Fernando Rossi: Teatro da política e atores desprestigiados
Fernando Rossi 01/07/2020 16:46 - Atualizado em 24/07/2020 18:33
Dizem alguns que a Revolução Francesa começou quando um jovem ator subiu numa mesa de um parque, no centro de Paris, e conclamou o povo a lutar contra a tirania. Poucas horas depois, se tomava a Bastilha. O teatro andava junto com a política. O jogo cênico dos novos atores, entre os quais se destacou “Talma”, era o mesmo jogo dos novos políticos ou oradores. Com o fim da política absolutista, morria o teatro clássico. Começava a política democrática, surgia um teatro no qual a verdade vinha do coração, do íntimo das pessoas.
Nossos políticos, porém, nada têm em comum com a arte de encenar de nossos atores. Assistam a uma novela e vejam, antes dela, os políticos falando nos noticiários da televisão. Os atores de hoje são descontraídos, leves. Já os políticos se mostram pesados, sérios, com fisionomia sempre dura, ostentando enorme seriedade. Parece ter uma couraça dentro de si. Isso cria um problema para os políticos. O teatro que fazem não conquista mais o público. Não convence, não atrai. Eles estão atrasados em seu jogo cênico, pelo menos três ou quatro décadas.
Hoje, no Brasil, se desconfia da profissão política. É paradoxal: votamos neles, mas não os elogiamos. Todos os parlamentares têm eleitores e poucos admiradores. O desprestígio dos políticos deve-se bastante a seu desempenho, geralmente fraco. Mas vem, sobretudo, de uma razão mais profunda. Eles perderam o pé no mundo em que estamos. Falei do jogo cênico. O que diferencia um bom ator brasileiro de um mau político brasileiro? Há uma linguagem mais direta no ator que no político. Declinaram as expressões grandiosas, os gestos enfáticos, enfim, tudo o que o século XIX construiu para exprimir, em alto e bom som, a verdade do coração. Continuamos, sim, acreditando na verdade do coração, nos méritos da intimidade, mas não dando mais créditos aos modos antigos de expressar isso. O registro elevado deu lugar a falas mais íntimas, intimidade até. Esta intimidade deixou de ser grandiosa. Precisa ser espontânea. Ora, o terno, a gravata e inúmeros outros sinais de respeitabilidade não têm mais como nos parecerem espontâneos. Soam empertigados, rígidos.
Daí que nossos representantes do povo representem mal, não só o povo, mas também para o povo. Estou lidando com dois sentidos de representar. Um é político, jurídico, constitucional: o político representa o povo. O outro é artístico, teatral: O político faz uma representação para o povo. Encena uma peça para nós.
Aliás, isso começou antes da Revolução Francesa. Desde Luís XIV, os reis da França encenavam seu cotidiano num minucioso ritual regido pela etiqueta, causando nos súditos um misto de admiração e de respeito temeroso. Em 1789, porém, esse teatro da corte faliu, deixou de atrair, assim como em nosso tempo a teatralidade dos políticos já não conquista multidões.
Os Césares romanos davam à plebe pão e circo. Aqui, sendo o pão tão prosaico, queremos saber os segredos de quem vive no circo. São seus gestos que montam os modos como o Brasil expressa seus sentimentos, solta a voz. Para usar o jargão de jornal, são eles que nos “pautam”, que nos dão a linguagem para reconhecermos os outros e a nós mesmos.
Por que então os políticos se esvaziaram tanto em seu poder de sedução, e seu teatrinho se tornou tão chinfrim? Nos dois sentidos da expressão: porque além de seu desempenho ser ruim, eles, os políticos, não despertam o nosso desejo. Que lições tirar disso? Vejo duas. Uma, para os políticos: está na hora de perceberem que há limites sérios para sua credibilidade. Mesmo quando tentam ser esperto, erram. A segunda é muito inquietante. Por que continuamos a eleger pessoas de quem não confiamos? Por que elegemos pessoas de quem não compraríamos um carro usado? Por que deixamos a política nas mãos de quem congela nossos desejos? Pior que isso: Por que, mesmo quando elegemos sangue novo, gente testada fora da política, essas pessoas acabam engolidas ou esvaziadas pelo sistema? Talvez esteja na hora de mudar a representação. Isso depende de nós, que somos uma plateia insatisfeita, mas um eleitorado conformado, resignado. Não basta vaiar de vez em quando. É preciso parar de comprar ingressos para um espetáculo cuja data de validade venceu.

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