oliveira e Fernanda Antunes. O prédio da UEA e os equipamentos de ponta do laboratório (como o tomógrafo, equipamentos de microcirurgia, videocirurgia e cirurgia cardíaca) foram custeados com verbas de fundos e instituições de apoio à pesquisa científica, como a Faperj. E não só os apaixonados por Veterinária buscam especialização no LCCA. Médicos, como o cirurgião Vilson Batista, encontram lá um campo vasto para novas descobertas que venham a beneficiar seus pacientes. Em 2007, por exemplo, uma técnica empregada em cadelas e porcas foi criada na Uenf e virou tecnologia inédita no mundo para a realização de cirurgias abdominais em humanos.
Ciência e inovação à parte, é por socorro para seus “pets” que a comunidade recorre primeiramente à Unidade de Experimentação Animal. “Hoje as pessoas vivem muito sozinhas e ter um bichinho de estimação torna-se um importante elo de afeto. Temos uma lista de procedimentos complexos que realizamos, como a extracorpórea, que nos permite realizar cirurgias intracardíacas, neurocirurgias, cirurgias laparoscópicas, cirurgias ortopédicas complexas e microcirurgia, entre outros. Aqui a gente atende o que é diferente, complicado. Enquanto universidade, conseguimos dar esse apoio, socorro à comunidade, ao mesmo tempo em que, através da pesquisa, desenvolvemos novos materiais e procedimentos que diminuem o sofrimento e salvam vidas desses animais, mas que também geram novas tecnologias para ajudar as pessoas”, declarou o professor André, que, diplomado pelo Colégio Brasileiro de Cirurgia, é um dos 16 especialistas em cirurgia do Brasil (quatro deles, Fábio Queiroz, Renato Moran, Jussara Peters e Hércules Gomes, ex-alunos da Uenf) e atualmente preside a Sociedade Latino Americana de Cirurgia.
— Trabalhar no setor de cirurgia não é só uma realização profissional, mas um desafio também. Os animais chegam aqui instáveis, muitas vezes em condições clínicas que impossibilitam qualquer procedimento clínico-cirúrgico. Então, pensamos e elaboramos resoluções improváveis. Muitas soluções são inviáveis, sob o ponto de vista financeiro, e estar em uma universidade torna esse fator menos importante. Cobramos o mínimo possível e, na grande maioria das vezes, obtemos êxito — comentou a professora Fernanda.
Procedimento bem-sucedido em humanos
Setor de excelência em veterinária — único da América Latina que faz extracorpórea em veterinária e único do estado do Rio com serviço de microcirurgia em veterinária —, na Unidade de Experimentação Animal da Uenf, ano passado, foi feita a primeira cirurgia de hipófise do Brasil. “Realizamos a videocirurgia com o uso de um exoscópio cedido pela empresa Stattner e contamos com a ajuda dos doutores Renato Moran, ex--orientado e graduando da Uenf e reconhecido neurocirurgião veterinário do Brasil, e Richard Filgueiras, atual presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgia Veterinária. O projeto surgiu da necessidade de realizar hipofisectomia transesfenoidal em pequenos animais, para retirada de tumor da hipófise, glândula endócrina que fica na parte inferior do cérebro”, contou André Lacerda.
Também de pesquisa do LCCA, através de procedimentos testados com sucesso em cadelas e porcas, surgiram vários pontos inéditos da cirurgia endoscópica transluminal por orifícios naturais, conhecida como Notes (Natural Orifice Transluminal Endoscopic Surgery). A técnica dispensa incisões (cortes) no abdômen, com a introdução de instrumentos cirúrgicos pela boca, vagina ou reto, reduzindo riscos do pós-operatório e possibilitando uma recuperação mais rápida. Em 2007, a Notes foi feita em um ser humano pela primeira vez no mundo.
— Fizemos o trabalho inédito com a técnica de Notes em animais e humanos. O médico Ricardo Zorrón, que fazia como o pós-doutoramento e diversos projetos de pesquisa, nos auxiliou no desenvolvimento desse modelo experimental, que ele aplicou na remoção de vesícula de uma paciente, no Hospital Universitário de Teresópolis. Publicamos o artigo, que ainda hoje é o mais citado na área de cirurgia humana no mundo. Zorrón é um médico brasileiro que ganhou fama internacional e agora atua na área de robótica e cirurgia bariátrica, na Universidade de Berlim, Alemanha. Ele ainda desenvolve pesquisas com a gente”, destacou André.
Yorkshire de MG passou por cirurgia na Uenf
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Divulgação
Yorkshire veio de MG para receber prótese
Fernanda cita o caso de Ziggs, um yorkshire que teve necrose de oito anéis traqueais. “O cãozinho estava com colapso de traqueia e com paralisia de laringe, apresentando necrose de vários anéis traqueais devido a um processo infeccioso, com perda de parte da traqueia. Qualquer um indicaria a eutanásia, mas André teve a ideia de colocar essa prótese vascular, que foi adaptada para tal situação. E, assim, o Ziggs foi salvo”, esclareceu a anestesista e pesquisadora em clínica e cirurgia animal da UEA.
Dona do yorkshire, Quenia Ranquini Brun elogiou a equipe que operou seu cão em junho do ano passado. “Quando Ziggs teve a crise, corri de Juiz de Fora (MG) para Campos, rezando para ele não morrer na viagem. A equipe da Uenf foi fantástica, a operação foi um sucesso.
Ziggs ficou quase 20 dias internado e me alertaram que não havia como dar uma expectativa de vida, porque o procedimento nunca havia sido feito em animais de pequeno porte e o caso dele era muito grave. Mas ele ficou super bem”.
Alterações no quadro de Ziggs, que não puderam ser resolvidas em Juiz de Fora, provocaram a morte do animal. “Infelizmente, Ziggs teve outro problema respiratório e morreu no final do ano passado. Nos dias anteriores ele estava bem, ativo, brincando. Foi de repente. Ele precisava de uma cirurgia torácica, que não tinha na minha cidade. Ia ser operado de novo por André e Fernanda, mas não deu tempo. Mas sou muito agradecida pelo trabalho maravilhoso que fizeram com ele na Uenf e que me proporcionou um tempo a mais com meu cachorrinho”, complementou Quenia.
André explicou que a prótese usada em Ziggs foi a extraluminal em nitinol para colapso de traqueia, inventada na Uenf há seis anos. “O colapso de traqueia é muito comum em animais de pequeno porte e essa prótese é única. Ela passou a ser fabricada em 2016, por uma empresa de Santa Catarina e é usada do mundo inteiro”.
Médicos e veterinários trocam experiências
Os trabalhos do LCCA e procedimentos realizados na UEA têm atraído profissionais da medicina para especialização em cirurgia animal. O desenvolvimento da Notes, por exemplo, que levou a uma variação da técnica sleeve, chamou a atenção do médico Vison Leite Batista, que atua na cirurgia geral, do aparelho digestivo, bariátrica e de videolaparoscopia nos municípios de Campos e São João da Barra.
— Não existe SUS para animais. Então, tudo na UEA é com verbas para pesquisas. Essa parte da veterinária é muito avançada, envolve biologia molecular, genética, e todos lutam muito para diminuir o sofrimento e salvar a vida de animais que são levados para o Hospital Veterinário da Uenf. Fazem reconstrução de traqueia animal, cirurgias cardíacas, pesquisam hipertensão, oncologia canina: tem um mundo dentro da Uenf, tanto em equipamentos como em ciência, e as pessoas não têm conhecimento disso. Tem animais que vêm de outros países para serem operados na UEA. André é pioneiro em videolaparoscopia em animais, técnica usada em humanos há mais de 30 anos. Agora, estamos aprimorando essa técnica — contou o cirurgião.
A pesquisa que o professor da Faculdade de Medicina de Campos e coordenador do Serviço de Cirurgia do Hospital Unimed está desenvolvendo no doutorado da Uenf pode, segundo o especialista André Lacerda, “revolucionar a cirurgia bariátrica”.
— André enxergou que essa troca de experiência seria benéfica tanto para médicos como para veterinários e foi montado, na UEA, um laboratório de cirurgia experimental animal, com equipamentos similares ou até de melhor qualidade do que os de muitos hospitais. Sabemos que essas cirurgias experimentais, para serem realizadas hoje em dia, devem seguir um alto padrão de exigências que visam, sobretudo, proteger a saúde do animal. Eu queria muito fazer um doutorado e não conseguiria treinar novas técnicas a não ser na UEA. O limitador da cirurgia bariátrica hoje é o alto custo do material, algo em torno de R$ 9 mil e R$ 10 mil. Estamos desenvolvendo uma nova tecnologia que visa diminuir os custos atuais e oferecer o mesmo resultado da técnica já consagrada de sleeve, bariátrica geralmente feita por videolaparoscopia, com a retirada de parte do estômago — divulgou o médico.