Na Ribalta: 'O Mendigo ou O Cachorro Morto', de Bertold Brecht, em 'Leituras Santas'
Fernando Rossi 26/06/2020 18:34 - Atualizado em 24/07/2020 18:30
Escrita entre 1919 e 1020, após o final da Primeira Guerra Mundial, é ditada pela atmosfera do momento histórico da época. Trata de um diálogo entre um imperador que retorna vitorioso da guerra e um mendigo cego que se encontra sentado na entrada da cidade onde ocorrerá a festa da vitória. Devido à sua condição visual, até o fim da peça, o mendigo não sabe com quem está falando. Ele conversa com o imperador como quem conversa com qualquer um. Por isso, estudiosos defendem que este não é um texto que trata da luta de classes e da relação burguesia/proletariado, mas de uma advertência a respeito do que poderia acontecer nas próximas décadas: o nazismo. No ano em que a peça foi escrita, o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães (Nazista) já trabalhava suas bases. Os canais de informação e as análises políticas as quais Brecht tinha acesso poderiam, facilmente, possibilitar uma visão de futuro que gerasse a necessidade de um texto.
A peça, assim, pode representar um alerta para qualquer sociedade, de que as atmosferas sócio-econômicas e culturais geradas em movimentos de crise podem resultar em sistemas totalitários e governos ditatoriais intolerantes.
Ao longo da peça, o mendigo conta diversas histórias ao imperador. Na primeira, põe em dúvida a vitória do imperador por meio de uma batalha, e sugere que os inimigos foram derrotados pelas areias do deserto. Na segunda, conta o caso da praga dos ratos no milharal que invadem os povoados e mordem as pessoas. Na terceira, após negar que existe História, narra a incrível história de Napoleão, o cabeçudo. Na quarta, fala do morto e sua mão forte. Na quinta, relata a façanha do cachorro que lhe salvou a vida, e na sexta, conta a vida ilusória do homem roubado pela mulher.
É possível que cada história tenha uma intenção ou moral subliminar, mas nada garante que essa leitura seja sustentável pelo texto.
Entre as histórias, há um sequência de diálogos que mantêm a conversação e agregam um tom de jogo verbal ao texto.
É possível que o percurso da peça demonstre o processo de ascensão de Hitler, segundo a análise política que Brecht fazia do momento vivido pela Alemanha. Mostrando que, inicialmente, o imperador ainda reserva uma tolerância em relação ao mendigo, mas que, ao longo da peça, esta vai dando lugar a um sentimento de raiva e intolerância.
“O Mendigo e a Cachorro Morto” despertam-nos para o desafio de estimular o público a assimilar a mensagem de se precaverem contra a formação de ambiente de autoritarismo.
Este foi o texto escolhido para abrir a programação de julho no projeto "Leituras Santas", promovido pela Santa Paciência Casa Criativa. O projeto iniciou no dia 3 de junho, com o texto “Antígona” de Sófocles. Consiste em leituras de textos dramáticos realizado por atores locais, todas as quartas, às 20h, no Instagram @santapacienciacasacriativaetes.

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