Cinema: A maternidade e o medo
Felipe Fernandes - Atualizado em 01/12/2020 17:51
"Caixa de Pássaros" / Divulgação
“Caixa de Pássaros” (“Bird Box”) — Um dos elementos fundamentais e mais intrigantes de “Caixa de pássaros” é justamente o fato de a visão ser a forma de contato geradora do grande mal, se fazendo necessário não ver para sobreviver. Um elemento que vai contra o principal elemento do cinema, a imagem. Esse fator, por si só, já é um desafio para qualquer cineasta que venha a transpor a obra para a sétima arte.
Uma outra questão que o cinema já ensinou e tem em “Tubarão”, de Spielberg, seu exemplo mais famoso, é que as vezes não mostrar a ameaça é muito mais aterrorizante. A sugestão, seja por um som, uma trilha ou um pequeno elemento, faz com que a mente do espectador crie o terror necessário para o funcionamento do filme ou da criatura em questão. Uma pena que a cineasta dinamarquesa Susanne Bier (vencedora do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2011) não seja bem sucedida nessa empreitada.
Em um mundo devastado por misteriosas criaturas que causam a morte de quem as vê, Malorie (Sandra Bullock) precisa proteger seus dois filhos em uma jornada através de um rio, que os levará para um lugar seguro. Jornada esta que eles precisam realizar vendados.
Baseado no livro de 2014 de mesmo título do autor estadunidense Josh Malerman, “Caixa de pássaros” é um filme que traz uma premissa intrigante e tem elementos narrativos muito interessantes. O filme funciona como uma metáfora da maternidade, e o tema principal é a relação de uma mulher que não quer se tornar mãe, mas precisa aceitar a sua condição. A idéia é ótima, mas os problemas de desenvolvimento prejudicam todos os atos da trama.
A narrativa é dividida em duas linhas temporais: uma abordando o início da travessia da protagonista com seus filhos, e outra mostrando o início do caos com o surgimento das criaturas, até o momento em que a protagonista se vê presa numa casa com um grupo de estranhos.
Essa divisão é eficiente em criar tensão e expectativa, mas quebra eventuais surpresas e traz à tona um dos grandes problemas do roteiro escrito por Eric Heisserer (autor do excelente roteiro de “A chegada”), que é a falta de conteúdo em seu terceiro ato.
As cenas no passado trazem vários personagens trancados dentro de uma casa, tendo que descobrir a natureza do que está acontecendo com o mundo e quem são aquelas criaturas, causadoras de todo aquele caos. Muito comum nesse tipo de filme, os personagens são diferenciados por características físicas ou de comportamento, sendo um deles um escritor amador que, numa determinada cena, começa a divulgar várias teorias sobre o que poderiam ser aquelas criaturas, no momento mais expositivo e constrangedor da obra.
O roteiro não consegue desenvolver um senso de comunidade entre aquelas pessoas, nem trabalha bem a tensão e desconfiança entre elas. Os personagens coadjuvantes são mal desenvolvidos, e fica difícil ao espectador realmente se importar com qualquer um deles, ainda mais quando essa divisão temporal já estabelece que, em determinado momento, a protagonista vai se separar deles.
A travessia do rio, que é o tempo presente, mas tem menos tempo de tela, é retratada com rápidos momentos, que trazem diferentes ameaças e, por isso, acabam ganhando um aspecto episódico que perde muito da tensão que poderia trazer ao long. Perde o sentimento de urgência que, por exemplo, a cena de abertura tem.
Essa divisão poderia ter sido costurada de forma mais fluida junto à montagem, permitindo que descobertas do passado dialogassem diretamente com momentos do presente, e criando assim não só uma óbvia ligação, como desenvolvendo um ritmo que tornaria essas passagens mais dinâmicas e ainda fortalecendo o valor da experiência dos sobreviventes até aquele momento.
Como mencionei no segundo parágrafo, o espectador não precisa ver a criatura para ter medo. Sendo essa a fonte da morte das pessoas, a própria história colabora nesse sentido. Porém, para que as criaturas causem suspense e medo, é preciso criar um elemento narrativo muito forte, que gere essa tensão no público.
A ideia da caixa com os pássaros é muito boa. O som da reação deles à presença das criaturas poderia ser esse elemento, mas é muito mal utilizado pela diretora. No final, fica mais a expectativa pelo visual das criaturas do que propriamente o medo.
Com um terceiro ato anti climático, “Caixa de pássaros” é um filme de enorme potencial, mas que se perde entre as suas possibilidades. Falta um tom mais intimista ao longa, curiosamente, um elemento inevitável e primordial em toda maternidade.

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