Garotinho e a sombra das ONGs
Aldir Sales 16/11/2019 13:44 - Atualizado em 22/11/2019 14:14
Uma das imagens mais marcantes da política brasileira na última década foi protagonizada pelo ex-governador Anthony Garotinho em 2006. O ex-governador fez uma greve de fome que durou 11 dias depois de uma série de reportagens de diversos veículos de imprensa apontar que Organizações Não Governamentais (ONGs) contratadas pela sua esposa e então governadora Rosinha Garotinho tinham sócios em comum com doadores para sua pré-campanha à presidência da República pelo PMDB. Na última semana, 13 anos após o episódio, o Ministério Público (MP) denunciou o casal por suspeita do desvio de R$ 650 mil dos cofres públicos através de ONGs naquele ano.
Desde o episódio da greve de fome, a carreira política de Garotinho entrou em parafuso. O PMDB desistiu de candidatura própria à presidência para apoiar a reeleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2006. Ele deixou a legenda, em 2009, após desentendimentos com o então governador Sérgio Cabral e abriu de uma eventual corrida ao Palácio Guanabara para ser elei-to deputado federal no ano seguinte. Este foi último mandato do político da Lapa, que ainda tentou voltar ao Governo do Estado duas vezes. Em 2014 sequer chegou ao segundo turno e, em 2018, acabou barrado pela Lei da Ficha Limpa.
Além disso, Anthony Garotinho também viu sua situação jurídica se complicar neste meio tempo, com diversos escândalos de corrupção, denúncias e cinco prisões, além de condenações na Justiça. Uma delas aponta outra ligação umbilical do casal Garotinho com as ONGs.
Os dois foram condenados no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), pelo desvio de R$ 234 milhões da Saúde, através de um esquema também com ONGs, durante a administração Rosinha à frente do Governo do Estado. No mesmo período, ele era secretário estadual de Governo.
Na denúncia da última semana, o MP diz que o casal chefiou uma associação criminosa. A promotoria afirma, ainda, que a então governadora Rosinha assinou um decreto determinando que os órgãos estaduais só poderiam contratar funcionários terceirizados a partir da Fundação Escola de Serviço Público do Estado do Rio (Fesp).
No entanto, segundo o Ministério Público, a Fesp não teria mão de obra qualificada para os serviços necessários e, por sua vez, subcontratava ONGs sem licitações. O MP afirma na denúncia, ainda, que estas ONGs repassavam parte do dinheiro que recebiam para empresas de fachada, que, por sua vez, faziam doações ao diretório fluminense do PMDB, então presidido por Garotinho, que era secretário estadual de Governo.
Com a eleição de Garotinho à Câmara dos Deputados, as investigações começaram a tramitar no Supremo Tribunal Federal (STF) por causa da antiga regra do foro privilegiado, que foi derrubada no ano passado. Desta forma, o processo voltou para as mãos da Justiça do Rio de Janeiro.
Em nota, a defesa dos ex-governadores Anthony Garotinho e Rosinha Matheus disse que desconhece essas informações, e que “os ex-governadores repelem com veemência qual-quer envolvimento com essas denúncias”. A nota diz ainda que o ex-governador estranha “o volume de denúncias do Ministério Público do Rio contra ele, apesar de o mesmo órgão ter ignorado por muito tempo as denúncias que Garotinho fez contra integrantes da gestão de Cabral”. 
Sentença também na Segurança Pública S/A
Também durante o governo da esposa, Garotinho foi secretário estadual de Segurança Pública. Por este período, o ex-governador acumula uma outra condenação, desta vez na esfera criminal. Ele foi sentenciado a quatro anos e seis meses de prisão em regime semiaberto, pelo Tribunal Regional Federal (TRF), por formação de quadrilha armada.
A condenação diz respeito a crimes apurados na operação Segurança Pública S/A, que investigou o envolvimento de policiais civis com favorecimento ao contrabando de peças para má-quinas de apostas e exploração de jogo ilegal. Várias outras pessoas foram condenadas no mesmo processo, como o ex-chefe da Polícia Civil, Álvaro Lins. Todos recorrem em liberdade.
Desvio de R$ 234 milhões rendeu condenação
Não é a primeira vez que a contratações de ONGs durante o governo Rosinha rendeu problemas judiciais ao casal de ex-governadores. Os dois já foram condenados à inelegibilidade – Garotinho em segunda instância e Rosinha em primeira – por improbidade administrativa, em ações onde são acusados do desvio de R$ 234 milhões da Saúde do Estado.
A promotoria sustenta que empresas que fizeram doações a Garotinho em 2005 e 2006, quando ele era pré-candidato, eram de fachada e recebiam dinheiro que seria desviado da área da Saúde. A denúncia fala que a secretaria teria contratado a Fundação Pró-Cefet, que, por sua vez, subcontratou uma rede de mais de 130 organizações não governamentais, entre elas uma centena de ONGs ligadas a igrejas evangélicas ligadas com o ex-governador. A missão das entidades era prestar assistência e atendimento médico em comunidades carentes, mas cerca de R$ 234,4 milhões teriam sido desviados.
O MP quebrou sigilos bancário e fiscal das empresas e chegou às digitais das ONGs. Dois ex-secretários do governo Rosinha acabaram presos, mas ela e o marido escaparam da ação penal. Ficou o processo de improbidade administrativa.
Além da inelegibilidade, os dois também foram sentenciados ao pagamento de R$ 2 milhões por danos morais e uma multa de R$ 500 mil.

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